Fred Goldstein
Dez milhões de pessoas nos EUA esperavam libertar-se das garras dos implacáveis exploradores que controlam o sistema de saúde. Mas aconteceu justamente o contrário.
A recente chamada reforma da saúde, promulgada pelo presidente Barack Obama a 23 de Março, consolidou e legalizou a posição dos especuladores dos cuidados de saúde como força central do sistema de assistência médica, sob um mínimo de supervisão e regulação do Estado capitalista.
Para além disso, esta reforma passou à custa dos direitos reprodutivos das mulheres – tornando impossível o recurso ao aborto com dinheiros públicos – e dos direitos dos imigrantes. O resultado é a destruição da solidariedade enquanto se vira as costas a milhões de mulheres e imigrantes mais pobres.
Os que lutavam corajosamente por um sistema universal de cuidados de saúde foram afastados pela direcção do Partido Democrático e pela administração Obama. Planos de contribuintes individuais, como o Medicare para todos, saíram da agenda. Na verdade, a administração Obama cedo chegou a acordo com a indústria da saúde para garantir que não haveria um seguro governamental directo, ainda que todos tenham de ter um seguro ou serão multados.
Deste modo os cuidados de saúde foram subrepticiamente vendidos como uma mercadoria no mercado capitalista do lucro, em vez de serem, como deviam, consagrados como um direito. Isto contrasta profundamente com o sistema socializado de saúde vigente em Cuba, por exemplo, onde apesar do bloqueio norte-americano que há décadas empobrece o país, o sistema de saúde é livre e acessível a todos.
A actual reforma reflecte o facto de o movimento da classe operária, incluindo o movimento das pessoas afro-americanas e de origem latina reprimidas, ter estado na defensiva durante muito tempo e não ter ainda começado a contra-atacar. Consequentemente, o resultado da reforma do sistema de saúde acabou por ser o fruto da luta entre as diferentes facções existentes no seio da classe dirigente e dos seus dois partidos políticos sem qualquer intervenção significativa das massas populares.
Eis alguns dos principais aspectos da reforma finalmente anunciada após meses de secretismo:
- Para começar, mesmo as estimativas mais optimistas reconhecem que 23 milhões de pessoas vão continuar sem seguro de saúde em 2014.
- É obrigatório ter um seguro. Isto assegura biliões de lucros no futuro graças ao aumento dos segurados nas companhias, que se ressentiram com a crise económica quando milhões de pessoas perderam os seus empregos e os seus seguros.
- Em 2014, os trabalhadores e a classe média estarão a ser pressionados por uma das 50 corridas eleitorais. Isto implementará a divisão da classe operária deixando a cada um o fardo de encontrar na Internet um seguro «à medida» das suas possibilidades.
- O seguro estatal conhecido como Medicaid Advantage, pagamento da assistência domiciliária e hospitalização, vai sofrer um corte de 200 mil milhões de dólares. Esta medida representa uma ameaça para os idosos e inválidos, apesar do pagamento dos seguros que ninguém reduzirá. Adultos com problemas especiais vão ter de esperar até 2014, quando já não lhes podem negar o direito à cobertura. Famílias pobres, num total de 16 milhões de pessoas, vão ter de esperar cinco anos para terem direito à Medicaid. Entretanto, terão morrido 45 000 pessoas por ano com doenças curáveis devido ao período de carência e metade das falências individuais terão sido provocadas pelos custos da assistência médica.
A luta continua
A reforma tem alguns aspectos positivos que cobrem as práticas das companhias de seguros mais ofensivas e odiadas por todos. Qualquer aspecto positivo deve ser analisado cuidadosamente pelos trabalhadores para que possam tirar pleno proveito dele. Muitas das práticas a ser eliminadas foram denunciadas pelo realizador Michael Moore no seu popular filme «Sicko». Em breve, as companhias de seguros deixarão de poder recusar cobertura a quem estiver doente. Deixarão de poder impor um limite de idade para a cobertura do seguro de assistência médica. E não poderão recusar o seguro a crianças com problemas. Os jovens maiores de 26 anos poderão ficar nos seguros de saúde dos pais desde que estes paguem um prémio adicional.
Mas milhões de trabalhadores, se ficarem desempregados, continuarão a perder o seu sistema de saúde. Nesta era do lay-off, dos despedimentos em massa e do subemprego, é uma verdadeira epidemia a quantidade de pessoas que perdem a cobertura proporcionada pelo empregador ou que não têm condições para garantir a sua contribuição individual para ficarem a coberto do seguro de saúde. E o mais importante é que serão as próprias companhias de seguros a conduzir o processo para implementar a reforma.
A luta para garantir o acesso universal aos cuidados de saúde continua. Juntamente com a luta pelo direito ao trabalho, contra os cortes orçamentais e execuções de hipotecas, e pela defesa da educação pública.
http://www.avante.pt/noticia.asp?id=33078&area=11
À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.
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