O Dia Nacional da Juventude, reafirmação de que os jovens não se conformam com os males da sociedade, foi assinalado em Lisboa, com um dos maiores protestos nacionais promovidos pela Interjovem e o movimento sindical unitário. Contra a precariedade, por emprego com direitos, por salários e horários de trabalho dignos, pela garantia de um futuro melhor, milhares de vozes deixaram claro que esta é uma luta para continuar.
Vieram do Minho e do Algarve, mas também das Beiras, do Ribatejo, do Alentejo, dos distritos de Setúbal, Porto e Lisboa, os jovens e outros trabalhadores que, na tarde de 26 de Março, sexta-feira, desfilaram em protesto desde a Praça do Município até à Assembleia da República, passando pelo Rossio e pelo Chiado. Nas faixas e cartazes, muitos manifestantes mostravam os sectores de actividade em que estão integrados e as profissões que exercem, com reivindicações específicas - como a Administração Local ou a Função Pública, ferroviários e enfermeiros, trabalhadoras e trabalhadores do comércio, da hotelaria, da indústria transformadora, da construção. Ao peito, quase todos levavam um autocolante azul, reproduzindo a capa do manifesto em que a CGTP-IN e a Interjovem inscreveram os principais motivos para que a insatisfação e o descontentamento confluíssem para esta jornada nacional, sintetizados no lema «Geração com direitos - Garantia de futuro!».
«A luta continua», «Sócrates, escuta, os jovens estão em luta», «É preciso que isto mude, emprego para a juventude», que foram das palavras de ordem mais gritadas, reflectiam, acima de tudo, as reivindicações comuns e a determinação de resistir à ofensiva que «o capital e a política de direita que o serve» dirigem «para o mundo do trabalho e, em particular, para a exploração acrescida do trabalho jovem» - como viria a assinalar Valter Lóios, ao usar da palavra no palco instalado frente à escadaria do Palácio de São Bento.
O dirigente da Interjovem e da CGTP-IN começou por assinalar a importância do trabalho desenvolvido pelas estruturas sindicais, durante a preparação da manifestação, que tocou «mais de 150 mil jovens nos locais de trabalho». Traduziu o PEC do Governo como «programa de exploração continuado» e deu ao Governo «a certeza de que, a cada medida deste programa, os jovens trabalhadores vão responder com a luta». Esta «é difícil, mas estamos a desenvolvê-la com confiança», apontando como próximas etapas as comemorações do 25 de Abril e «o grande 1.º de Maio».
Para a Interjovem, realçou Valter Lóios, o Executivo do PS e de José Sócrates é «um governo que ontem, em nome da crise, e hoje, em nome do défice, pede mais sacrifícios aos trabalhadores e dá milhões ao grande capital»; «não resolve a situação dos mais de 300 mil desempregados jovens» e decide «cortes no subsídio de desemprego, agravando assim a pobreza nas camadas jovens», num momento em que o desemprego de longa duração ultrapassa os 45 por cento, na faixa dos 25 aos 34 anos, e 57 por cento dos desempregados jovens não têm acesso a qualquer subsídio.
A precariedade atinge mais de um milhão e 400 mil pessoas, «na sua maioria, jovens e a exercerem funções de carácter permanente», e «60 por cento dos jovens trabalhadores, até aos 25 anos, estão a trabalhar com um contrato precário» - porque este «é muito mais barato e dá lucros desmedidos ao patronato», acusou Valter Lóios, referindo que, em média, uma hora de um trabalhador precário custa menos 40 por cento do que uma hora de um trabalhador com contrato efectivo. Esta situação, alertou, será muito agravada com o «trabalho intermitente» que ficou contemplado no «Pacto pelo Emprego».
Mais unidos e organizados
A resposta exige «luta organizada a partir dos locais de trabalho, envolvendo os jovens que aspiram e exigem uma vida melhor e reforçando os sindicatos da CGTP-IN». Os objectivos dessa luta ficaram expressos em dez pontos, na moção que foi aprovada e aclamada pelos jovens concentrados frente ao Parlamento. Aí se exige, nomeadamente:
- emprego com direitos e com maior qualidade (com mais formação profissional);
- passagem a efectivos de todos os trabalhadores em funções permanentes;
- regularização das falsas situações de recibos verdes e contratos temporários;
- retirada de benefícios a empresas que usam a Segurança Social para reduzirem emprego, aumentarem horários e manterem indefinidamente relações laborais precárias;
- mais fiscalização e mais eficácia da ACT;
- aumento real de salários;
- educação para a Saúde, com respostas à altura nas áreas do planeamento familiar e com combate à toxicodependência;
- criação e gestão pelo Estado de habitação com rendas a custos controlados e incentivos à aquisição e construção de habitação própria.
