À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.

30/08/2009

Comportamentos diferentes do INE e do IEFP sobre os dados do desemprego

Eugénio Rosa

O desemprego é actualmente o problema mais grave em Portugal. No entanto, o governo parece indiferente à gravidade da situação, pois pouco tem feito para reduzir os seus efeitos a nível de quem é atingido pelo desemprego. A prová-lo está o facto de que continua a recusar alargar o subsidio de desemprego, e não o subsidio social de desemprego como fez ( e foi só a 20.000 desempregados), a mais desempregados. Esta insensibilidade social deste governo está a determinar que já mais de 200.000 desempregados não recebam qualquer subsidio.

Perante o comportamento deste governo não é demais voltar novamente ao problema do desemprego em Portugal, porque os números oficiais ainda não traduzem a verdadeira realidade. E isso é preciso que chegue à opinião pública para obrigar este governo a tomar medidas de apoio a esses desempregados. É necessário tornar ainda mais visível a gravidade da situação.

OS NUMEROS OFICIAIS DO INE E DO IEFP NÃO TRADUZEM A VERDADEIRA DIMENSÃO DO DESEMPREGO EM PORTUGAL

O Instituto Nacional de Estatística (INE) e o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) divulgam periodicamente dados sobre o desemprego em Portugal. O INE trimestralmente, e o IEFP mensalmente. No entanto, utilizam técnicas diferentes para reduzir os números oficiais de desemprego que divulgam. É o que se vai mostrar.

De acordo com os “Conceitos”constantes das “Estatísticas do Emprego” divulgadas trimestralmente pelo INE, um desempregado para ser incluído no número oficial de desempregados é necessário que “tenha procurado um trabalho, isto é, tenha feito diligências ao longo de um período especificado (período de referência ou nas três semanas anteriores) para encontrar um emprego remunerado ou não”. Portanto, se um desempregado não procurar trabalho na semana em que foi realizado o inquérito (período de referência) ou nas três semanas anteriores já não é incluído no número oficial de desemprego. E de acordo com o INE, no 2º Trimestre de 2009, existiam 64,2 mil desempregados nesta situação (os chamados “inactivos disponíveis”) que não foram considerados no numero oficial de desempregados divulgados pelos órgãos de informação.

Por outro lado, e também segundo os “Conceitos” do INE, que constam da publicação que ele divulga trimestralmente, é considerado como estando empregado aquele que tenha “”efectuado um trabalho de pelo menos uma hora, mediante o pagamento de uma remuneração ou com vista a um beneficio ou ganho familiar em dinheiro ou géneros”. Portanto, existe muita gente considerada como empregada, e por isso não está incluída nos números oficiais de desemprego, apesar de estar efectivamente desempregada E de acordo com o INE existiam, no 2º Trimestre de 2009, 63,3 mil desempregados (o chamado “subemprego visível) que também não foram considerados no número oficial de desempregados.

Se somarmos ao número oficial de desempregados no 2º Trimestre de 2009 – 507,7 mil – estes dois valores ( 64,2 mil mais 63,3 mil divulgados também pelo INE) o número de desempregados sobe de 507,7 mil para 635,2 mil, e taxa de desemprego aumenta de 9,1% para 11,2% no 2º Trimestre de 2009..

NOS PRIMEIROS SETE MESES DE 2009 JÁ FORAM ELIMINADOS DOS FICHEIROS DOS CENTROS DE EMPREGO 303.662 DESEMPREGADOS QUE O IEFP PROCURA OCULTAR

O IEFP utiliza técnicas diferentes para reduzir o numero de desempregados registados nos Centros de Emprego, e para ocultar essa eliminação.

Apesar da maior parte dos media fazer passar os números divulgados pelo IEFP como reflectindo o desemprego em Portugal, isso não corresponde à verdade O numero oficial de desempregados divulgado pelo IEFP não abrange a totalidade dos desempregados. Apenas inclui aqueles que se inscreveram nos Centros de Emprego. Portanto, se um desempregado não se inscrever ou se for eliminado dos ficheiros dos Centros de Emprego já não consta do numero que é divulgado mensalmente pelo IEFP. E muitos que se inscrevem têm sido eliminados mensalmente dos ficheiros dos Centros de Emprego pelo IEFP como se provará.

O quadro seguinte, construído com dados publicados pelo IEFP no período que vai de Dezembro 2008 a Junho de 2009, torna claro o que está a suceder neste campo.

