Francisco Silva
Sinais de um certo aviltamento da Ciência vão ocorrendo aqui e acolá. Não se está a referir, é claro, à Ciência, enquanto tal. É mais como quando se refere o mediático aviltamento do Futebol. Não é ao Futebol que se culpa, enquanto belo jogo e desporto, mas sim à constituição de sistemas dentro dos sistemas formais que os gerem, à instituição de poderes que perseguem interesses particulares, que imaginamos actuantes em zonas opacas à margem da esfera pública.
É que, talqualmente o episódio de crise financeira e económica que tem assolado este mundo, um episódio visionado com mediatismo e sentido em múltiplos dramas nos últimos tempos, digamos, sobretudo desde o Verão de 2008, e cuja causa radicaria na ganância dos financeiros e das «classe médias» compradoras de casas, assim também nos escândalos do Futebol e da Ciência tudo seria atribuível às maldades de uns quantos! E uma vez a Justiça funcionando, e que tais más gentes fossem punidas, desarticuladas as redes - uma expressão requintadamente técnica -, diz-se, estaria o assunto resolvido. Coisa que parece impossível acontecer no nosso País, é certo, onde os processos acabam em nada; bem, em nada não diríamos, mas arranjando bodes expiatórios como o Bibi da Casa Pia ou o patrão dos negócios da lixarada das empresas públicas, que o que deviam era ser privatizadas para evitar tais corrupções, etc. Mas vejam o que aconteceu mesmo com a volucionária «operação mãos limpas», dirão os mais cépticos, com a eleição para cargos executivos máximos de certas pessoas (dizem os tais cépticos, não diz quem isto escreve para não apanhar com um processo de difamação em cima do lombo). Ou vejam o que acontece na China onde, em 2009, foram punidos 160 000 gestores corruptos, alguns acusados dos crimes mais graves até foram condenados à morte, país onde a escalada de corrupção parece não dar sinais de abrandar.
Pronto, pronto. Parece que fenómenos, por exemplo como o escândalo das vacinas contra a que deveria ser uma pandemia feroz de gripe A e acabou como uma das mais benignas, um escândalo que parece envolver, inclusivamente, uma prestigiada agência da ONU como é a OMS; ou outro exemplo, como a questão do aquecimento global e, em particular, os glaciares dos Himalaias que parece estarem mais «crescidos» do que os cientistas afirmavam que aconteceria (até já pediram desculpa, tipo perdão de confissão, coisa que parece estar na moda); num tempo, como hoje em dia, em que vivemos uma fase de investigação científica onde a manipulação de modelos informáticos se sobrepõe bastante à observação da realidade - parece que tais situações «escandalosas» apontariam para rombos no crédito da comunidade científica. Mas, talvez, os fazedores de tais coisas em nome da Ciência, ou os grupos de interesses/instituições a que estão vinculados, se sintam, como se sentiam os mágicos e altos sacerdotes, algo impunes no seio de sociedades que sabem timoratas, sociedades, como são as nossas, trabalhadas sistematicamente para o amedrontamento, onde as pessoas vivem aterrorizadas com o que lhes possa acontecer… e esperam da Ciência e dos seus feitos uma protecção quase divina!
Mas mesmo que o oportunismo, a ganância, a malandrice, pudessem ser controlados por uma coerção justiceira eficaz por parte dos Estados, a verdade é que os mecanismos de assalariamento dos quadros «científicos» pouca margem lhes deixa (em certa medida, como nos media os jornalistas também se deparam com os seus mecanismos) para fazerem diferente do que lhes mandam os «patrões». Talvez os professores e outros investigadores da «Academia» tenham tido ainda algumas possibilidades de escapadela a tais controlos até recentemente. Contudo, a crescente exigência de que estes ganhem as suas receitas através de projectos contratados com a área empresarial - e não serei eu a afirmar que não existem também vantagens na ligação investigação universitária/empresas -, fazem com que os seus objectivos sejam determinados pelo mundo dos «valores de troca» e não pelos «valores de uso» dos seus «produtos científicos». Mundo dos «valores de troca», quer dizer, mundo da «maximização dos lucros» em vez da satisfação directa das necessidades. As coisas são produzidas para, através da venda, proporcionarem um máximo de «resultados», eufemismo que é usual. «Resultados» que são supostos mediatizar, através dos equilíbrios dos mercados, a satisfação das necessidades das pessoas - mas atenção: apenas as da procura solvente!
http://www.avante.pt/noticia.asp?id=32313&area=35
À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.
04/02/2010
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