Para a «luta em crescendo, por um país melhor», e para «fazer um grande 1.º de Maio» foi o apelo que também deixou Manuel Carvalho da Silva. O secretário-geral da CGTP-IN - que, juntamente com outros dirigentes da central, integrou a manifestação desde o início - salientou a importância deste protesto nacional dos jovens trabalhadores, «porque é da mobilização que se fazem as mudanças» na sociedade.
Condenou a precariedade do emprego, que serve «para reduzir a retribuição do trabalho» e «para os patrões despacharem os trabalhadores mais depressa do que despacham as máquinas», assim propiciando «uma mais rápida acumulação de riqueza por alguns». Ao criticar os que surgem publicamente a defender que o emprego precário seria uma necessidade que derivaria das evoluções tecnológicas e da grande mobilidade que estas exigiriam, ironizou com a «mobilidade» e «polivalência» que muitos desses exibem, «entre cargos políticos e administrações de empresas, sempre a subir e sempre no espaço do poder, alguns em dez ou 15 empresas ao mesmo tempo»...
Na situação do País, Carvalho da Silva também deu especial atenção ao «Programa de Estabilidade e Crescimento 2010-2013», reafirmando que a sua aprovação (na véspera da manifestação) vai assinalar o início de um período de maior mobilização dos trabalhadores e da sociedade. Opondo-se à ideia de que os desempregados e os pobres seriam os «malandros», contrapôs que quem está a criar dificuldades à economia e à generalidade dos portugueses são os que se apropriam da riqueza que deveria ser distribuída.
A apreciação e as propostas da central sobre o PEC foram dadas a conhecer aos jornalistas, ao Governo e à Assembleia da República, no dia 24. Num extenso documento, a Intersindical Nacional desenvolveu quatro afirmações: a política de redução do défice público é socialmente injusta; o corte da despesa do Estado atinge os grupos sociais mais desfavorecidos e vulneráveis; as privatizações previstas retiram ao Estado um importante instrumento para o desenvolvimento do País; e falta uma estratégia para este mesmo desenvolvimento.
As alterações ao regime de atribuição do subsídio de desemprego, alegando que elas contribuirão para promover o rápido regresso à vida activa, é uma atitude «cínica» do Governo, uma vez que, por essa via, o que vai suceder é a limitação das carreiras profissionais. De igual forma, merecem firme condenação da Inter o congelamento do indexante de apoios sociais e das prestações do sub-sistema de solidariedade.
A CGTP insiste que as opções contempladas no PEC não são uma inevitabilidade e reafirma o apelo à luta dos trabalhadores e à mobilização dos outros portugueses que por ele são visados.
Solidariedade activa
No Largo do Calhariz, a manifestação foi calorosamente saudada por Jerónimo de Sousa e uma delegação da direcção do PCP, com Francisco Lopes e Paulo Raimundo, membros da Comissão Política, que assim formalizava a solidariedade dos comunistas para com a luta e os seus objectivos, a qual foi também visível na presença de outros dirigentes do Partido e da JCP, de deputados e de muitos militantes e simpatizantes. Essa solidariedade, que significa comunhão de problemas e de interesses e envolvimento conjunto nas batalhas pela sua resolução, é visível na nota em que a JCP, no dia 27, valorizou a manifestação e reiterou «a necessidade de dar continuidade à luta» - o que quer dizer empenho militante para tal.
Mais um dia especial
Para muitos dos que responderam ao apelo da Interjovem e da CGTP-IN, a jornada de 26 de Março foi um dia especial, como tantos outros que têm vivido ultimamente, em defesa de melhores salários e de emprego com direitos (que, como o patronato bem sabe, acabam por ter reflexos na remuneração), como os ferroviários, os enfermeiros, os trabalhadores das autarquias ou os professores, da Brasileira e da Portugália; contra falências fraudulentas (como acusavam trabalhadores do Estrela da Amadora) ou provocadas pelo banco do Estado (caso do Grupo Alicoop); contra as ideias expressas dias antes pela ministra da Cultura e que «merecem uma resposta forte», como apelavam os trabalhadores do Teatro Fórum de Moura, a prometer mais dias especiais...
Domingos Mealha
http://www.avante.pt/noticia.asp?id=33047&area=18
À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.
01/04/2010
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