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01/06/2009

41% dos trabalhadores portugueses recebem menos de 600 € por mês

Eugénio Rosa

Em 2006, Olivier Blanchard, actual director do FMI que, tal como Alan Greenspan antigo presidente da Reserva Federal americana, se mostra surpreendido com a dimensão da crise actual[1] , esteve em Portugal. E tal como sucede neste momento, em que se multiplica em dar “receitas” para a crise, embora tenha sido incapaz de a prever e de a compreender no inicio, também apresentou uma “receita” para aumentar a competitividade da economia portuguesa. E essa receita era uma redução de 20% nos salários nominais dos trabalhadores portugueses. Desde esse ano, conhecidas personalidades que têm acesso privilegiado aos media repetem tal “receita” que, apesar de não ter qualquer novidade, tem sempre grande repercussão mediática. Este ano já aconteceu isso com Silva Lopes que defendeu o congelamento dos salários “normais”, e Vítor Bento, actual presidente do SIBS, que defendeu a redução dos salários. Todas estas “personalidades” revelam uma ignorância deliberada dos níveis salariais dos trabalhadores portugueses. O INE acabou de publicar as Estatísticas do Emprego referentes ao 1º Trimestre de 2009. E anexas a essas estatísticas vêm as estruturas salariais dos trabalhadores por conta de outrem portugueses referentes ao 1º Trimestre de 2009. São precisamente esses dados que utilizamos neste estudo.

41% DOS TRABALHADORES PORTUGUESES RECEBEM EM 2009 MENOS DE 600 EUROS POR MÊS

O quadro seguinte, construído com os dados divulgados pelo INE, revela os níveis salariais dos trabalhadores por conta de outrem no 1º Trimestre de 2009.

QUADRO I – Repartição dos trabalhadores por conta de outrem em Portugal em número e em % por escalões de rendimento salarial mensal liquido – 1º Trimestre de 2009

DESIGNAÇÃO

PORTUGAL

Trabalhadores por conta de outrem – Mil

3884,5

%Total

Escalão de rendimento salarial

Mil

Menos de 310 euros

147,8

3,8%

De 310 a menos de 600 euros

1 429,3

36,8%

De 600 a menos de 900 euros

1 027,8

26,5%

De 900 a menos de 1 200 euros

400,4

10,3%

De 1 200 a menos de 1 800 euros

335,4

8,6%

De 1 800 a menos de 2 500 euros

101,4

2,6%

De 2 500 a menos de 3 000 euros

23,0

0,6%

3 000 euros e mais euros

23,3

0,6%

NS/NR

396,0

10,2%

Até 600 euros

1577,1

40,6%

Ate 900 euros

2604,9

67,1%

Ate 1200 euros

3005,3

77,4%

FONTE: Estatísticas do Emprego - 1º Trimestre de 2009 – INE

No 1º Trimestre de 2009, 1.577.100 trabalhadores por conta de outrem, ou seja, 40,6% do total recebia um salário liquido inferior a 600 euros por mês. Apenas 483,1 mil, ou seja, somente 12,4% do total, tinham um salário liquido mensal superior a 1.200 euros por mês. Os que recebiam mais de 1.800 euros por mês eram apenas 3,8% do total. É a estes trabalhadores, em que 67 em cada 100 recebe menos de 900 euros por mês que se pretende congelar ou reduzir mesmo os salários com o pretexto de que isso é necessário para enfrentar a crise actual. Vítor Constâncio, uma personalidade que não se tem caracterizado por defender os interesses dos trabalhadores portugueses; muito pelo contrário, já veio dizer que isso só agravaria a crise. Efectivamente, numa crise como a actual em que a quebra na procura constitui a causa principal, a redução dos salários só a agravaria, na medida que determinaria uma maior quebra na procura e a subida acentuada do incumprimento nos pagamentos. É evidente que a defesa de uma redução dos salários só poderá ter motivações ideológicas.

DESIGUALDADES SALARIAIS ENTRE AS DIFERENTES REGIÕES DO PAÍS

Uma análise dos salários por regiões, também é possível com os dados divulgados pelo INE. O quadro seguinte, construído com esses dados, permite fazer essa análise.

QUADRO II – Percentagem dos trabalhadores por conta de outrem por escalões de salários líquidos mensais nas diferentes regiões do País -1º Trimestre de 2009

