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02/06/2009

Lay-off: viver o dia-a-dia com o ordenado mais curto

Albertino Cruz e Sandra Cardoso estão casados há praticamente 12 anos e até hoje dependeram sempre do sustento da fábrica de produtos eléctricos Yazaki Saltano, em Ovar. Ele é técnico de manutenção, ganha 852 euros. O salário de Sandra, operadora especializada de cablagens, ronda os 645 euros. Tal como centenas de colegas, o casal entrou em lay-off (redução do tempo de trabalho) e começou a deitar contas à vida. "Se já sobrava pouco dinheiro ao fim do mês, agora não vai sobrar nenhum. Temos de apertar o cinto", antevê Sandra.

Chegámos antes do jantar. Luana, a filha, e Rafael, um sobrinho ao seu cuidado, fazem os trabalhos de casa. "Ó pai, tu também vens?" Albertino ainda se lembra da frase de Rafael quando há uns meses falou dos despedimentos na fábrica. O casal não "veio". Mantém o emprego, mas vai receber menos 430 euros por mês.

A Yazaki informou os trabalhadores de que a "brutalidade dos efeitos da crise económica" e a "redução das encomendas" impôs uma descida do ritmo produtivo. Durante seis meses vão trabalhar menos dias.

As crianças percebem o aperto. Luana, por exemplo, já não pode ir à piscina nem fazer pedidos avultados. "Não peço muita coisa aos meus pais. Às vezes peço uma chiclete, mas também é só uma!", explica. Já Rafael gostava de ter um telemóvel "com mais megabytes". Para já, não é possível.

Não há muita margem de manobra. Para esta família, todos os meses é sempre a somar: a prestação da casa leva 320 euros, a do carro 183 euros, as refeições da escola 60 euros e as facturas da água, luz e gás não ficam por menos de 80. "Fizemos um estudo para este meio ano e o dinheiro só dá mesmo para aguentar, não dá para mais nada", diz Albertino. E se surgir um problema de saúde? "Para correr bem, é sem problemas de saúde", confessa.

Sem férias e a poupar na comida. O carrinho das compras não escapa ao lay-off. Albertino e Sandra pensam em estratégias para não faltar com o essencial em cima da mesa. "Temos de procurar o mais barato nas carnes e nos peixes e fazer refeições mais económicas. Normalmente já vamos aos supermercados onde as coisas são mais baratas e agora temos mesmo de ver onde existem os maiores descontos. Ainda não é o nosso caso, mas este tipo de situações obriga as pessoas a fazer créditos", desabafa Albertino.

No ano passado a família Cruz passou uns dias em França. Têm também o hábito de ir ao Algarve e andar pelo país. Mas este ano vêem as viagens por um canudo. Mentalizaram-se de que "não vai dar". A alternativa é tentar fazer uma coisa familiar, perto de casa e o mais barato possível, como ir à praia ou à pesca.

Não é assim de admirar que tenham reagido com desagrado à mudança laboral. "Há uma situação geral de crise, mas se isto não correr bem vai também haver uma crise social. Venha quem vier! Já cortámos em quase tudo e só lamento não podermos ajudar mais os nossos filhos", diz Albertino.

Na fábrica, os colegas "sentiram o impacto" da notícia e isso "tem influência na força anímica". Resta esperar, confessa o casal, que o sector "dê a volta por cima" e retire do "sofrimento" quem foi apanhado pela corrente.
ionline.pt - 02.06.09

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