Lurdes Ferreira
Os investimentos do Estado assemelham-se cada vez mais a um transvase do Plano de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central (PIDDAC) para as parcerias público-privadas (PPP), e que aumenta à medida que os anos passam.
O investimento da administração directa do Estado, traduzido no PIDDAC, cai, em 2010, para o valor mais baixo dos últimos oito anos, de acordo com uma comparação dos orçamentos do Estado desde 2003, ano a partir do qual este programa evidencia uma tendência de quebra. Em contrapartida, crescem os contratos de investimento de associação do Estado aos privados e que tanto têm irritado a oposição. O investimento público global inscrito pelo Governo no OE 2010 ascende a 4709 milhões de euros, mais três por cento do que no ano passado.
Depois de ter valido quase cinco por cento do Produto Interno Bruto português no início da década, o PIDDAC deverá chegar ao final deste ano a pesar somente 1,6 por cento, e isto incluindo ainda a verba que corresponde a co-financiamento comunitário. Sem ela, a sua expressão reduz-se a um por cento.
Quanto às PPP, sabe-se através da proposta do OE 2010 que, para as três grandes áreas, os encargos do Estado na saúde duplicam este ano, na ferrovia crescem 60 por cento e na rodovia ainda não chegam à duplicação mas é para lá que caminham.
Esta relação de transvase tem consequências, tal como acontece com os verdadeiros rios quando parte do seu leito, ou o seu todo, é desviado do curso natural. A mais óbvia é a chamada desorçamentação, com a repetida dificuldade de fiscalização parlamentar dos compromissos do Estado nos contratos assinados com os privados, e que tem sido apontada pelo Tribunal de Contas, enquanto o PIDDAC se esvazia, fugindo o Governo ao seu impacto na dívida pública, mas aumentando os encargos plurianuais extra-orçamentais.
Porém, nem o PIDDAC deverá acabar, nem o Governo poderá passar muitos mais anos sem alterar o modelo orçamental de inscrição dos investimentos públicos. A actual situação não agrada a João Ferreira do Amaral, economista da área socialista, ex-conselheiro económico do Presidente da República e que chefiou a Direcção-Geral do Planeamento no final da década de 1980. Primeiro, porque - diz ao PÚBLICO - nem todo o investimento do Estado pode passar para as parcerias e para as empresas públicas e faz sentido manter o PIDDAC; segundo, porque "nem todo o investimento [no OE] é claro", dando como exemplo o que se passa com as rodovias e os hospitais. "Aparecem nuns quadros e noutros não (...) Os encargos do TGV para 2010 estão no OE, mas nada se diz sobre o futuro."
Novo enquadramento
A solução está num novo enquadramento orçamental, com um programa integrado de investimentos do Estado da administração tradicional e das empresas públicas e que "evitaria que os estados desorçamentassem" custos elevados e diferidos por grandes períodos. "As consequências [das PPP] podem não ser negativas, se houver informação sobre o que o Estado vai fazer através delas. E o que tem faltado é informação suficiente sobre isso no Orçamento do Estado. Os encargos agregados estão lá, falta é o detalhe", acrescentou.
Entende que deve ser o Parlamento a resolver o "problema político" de redefinição do estatuto das empresas públicas: "Não são objecto [de fiscalização] da AR porque são empresas públicas, mas pelo seu carácter são serviço público." Mais do que a questão contabilística, é "preciso saber o que o Estado gasta em investimento".
Mariana Abrantes, especialista em parcerias público-privadas, tem defendido que as PPP permitiram ao país "recuperar o défice de investimento histórico" que se arrastava desde antes da adesão à CEE, em 1986, acompanhando também uma tendência mundial. Esta economista, que é actualmente controladora financeira do Ministério da Saúde, sublinha que, apesar da descida do investimento público nos últimos anos, o sector dos transportes manteve-se.
Contudo, considera que o investimento público português se "tornou dependente dos mercados financeiros, em montante e em selecção dos projectos", e que a sua estratégia tem de ser revista, face a um recurso "excessivo" às PPP. Defende, há vários meses, que este meio de investimento do Estado precisa de passar a uma patamar de "sustentabilidade", com projectos mais selectivos e que gerem mais benefícios do que custos ao longo da sua vida.
http://economia.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1421701
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