Henrique Custódio
A ministra da Saúde, Ana Jorge, tem-se aprimorado num estilo próprio: faz promessas sorridentes. Entretanto, a semelhança com o seu antecessor na pasta, o truculento Correia de Campos, surge no pormenor de ambos, generalizadamente, nada cumprirem do que vai sendo prometido.
A vantagem de Ana Jorge sobre Correia de Campos reside no facto de executar a mesma política de esvaziamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS) com um sorriso nos lábios e um inesgotável saco de promessas, o que, não alterando nada, sempre amolece aqui e ali os protestos e a revolta.
A última promessa de Ana Jorge surgiu esta semana na forma de «intenção» - apresentada aos sindicatos dos médicos - de «reduzir o recurso a empresas» para suprir a falta de clínicos nas urgências hospitalares, chegando mesmo ao pormenor de «admitir como solução» o aumento dos valores à hora pagos aos médicos destes serviços, com o objectivo de captar os profissionais entre os 50 e os 55 anos, os mais «tarimbados».
Recorde-se que esta polémica com os serviços de urgência dura há mais de dois anos, o que significa que cabe inteiramente nos mandatos da actual ministra.
Resumidamente, o que se passa é que a falta de médicos para os serviços de urgência do SNS tem-se acentuado ano após ano, devido essencialmente à reforma dos clínicos mais velhos (sem que as universidades médicas portuguesas forneçam novos licenciados em número suficiente para repor os efectivos) e à saída para o sector privado de um número crescente de profissionais, aliciados por melhores remunerações e sem que os sucessivos governos, e respectivos ministérios da Saúde, decidam estancar de vez esta sangria dos corpos clínicos do SNS, adoptando uma política de remunerações que fixe os profissionais no sistema público através de carreiras consolidadas.
O resultado está à vista: no caso das urgências, a falta de clínicos do SNS tem levado as unidades de Saúde a recorrer a «médicos de empresas», que cobram ao «cliente Estado» balúrdios por essa «prestação de serviços».
Estima-se que 30% dos recursos médicos nas urgências sejam já garantidos pelos designados «tarefeiros» e com custos muito elevados – pagos, naturalmente, às empresas que fornecem esses clínicos e que, muitos vezes, até os vão buscar ao sector público, aliciando-os com melhores salários. Só no primeiro trimestre de 2009 o Estado pagou 13 milhões de euros com esses contratos, o que dá uma média anual de 50 milhões de euros, apenas para «reforçar» as urgências em 2009...
A ministra Ana Jorge surge com mais esta promessa vaga (tão vaga que foi apresentada como mera «intenção») sob o respeitável argumento de que pretende «poupar o dinheiro dos contribuintes».
Na verdade, se estivesse efectivamente preocupada com o «dinheiro dos contribuintes» não andava, nestes vários anos que já leva de ministra da Saúde, a permitir o êxodo dos melhores especialistas de todas as especialidades médico-hospitalares do SNS para o sector privado, por não lhes garantir remunerações adequadas e carreiras seguras, para depois os contratar «à peça» e a peso de ouro aos seus novos patrões, os negociantes da Saúde, a quem, entretanto, a mesma ministra e o mesmo Governo Sócrates vão oferecendo hospitais construídos com dinheiros públicos para serem «administrados» pelos interesses privados.
As promessas de Ana Jorge já não enganam ninguém. Nem com sorrisos.
http://www.avante.pt/noticia.asp?id=32714&area=29
À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.
04/03/2010
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