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31/05/2009

Detroit prepara-se para nova onda de desemprego

Nos arrabaldes de Detroit, em comunidades como Warren ou Sterling Heights, onde se concentra a maior população de trabalhadores do sector automóvel no mundo, a falência da General Motors (GM) é uma espécie de machadada final: desta feita, na inevitável vaga de despedimentos que se aproxima, são os empregos mais qualificados, dos engenheiros, designers e quadros superiores, que vão desaparecer.

O Centro Técnico da GM em Warren é uma gigantesca unidade de tecnologia de ponta. O edifício principal, desenhado pelo conceituado arquitecto finlandês Eero Saarinen, remonta aos anos 50; o complexo entretanto cresceu e hoje alberga outras 25 construções e cerca de 18 quilómetros de estradas. O parque de estacionamento está apinhado, mas não tarda muito poderá estar tão deserto quanto os das fábricas vizinhas. “Daqui a uma semana se calhar não temos ninguém para almoçar”, reparava Jeremy, o empregado do Papa Vino’s, restaurante italiano que é um dos favoritos entre os engenheiros da GM.

Ali ao lado, as duas fábricas da Chrysler, que declarou falência a 30 de Abril, estão completamente paradas, e uma grande parte dos operários que agora está em casa sabe que nunca mais voltará ao trabalho. Na Ford, a única companhia que para já parece conseguir sobreviver sem a intervenção estatal, o processo de reestruturação não é menos doloroso: uma renegociação de 40 por cento da dívida, cortes salariais e a revisão dos benefícios pagos aos trabalhadores e a consolidação de unidades industriais.
No futuro imediato, a GM terá de decidir quais das suas 14 fábricas americanas podem prosseguir actividade e quais as que acabarão agora o seu tempo útil. As estimativas atiram o número de despedimentos para mais 21 mil trabalhadores.

No final do ano passado, a indústria automóvel era responsável por 850 mil postos de trabalho nos Estados Unidos. E cada emprego das companhias automóveis suportava cinco empregos indirectos. O efeito de dominó do fecho das fábricas da Chrysler e GM em Warren e Sterling Heights é evidente: o dono da loja de conveniência “7 Eleven” perdeu mais de metade dos clientes; na barbearia North Pointe, onde um corte custa 12 dólares, Dave Thompson diz que o negócio caiu 20 por cento e a MacKenzie Tavern, que sempre enchia à hora de almoço, tinha sete clientes quando o PÚBLICO lá esteve, pouco depois do meio-dia.

Ao longo da Van Dyke Avenue que corre por quilómetros, há sucessivos “stands” de venda de automóveis, todos eles com letreiros a anunciar saldos, ofertas especiais, condições únicas. O PÚBLICO visitou uma série deles — da Saturn, Jeep, Mercury… — e deparou sempre com a mesma resistência dos funcionários e gerentes em prestar declarações. Nas salas de espera, contudo, havia clientes interessados em comprar — um dos vendedores de um concessionário GM disse que apesar de “ninguém saber o que nos vai acontecer no futuro”, as ofertas são “tão boas” que as pessoas querem aproveitar.

O porta-voz da Associação de Concessionárias de Detroit, Marc Harlow, sublinhou que os vendedores automóveis vão são as vítimas mais inocentes da crise das construtoras. “Nós entendemos que o negócio vai contrair, e que será preciso fechar concessionárias para as empresas sobreviverem. Mas ninguém está preocupado com o impacto que isso vai ter em termos de desemprego. Não são só as fábricas que precisam de apoio…”, considera.

A fila de candidatos ao subsídio de desemprego no escritório do condado de Macomb, que serve aquelas duas localidades, vem até ao exterior do edifício. Em Warren, a taxa de desemprego já ultrapassa os 17 por cento, quatro pontos acima da média do estado do Michigan, que é o mais alto do país (a taxa nacional é de 8,6 por cento).

John Thomas, de 28 anos, passa por lá todas as semanas, para se certificar que ainda tem direito aos benefícios de saúde, buscar o seu cheque de assistência alimentar e ver se aparece algum trabalho. Depois de ficar sem contrato numa empresa que montava assentos para automóveis, foi trabalhar para a construção, mas esse emprego não durou. Agora, não há nada. “Eu aceito qualquer coisa, tenho de pagar contas. Já várias vezes me fui oferecer ao McDonald’s e ao Taco Bell [duas cadeias de restaurantes de fast-food]”, diz. “Quando nem aí se consegue arranjar trabalho, chegou a altura de ir embora”, conclui.

Os seus amigos já foram todos — para o Tennessee, Arkansas, Florida, alguns para o Texas. “As pessoas vão para onde se pode arranjar emprego, para onde a vida é barata ou para onde está quente”, explica. John tem resistido a partir, mas a situação está cada vez mais complicada. O seu pai, que também trabalhava para um fornecedor da indústria automóvel, ficou sem emprego há seis meses, “O orçamento familiar já não dá para todos”, observa.

Stacy Williams, que trabalhava numa fábrica de químicos, fornecedora da indústria automóvel, está sem emprego desde 31 de Março. Como trabalhava nessa empresa há menos de três anos, não teve direito a indemnização e, até hoje, ainda não recebeu subsídio de desemprego. “Acabou-se a minha independência”, disse ao PÚBLICO, notando que agora está dependente do marido para tudo: das compras de mercearia até às visitas ao médico, só pode ir até onde alcança o salário de uma pessoa.
Aqueles que procuram trabalho dão todos a mesma resposta: aceitam fazer qualquer coisa. O problema é que numa região que se especializou tão verticalmente na produção de automóveis, não sobram alternativas. “Dantes ainda tínhamos a construção, mas com a recessão nacional isso também acabou”, repara Tim Hyatt, que nos últimos tempos ganha dinheiro a cortar relvados no bairro onde moram os pais. Na fábrica da Chrysler, ganhava 23 dólares por hora e seguro de saúde, agora trabalha por sete dólares à hora, sem nenhuma regalia. “Há que agarrar tudo o que aparece”, explica. “E rezar por um milagre”, acrescenta.

O professor de História da Indústria Automóvel da Universidade de Michigan, David Lewis, não acredita que um “milagre” possa salvar o sector automóvel americano ou a região de Detroit. “Há muitos anos o estado do Michigan tem vindo a discutir a necessidade de reduzir a sua dependência da indústria automóvel, mas a verdade é que nunca conseguiu diversificar a sua economia. A perspectiva para Detroit é muito sombria”, refere. “Eu detesto ser pessimista, mas você andou por aí, viu como estão as coisas…”.
Público.pt - 31.05.09

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