À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.

11/02/2010

Mais do mesmo

Ilda Figueiredo

Com o Tratado de Lisboa, a votação da nova Comissão Europeia, e a sua subsequente entrada em funções, inicia-se um período em que, provavelmente, vamos deparar-nos com propostas de aprofundamento da integração capitalista europeia que estamos a viver. Aliás, a anterior Comissão já deixou muito trabalho preparado, incluindo as linhas gerais e a dita consulta pública sobre a estratégia que vai dar continuidade à chamada Estratégia de Lisboa. Para já, chamam-lhe Estratégia UE 2020, mas adiantam que servirá para «passar à prática: explorar os instrumentos existentes através de uma nova abordagem». Ou seja, o que sabemos desde já é que teremos mais do mesmo.
No entanto, reconhecem o óbvio, afirmando que «há décadas que a Europa não vivia uma crise económica e financeira tão profunda, com uma contracção económica tão acentuada». Mas não analisam as causas, não assumem quaisquer responsabilidades nem retiram as devidas ilações, como se não fossem co-responsáveis por tudo o que se passa, tendo em conta as orientações políticas e as propostas que apresentaram ao Conselho e ao Parlamento Europeu, além das pressões que sempre fizeram e continuam a fazer sobre os estados-membros para que cumpram o Pacto de Estabilidade, as liberalizações e as desregulamentações previstas na Estratégia de Lisboa.

Causas da crise

Sabe-se como estas políticas serviram de pretexto, também em Portugal, para o PS, com apoio do PSD e CDS, pôr em prática toda a política neoliberal contra os trabalhadores, a produção nacional e a generalidade das populações. Por isso, esta foi uma década de estagnação ou retracção da economia, de retrocesso de direitos sociais e laborais, de empobrecimento da democracia e de tentativa de reformulação do Estado para o colocar ao serviço dos monopólios entretanto reconstruídos ou em formação.
Com as privatizações da generalidade de sectores estratégicos, não só destruíram a possibilidade de intervenção directa do Estado na correcção de políticas económicas e sociais como retiraram ao País centros fundamentais de decisão económica e possibilitaram a transferência para o estrangeiro da riqueza aqui criada, das mais-valias retiradas do trabalho cada vez mais desvalorizado, como o demonstram as contas nacionais e a repartição cada vez mais injusta do rendimento nacional.
Com todas as contradições do Comissário Almunia, designadamente a sua fuga à responsabilidade do que se passou em Portugal, Espanha e Grécia, o que ele acaba de constatar é tão só o reconhecimento da sua própria cegueira política. Há uns meses ainda dizia, em pleno Parlamento Europeu, que Portugal era um exemplo no controlo das finanças públicas, talvez a pensar nas eleições em Portugal e nos seus amigos do PS, tentando ignorar que tudo isso tinha pés de barro e que bastava uma pequena ventania para quebrar as suas certezas, como então alertámos.
A existência de um baixo poder de compra da maioria dos trabalhadores e pensionistas, um desemprego elevado apenas disfarçado com a emigração, designadamente para Espanha, um crescente trabalho precário rapidamente transformado em desemprego, uma economia muito dependente de multinacionais prontas a fugir quando vissem outras paragens onde pudessem obter apoios e ganhos muito maiores, a desindustrialização crescente, a desvalorização do trabalho agrícola, o abandono das terras e a destruição de parte significativa da frota de pescas, só podiam acabar no ponto em que estamos.
Mas, mesmo assim, os responsáveis da União Europeia continuam a assobiar para o lado, escamoteando a necessidade de balanço da aplicação das medidas tomadas em nome da Estratégia de Lisboa e do grau de concretização dos objectivos então proclamados. Em vez do pleno emprego, temos mais de 23 milhões de desempregados a nível da UE, com destaque para os jovens cuja taxa de desemprego ultrapassa já os 21%. Em vez de inclusão social, temos mais de 85 milhões de pessoas em situação de pobreza, com destaque para as mulheres, incluindo trabalhadoras com trabalho precário e mal pago, crianças e pessoas idosas com reformas de miséria.
Se houve beneficiários com a Estratégia de Lisboa, e houve, eles são os grupos económicos e financeiros, as multinacionais e os países mais poderosos, ou seja, os mesmos de sempre. Agora, a nova Comissão Europeia, aliada ao Conselho e à maioria do Parlamento Europeu, em estreito conluio com a maioria dos governos nacionais e o patronato europeu, vão continuar a fazer pagar aos mesmos de sempre a crise que as políticas neoliberais de desregulamentação e de liberalizações ajudaram a intensificar. É a mesma a cartilha que apresentaram nas audições e que se preparam para aplicar na nova estratégia de que decorreu uma consulta pública em plena época de fim de ano, tendo terminado em 15 de Janeiro passado.
Terão pela frente a oposição dos trabalhadores e das correntes progressistas e revolucionárias de diferentes países.

http://www.avante.pt/noticia.asp?id=32422&area=8

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