Na Maternidade Alfredo da Costa, há três anestesistas para seis mil partos por ano

A Maternidade Alfredo da Costa (MAC), em Lisboa, onde todos os anos nascem mais de seis mil bebés, tem "quadro" para 13 anestesistas. Mas neste momento só dispõe de três. E um deles acaba de pedir a aposentação. Com os concursos para a contratação destes especialistas sistematicamente "desertos", não há outra hipótese senão a de recorrer a "tarefeiros", lamenta o director da maior maternidade do país, Jorge Branco. São médicos que trabalham à tarefa, à hora. Alguns são especialistas que se reformaram há pouco tempo e que vêm ganhar o dobro desta forma. "Há muitos reformados a trabalhar em todo o lado. Não temos alternativa, sujeitamo-nos às leis da oferta e da procura", justifica Jorge Branco. Por isso é com alguma preocupação que vê o anúncio feito há dias pelo secretário de Estado adjunto e da Saúde, Manuel Pizarro - que decidiu pôr a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde a investigar as empresas que prestam serviços médicos a hospitais do SNS, para garantir que não contratam médicos reformados. "A intenção é boa, mas na prática não sei se será possível [concretizá-la]. [Se avançar], vamos ter que fechar hospitais", avisa.

Não é a primeira vez que o Ministério da Saúde tenta pôr travão a este fenómeno: ao perceberem que têm mercado no exterior, alguns clínicos saem dos hospitais públicos para depois voltarem a trabalhar para o SNS. A ministra Ana Jorge até já lhes chamou "mercenários".

Para tentar controlar o aumento da despesa com os tarefeiros, no final de 2008 o então secretário de Estado adjunto e da Saúde, Francisco Ramos, chegou a estabelecer preços máximos para a hora a pagar aos especialistas (35 euros) e aos não especialistas (27,5 euros). Mas deixou a porta aberta a excepções. E as excepções serão muitas. "Por esse preço não conseguia anestesistas", garante Jorge Branco. Os médicos que saem constituem sociedades ou trabalham para as empresas que fornecem mão-de-obra à hora para os hospitais públicos.

E os dados indicam que este ramo de negócio continua florescente. Se em 2008 eram 1849 os médicos em prestação de serviço no SNS, em Setembro do ano passado eram já 2070, de acordo com a informação adiantada pelo Ministério da Saúde. E os sindicatos garantem que, nas urgências, os tarefeiros representam já cerca de 30 por cento da força laboral.

Agora, a ministra deixou claro que os médicos que pediram a aposentação antecipada não podem, durante três anos, ser contratados por estas empresas para trabalhar para o SNS.

O ginecologista e ex-director da Maternidade Júlio Dinis (Porto), Strecht Monteiro, que se reformou há seis anos, também acha que, se a caça aos aposentados for avante, "alguns hospitais vão encerrar".

Ainda hoje, aos 68 anos, Strecht Monteiro faz de vez em quando "umas urgenciazitas, porque é difícil arranjar especialistas". E por que não? "Há muitos reformados a trabalhar no SNS. Até para cirurgias programadas estão a contratar aposentados".

http://jornal.publico.pt/noticia/03-04-2010/na-maternidade-alfredo-da-costa-ha-tres-anestesistas-para-seis-mil-partos-por-ano-19122103.htm