QUADRO I – Dados sobre o número de desempregados que se inscrevem mensalmente nos Centros de Emprego, sobre o número de colocações conseguido por estes e sobre o numero de desempregados divulgados mensalmente pelo IEFP

DATA

Nº Total de desempre-gados divulgados pelo IEFP em cada mês

Nº de desemprega-dos que se inscreveram em cada mês nos Centros de Emprego

Nº de desempregados colocados pelos Centros de Emprego

Nº de desemprega- dos não colocados relativamente aos inscritos no mês

Desempregados eliminados dos ficheiros dos Centros de Emprego em cada mês

31-Dez-08

416.005

31-Jan-09

447.966

70.334

4.219

66.115

34.154

28-Fev-09

469.299

60.577

3.533

57.044

35.711

31-Mar-09

484.131

65.743

4.824

60.919

46.087

30-Ab-09

491.635

58.212

5.214

52.998

45.494

31-Mai-09

489.115

51.866

5.600

46.266

48.786

30-Jun-09

489.820

52.831

5.531

47.300

46.595

31-Jul-09

496.683

60.160

6.462

53.698

46.835

SOMA

419.723

35.383

384.340

303.662

FONTE : Informação mensal do mercado de trabalho – IEFP

Em 31 de Dezembro de 2008 existiam inscritos nos ficheiros dos Centros de Emprego 416.005 desempregados. No período compreendido entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Julho de 2009 inscreveram-se nos Centros de Emprego, segundo o IEFP, mais 419.723 novos desempregados, que somados aos 416.005 que existiam em 31.12.2008 dá 835.728 desempregados. Entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Julho de 2009, os Centros de Emprego colocaram, ou seja, arranjaram emprego para apenas 35.383 desempregados que estavam inscritos nos seus ficheiros. Portanto, se deduzirmos estes 35.383 aos 835.728 que tínhamos obtido anteriormente, ainda ficam 800.345. No entanto, o IEFP divulgou que, em 31 de Julho de 2009, só existiam inscritos nos Centros de Emprego 496.638 desempregados. Portanto, fazendo a diferença entre o que devia existir (800.345) e o que existia (496.683) conclui-se que foram eliminados, nos primeiros sete meses de 2009, precisamente 303.662 desempregados dos ficheiros dos Centros de Emprego. É assim, que o IEFP reduz significativamente o numero de desempregados que divulga mensalmente.

O NÚMERO DE DESEMPREGADOS ELIMINADOS DOS FICEIROS DOS CENTROS DE EMPREGO VARIA MUITO MENSALMENTE SEM SE CONHECER AS RAZÕES

O quadro seguinte, construído com dados divulgados pelo IEFP no período compreendido entre 31.12.2008 e 31.7.2009, permite calcular o numero de desempregados que foram eliminados mensalmente dos ficheiros dos Centros de Emprego naquele período.

QUADRO II – Variação dos desempregados que foram eliminados mensalmente dos Ficheiros dos Centros de Emprego no período Janeiro a Julho de 2009, e percentagem que representam em relação aos inscritos em cada mês

DATA

Nº de desempregados que se inscreveram em cada mês nos Centros de Emprego

Desempregados eliminados dos ficheiros dos Centros de Emprego em cada mês

% dos desempregados eliminados em cada mês em relação aos inscritos no mesmo mês

31-Jan-2009

70.334

34.154

48,60%

28-Fev-2009

60.577

35.711

59,00%

31-Mar-2009

65.743

46.087

70,10%

30-Ab-2009

58.212

45.494

78,20%

31-Mai-2009

51.866

48.786

94,10%

30-Jun-2009

52.831

46.595

88,20%

31-Jul-2009

60.160

46.835

77,85%

Media Jan/Fev

65.456

34.933

53,37%

Media Mar/Jul

57.762

46.759

80,95%

SOMA

419.723

303.662

72,35%

FONTE: Boletim Estatístico - Maio 2009 do MTSS; Informação mensal do mercado de emprego- Junho 2009-IEFP

No período que vai de Janeiro a Julho de 2009, em média o numero de desempregados eliminados mensalmente dos ficheiros dos Centros de Emprego correspondeu a 72,35% do numero de desempregados que se inscreveram em cada mês nos Centros de Emprego. No entanto, se subdividirmos esse período em dois – o correspondente aos meses de Janeiro e Fevereiro, e o outro correspondente aos restantes meses (Março a Julho) – obtemos percentagens de eliminação muito diferentes, o que prova que a percentagem eliminada tem aumentado muito nos últimos meses. No período Janeiro a Março a taxa média de eliminação em cada mês foi de 53,37% do numero de desempregados inscritos em cada mês, enquanto no período de Março a Julho a taxa de eliminação dos ficheiros atingiu, em média, 80,95%. Portanto, com o agravamento do problema do desemprego a percentagem dos desempregados eliminados dos ficheiros dos Centros de Emprego aumentou significativamente. Foi também desta forma que o IEFP obteve os dados do desemprego registado que divulga mensalmente.

EMBORA O DESEMPREGO ESTEJA A AUMENTAR NO PAÍS, O IEFP CONSEGUIU DIMINUIR O NUMERO DE DESEMPREGADOS EM VÁRIOS CONCELHOS

Uma análise mais fina por concelhos torna ainda mais clara as anomalias que se estão a verificar a nível dos dados do desemprego registado divulgados pelo IEFP.. O quadro seguinte, com dados referentes a todos os concelhos do distrito de Lisboa, e relativos ao período Março/2009 a Junho/2009, permite fazer essa análise

QUADRO III – Variação do desemprego registado nos concelhos do distrito de Lisboa-Mar2009/Jun2009.

