Francisco Silva
Causa-me uma recorrente estranheza a maneira como certas pessoas, pessoas, claro, em princípio possuidoras de pergaminhos suficientes como estudiosos, como sabedores, produzem, mais a mais com pose de mestre, afirmações definitivas acerca do carácter não científico da obra publicada de Karl Marx. Mais, fica-me sempre a impressão, na generalidade dos casos, do seu desconhecimento de uma obra fundamental como é O Capital. Referem o Manifesto Comunista, os Manuscritos de 1844, a Miséria da Filosofia, onde encontrarão com maior «facilidade» argumentos para justificar as suas ideias do «marxismo» enquanto uma metafísica, uma profecia falhada, mas O Capital, é coisa que parece não fazer mesmo parte das suas leituras. E fazem mal. Na verdade O Capital é, antes de tudo, uma obra científica - o que é visível logo desde o início do texto, logo desde o rigor da apresentação de conceitos de teoria económica como o valor de uso e o valor de troca. Obra científica que registou avanços no conhecimento económico, avanços espicaçados, facilitados, cujos caminhos foram abertos por uma sua interessadíssima posição do lado do proletariado, da classe operária, uma posição abominante da exploração, é certo. Mas nem por isso infectada sem apelo pelo dogma! Pelo contrário, é frequente ser o aguilhão do interesse por certas matérias que leva a avanços no conhecimento científico. Elevado acima dos ombros dos economistas que o precederam, levado a olhar daí de cima segundo a perspectiva a que o seu pensar o empurrou sem alternativas, pôde Marx então cometer a sua enorme façanha em termos de deslindamento científico da economia capitalista. Deslindamento que, hoje, no meio de uma enorme crise do capitalismo, inclusive entre proeminentes representantes da comunidade científica económica internacional, tem levado a um reclamado retorno ao estudo de Karl Marx, neste caso, entenda-se, sem esquecimentos de O Capital.
Vem este arrazoado a propósito do recente livro publicado por Onésimo Teotónio Almeida (OTA), professor da Universidade de Brown nos EUA, De Marx a Darwin - a Desconfiança das Ideologias, um livro, aliás, com vários pontos de interesse. Entre outras coisas, anexa dois interessantes ensaios sobre Darwin e os Açores, incluindo quer a passagem daquele nos Açores na volta da viagem da Beagle e o seu interesse pelo que aquele arquipélago poderá oferecer como evidências para a elaboração da sua Teoria, quer sobre a recepção de Darwin ocorrida naquela Região de Portugal.
O autor ensaia no seu texto - basicamente, e como refere, a partir sobretudo da sua vivência e dos conhecimentos adquiridos no meio académico anglo-saxónico - o que designa pela mudança de paradigma de Marx para Darwin - isto é, e ainda segundo entendemos da leitura deste livro, de uma mundividência filha da ideia de que a economia tudo determinaria, a mundividência que seria reclamada pelos marxistas, para uma mundividência filha da ideia que tudo deriva de uma biológica herança genética, uma proclamação vinda da sociobiologia, mas recentemente «atenuada» como psicologia evolutiva. Um debate com barbas, mas sempre actual: como tudo é herdado geneticamente, o capitalismo corresponderia ao cúmulo da naturalidade, pelo que uma visão determinista do ponto de vista de mudança de base económica não colhe, até pelas evidências irrefutáveis, direi eu, que «neoliberalismo», «globalização» e quejandos são manifestações supremas da Natureza. OTA não advoga isto, sem mas, referindo mesmo o «dever» de lutar contra os abusos dos prosélitos de um lado e de outro, claro.
Isto dito à laia de apresentação. Contudo, o que aqui quero frisar das afirmações de OTA é que Marx, ao contrário de Darwin, não seria um herdeiro «do paradigma que Newton e Galileu implantaram na ciência moderna», um paradigma, para OTA, com uma filiação remota em Aristóteles… Marx - para OTA - seria um autor não radicado nas evidências, um combatente contra o empirismo e hoje a «ciência» marxista teria soçobrado perante a superioridade do modelo empírico-racionalista (…).
Mas o que OTA não explica é que nem Darwin nem Marx foram empiristas de superfície, como por exemplo Adam Smith e outros economistas, como Marx bem mostra em O Capital; ambos empregaram as evidências para ir ao fundo, ao «escondido» encontrar as explicações, para fazer avançar a Ciência, e OTA, poderá entender isso se ler com olhos de ver O Capital. Coisa que, tudo indica, ainda não o terá feito… tal qual como Mário Soares!
http://www.avante.pt/noticia.asp?id=31768&area=35
À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.
25/12/2009
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1 comentário:
Uma breve intervenção para registar dois pormenores. O primeiro visa uma afirmação gratuita, sem base para poder fazê-la. Na verdade, de "O Capital" fiz leitura do 1ª volume num seminário de pós-graduação, já lá vão trinta e cinco anos. Para a escrita da minha tese li várias passagens dos outros volumes. Deu para me aperceber da vastidão dos conhecimentos históricos de Marx e do cuidado que pôs na sua investigação. Segundo:o facto de Marx ter utilizado o método científico na sua investigação histórica não implica que o marxismo seja uma ciência, visto incluir postulados que pertencem ao domínio da metafísica, como espero ter demonstrado.
Foi isso que em resumo tentei dizer no meu livro, mas apontei também bibliografia minha onde desenvolvi mais pormenorizadamente esse meu argumento.
De qualquer modo, obrigado por ter dado atenção ao meu livro.
Onésimo Teotónio Almeida
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