Francisco Silva
Com o governo Sócrates, os fragmentos do Plano Tecnológico seguiram melhor ou pior um curso que vinha de trás, na onda de fundo das tecnologias da informação. A avaliar pelos índices publicados parece ter acelerado a informatização do aparelho de Estado, a disponibilização de aplicações de e-government – as declarações de IRS via Internet são sempre citadas –, a distribuição de netbooks a muitas crianças das escolas.
Menos mal como objectivos – em princípio. Qualquer partido apoiaria em termos genéricos tais objectivos de computorização e internetização na informatização dos serviços, na relação via Internet com serviços do Estado, no acesso das crianças e jovens do sistema escolar a computadores e à Internet. Objectivos, é certo, como é o da justiça social, que a generalidade dos partidos diz defender, mas, depois, quando se chega a detalhes, vê-se então o diabo a fazer das suas!
Em concreto, o Governo enveredou com parva vaidosice pela ligação aos «mágicos» do capital transnacional. Bill Gates fez vergar dorsos governamentais em onda progressiva, como se viu em histórica reportagem televisiva. Somos teus, oferecemos-te o País, arrenegamos a concorrência, os standards transparentes, o opensource… adquirimos-te em ajuste directo o software para os serviços de Estado e os computadores para as crianças poderem aprender inglês técnico com os jogos. Enfim, objectivos, a ser realizados pela Microsoft e pela Intel /JP Sá Couto a reger com as suas batutas os processos…
«Bondades» capitalistas
A lembrar estas «bondades» capitalistas, o exemplo dado por Karl Marx em O Capital acerca da oposição dos senhores da indústria inglesa do algodão à lei do horário de trabalho que pretendia que fosse limitada a 11,30 horas o dia de trabalho –12 horas de 2.ª a 6.ª e 9h ao sábado – dos jovens e crianças operários menores que 18 anos! Com efeito, segundo os consultores do patronato, além de a «última hora de trabalho» ser aquela em que o capitalista podia finalmente sair do vermelho – coitado –, era o caso que «as crianças das fábricas e jovens abaixo de 18 anos que não são retidos 12 horas completas na atmosfera moral, quente e pura, da oficina da fábrica, mas são expulsos «uma hora» mais cedo para o mundo exterior, frígido e frívolo, acabam por ver frustrada pela ociosidade e pelo vício a salvação da sua alma.»(1)!
Naquele caso do século XIX, os capitalistas lutavam contra iniciativas legislativas – eles que pretendiam quase não ganhar com o negócio – ditas, com cinismo, como sendo desfavoráveis à juventude, às crianças, à manutenção da sua virtude! Neste caso do século XXI, em Portugal, os capitalistas são favorecidos de modo escandaloso pelo Governo dizendo que assim permitiram que os jovens e as crianças pudessem dispor de computadores e de acesso à Internet! E também, no caso da JP Sá Couto, para fabricarem um computador dito português! Uau!
Em ambos os casos, estes benefícios são desculpas de malíssimos pagadores: uns no século XIX a lutar pelas suas valentes mais valias; outros, para cumprir as suas «obrigações» de mercado, usufruindo vantagens descabidas – inclusive, no caso da JP Sá Couto, incumprindo acordos colectivos de trabalho, despedindo por sindicalização, etc.
E o que tem sido feito à pala destas jogadas, e muito mais, podia e devia ter sido feito sem recurso à protecção de grandes interesses, como os da Microsoft e da Intel, neste caso através da JP Sá Couto. Bastaria referir o caminho fora das soluções proprietárias Microsoft como noutros países. Ou, no caso dos «Magalhães», uma ideia iniciada por Nicholas Negroponte vai para quinze anos, dar o lugar à concorrência como é próprio, segundo eles dizem, das sociedades de mercado…
Enfim, depois de gemidos incessantes a montanha pariu uns ratitos atrás dos quais queria esconder os diabos à solta dos interesses do grande capital global! Antes de tudo, nada de impactos salariais em consequência do choque tecnológico – coitadinhos dos empresários, viva o novo Código de Trabalho, não é? –, empresas avançadas que afinal são apêndices dos verdadeiros centros de C&T – Qimonda, JP Sá Couto, agora a história das baterias de lítio para automóveis eléctricos! Aplicações de computador para jogos adaptadas «à balda» para português. Apoio a práticas anticoncorrenciais – arrenego-te opensource e software livre... Fundações fantasmáticas. Enfim…o tal choque tecnológico corporizado num plano para inglês ver!
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(1) Marx, Karl (1990) - «O Capital», Livro I, Tomo I, p 259. Lisboa: Editorial Avante!
Avante - 03.09.09
À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.
03/09/2009
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