CONCELHOS

Mar-09

Abril

Mai-09

Jun-09

Ab-Mar

Maio-Ab

Jun-Maio

ALENQUER

1.865

1.938

1.932

1.865

73

-6

-67

AMADORA

8.554

8.802

8.630

8.587

248

-172

-43

ARRUDA DOS VINHOS

333

344

351

351

11

7

0

AZAMBUJA

1.001

1.008

1.019

931

7

11

-88

CADAVAL

495

532

606

615

37

74

9

CASCAIS

6.946

7.262

7.648

7.647

316

386

-1

LISBOA

20.207

20.771

20.833

20.685

564

62

-148

LOURES

7.006

7.180

7.067

7.219

174

-113

152

LOURINHÃ

911

931

979

991

20

48

12

MAFRA

2.279

2.355

2.346

2.340

76

-9

-6

ODIVELAS

4.496

4.624

4.611

4.697

128

-13

86

OEIRAS

4.804

5.015

5.128

5.232

211

113

104

SINTRA

15.703

16.406

16.281

16.401

703

-125

120

SOBRAL MONTE AGRAÇO

293

296

300

303

3

4

3

TORRES VEDRAS

2.660

2.703

2.622

2.606

43

-81

-16

VILA FRANCA DE XIRA

5.692

5.916

5.953

5.854

224

37

-99

DISTRITO LISBOA -IEFP

83.245

86.083

86.306

86.324

2.838

223

18

FONTE : Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social (IEFP)

Entre Março de 2009 e Junho de 2009, o desemprego registado, de acordo com os dados divulgados pelo IEFP, teve a seguinte variação: entre Março e Abril aumentou em 2.838; entre Abril e Maio cresceu apenas em 223; e, entre Maio e Junho, o numero de desempregados subiu somente em 18. Se a análise for feita concelho a concelho, constata-se que, segundo o IEFP, o desemprego registado até diminuiu em alguns deles. Entre Março e Junho de 2009, segundo o IEFP, o desemprego registado baixou em -67 no concelho de Alenquer; em -43 no concelho da Amadora; em menos -88 no concelho de Azambuja; em menos - 148 no concelho de Lisboa, etc.. E isto apesar de, segundo o INE, o próprio desemprego oficial ter aumentado entre o 1º trimestre de 2009 e o 2º Trimestre de 2009, a nível do País, de 495,8 mil para 507,7 mil.

COMPORTAMENTOS DIFERENTES DO INE E DO IEFP

O INE procura fazer crer que o desemprego em Portugal se limita ao desemprego oficial – 507,7 mil no 2º Trimestre de 2009- sendo nessa tarefa ajudado pela maioria dos media. A prová-lo está o facto de que deixou de divulgar a taxa de desemprego que incluía a totalidade dos desempregados. País. A justificação é que isso não é feito nos outros países da U.E.. Mas isso acaba por ser uma autêntica manipulação da realidade e da opinião pública pois os dados do desemprego oficial que divulga trimestralmente não reflectem a totalidade do desemprego, mesmo daquele que o INE consegue detectar. E isto apesar de, na mesma publicação que contém os dados oficiais do desemprego, também constarem os desempregados que não são considerados nos números oficiais – “os inactivos disponíveis” e o “subemprego visível” – assim como a srazões para não serem considerados. No entanto, se quisermos calcular um valor para o desemprego que se aproxime mais do numero efectivo de desempregados existentes no nosso País, isso é possível, pois os dados sobre os “inactivos disponíveis” e o “subemprego visível” também são divulgados trimestralmente pelo INE. Assim, no 2º Trimestre de 2009, o numero de desempregados que se aproximava mais do desemprego efectivo era, de acordo com os próprios dados do INE, de 635,2 mil, ou seja, mais 125,5 mil do que o numero oficial de desempregados.

Comportamento totalmente diferente tem o Instituto de Emprego e Formação Profissional. No período Janeiro/2009 a Julho/2009 foram eliminados, em média, 43.380 desempregados por mês dos ficheiros dos Centros de Emprego. No entanto, apesar de isso acontecer todos os meses, o IEFP recusa-se sistematicamente a divulgar o numero que elimina assim como a explicar as razões porque faz isso. A prová-lo está o facto de que na “Informação Mensal do Mercado do Emprego”, que divulga mensalmente com os dados do desemprego registado, não constar nem o numero de desempregados que são eliminados todos os meses dos ficheiros dos Centros de Emprego nem as razões dessa eliminação. E isto apesar de várias entidades o terem solicitado (por ex. a CGTP que tem representantes no concelho de Administração), e vários deputados na Assembleia da República. É claro o propósito do IEFP em querer ocultar essa eliminação que permite baixar todos os meses significativamente o número de desempregados inscritos nos Centros de Emprego.

Para que se fique com uma ideia do pouco que este governo tem feito para minorar a situação dos desempregados interessa acrescentar o seguinte: em Junho de 2009, segundo dados do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social estavam a recebem subsidio de desemprego apenas 223.441 desempregados, ou seja, menos de metade do numero oficial de desempregados (507,7 mil). Para além destes recebiam subsidio social de desemprego 101.602 desempregados , cujo valor médio era apenas de 337,39€/mês, menos que o limiar da pobreza.

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