DESIGNAÇÃO

Norte

Centro

Lisboa

Alentejo

Algarve

RAAçores

RAMadeira

Trabalhadores por conta de outrem - Mil

1317,0

844,3

1 114,6

265,1

152,0

88,6

102,9

Escalão de rendimento salarial

%Total

%Total

%Total

%Total

%Total

%Total

%Total

Menos de 310 euros

4,0%

4,3%

3,7%

2,4%

1,8%

3,7%

5,9%

De 310 a menos de 600 euros

45,7%

40,8%

21,8%

40,3%

31,6%

51,6%

38,5%

De 600 a menos de 900 euros

27,0%

23,6%

25,9%

29,2%

34,5%

26,2%

30,9%

De 900 a menos de 1 200 euros

9,0%

7,6%

14,0%

9,2%

11,7%

7,3%

12,4%

De 1 200 a menos de 1 800 euros

6,7%

4,9%

14,3%

7,4%

8,1%

8,4%

6,9%

De 1 800 a menos de 2 500 euros

2,3%

1,4%

4,3%

1,6%

2,2%

1,7%

1,5%

De 2 500 a menos de 3 000 euros

0,6%

0,1%

1,0%

0,4%

0,2%

0,3%

0,6%

3 000 euros e mais euros

0,3%

0,3%

1,4%

0,3%

0,1%

0,3%

0,5%

NS/NR

4,3%

17,1%

13,6%

9,3%

9,8%

0,5%

3,0%

Até 600 euros

49,7%

45,0%

25,4%

42,7%

33,5%

55,3%

44,4%

Ate 900 euros

76,7%

68,7%

51,3%

71,9%

68,0%

81,5%

75,3%

Ate 1200 euros

85,7%

76,3%

65,3%

81,1%

79,7%

88,8%

87,8%

FONTE: Estatísticas do Emprego - 1º Trimestre de 2009 - INE

No 1º Trimestre de 2009, a percentagem de trabalhadores por conta de outrem que recebiam um salário mensal liquido inferior a 600 euros era de 40,6% a nível do País, de 49,7% na Região Norte ; de 45% na Região Centro; de apenas 25,4% na Região de Lisboa; de 42,7% na Região do Alentejo; de 33,5% na Região do Algarve; de 55,3% na Região Autónoma dos Açores; e de 44,4% na Região Autónoma da Madeira. Se a análise for feita tomando como base a percentagem de trabalhadores que recebiam um salário liquido mensal superior a 1.200 euros, conclui-se que a percentagem era de 12,4% a nível do País; de 9,9% na Região Norte; de 6,7% na Região Centro; de 21% na Região de Lisboa; de 9,7% na Região do Alentejo; de 10,6% na Região do Algarve; de 10,7% na Região Autónoma dos Açores; e de 9,5% na Região Autónoma da Madeira. Portanto, as disparidades salariais entre as várias regiões continuam a ser grandes e com salários baixos.

DESIGUALDADES SALARIAIS ENTRE OS VÁRIOS SECTORES DA ECONOMIA

Uma análise dos salários por sectores da economia, também é possível com os dados divulgados pelo INE. O quadro seguinte, construído com esses dados, permite fazer essa análise.

QUADRO III – Nº de trabalhadores e percentagem por escalões de salários líquidos mensais nos diferentes sectores da economia no -1º Trimestre de 2009

DESIGNAÇÃO

PORTUGAL

Agricultura .Pesca

Indústria , Construção, Energia, agua

Serviços

Mil

% Total

Mil

% Total

Mil

% Total

Mil

% Total

Trabalhadores por conta de outrem

3 884,5

100,0%

83,2

100,0%

1 237,8

100,0%

2 563,6

100,0%

Escalão de rendimento salarial

Menos de 310 euros

147,8

3,8%

10,2

12,3%

13,8

1,1%

123,9

4,8%

De 310 a menos de 600 euros

1 429,3

36,8%

42,6

51,2%

556,7

45,0%

830,0

32,4%

De 600 a menos de 900 euros

1 027,8

26,5%

18,7

22,5%

374,2

30,2%

634,9

24,8%

De 900 a menos de 1 200 euros

400,4

10,3%

1,1

1,3%

106,2

8,6%

293,0

11,4%

De 1 200 a menos de 1 800 euros

335,4

8,6%

1,0

1,2%

52,1

4,2%

282,3

11,0%

De 1 800 a menos de 2 500 euros

101,4

2,6%

-

17,3

1,4%

84,1

3,3%

De 2 500 a menos de 3 000 euros

23,0

0,6%

-

3,5

0,3%

19,5

0,8%

3 000 euros e mais euros

23,3

0,6%

0,1

0,1%

5,1

0,4%

18,0

0,7%

NS/NR

396,0

10,2%

9,4

11,3%

108,9

8,8%

277,7

10,8%

Até 600 euros

1 577,1

40,6%

52,8

63,5%

570,5

46,1%

953,9

37,2%

Até 900 euros

2 604,9

67,1%

71,5

85,9%

944,7

76,3%

1 588,8

62,0%

FONTE: Estatísticas do Emprego - 1º Trimestre de 2009 – INE

No 1º Trimestre de 2009, a percentagem de trabalhadores por conta de outrem a receber um salário mensal liquido inferior a 600 euros era de 40,6% a nível do País, de 63,5% na Agricultura e Pescas; de 46,1% na Indústria, Construção, Energia e Água; e de 37,2% no sector de serviços. Se a análise for feita tomando como base a percentagem de trabalhadores que tem um salário liquido mensal superior a 1.200 euros, a percentagem era de 12,4% a nível do País; de 1,1% na Agricultura e Pescas; de 6,3% na Indústria, Construção, Energia e Água; e de 15,8% no sector de serviços. Portanto, as disparidades salariais entre os vários sectores da economia continuam a ser grandes em Portugal e tendo com base salários muito baixos. O congelamento ou mesmo a sua redução, como defendem alguns, com a justificação que seria uma medida necessária para enfrentar a crise actual, só agravaria ainda mais a crise económica e social. Seria a manutenção de um modelo económico baseado em salários ainda mais baixos visando garantir os lucros das grandes empresas.



[1]Como é que um evento limitado e localizado – a crise dos empréstimos do subprime nos EUA – têm efeitos de tal magnitude a nível da economia mundial? – pergunta “candidamente” este director do FMI num “paper” com o titulo: “The crisis: Basic Mechanisms, and Approprtiate Policies” disponível no “site” do FMI

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