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04/06/2009

Ainda à volta da «ciência económica», à volta dos negócios...

Francisco Silva

Aqui há uns tempos, quando o assunto estava mais quente que agora, quando estava numa sua ponta mediática - estou a referir-me aos exorbitantes salários dos gestores, em particular os do sistema financeiro, os de cá e os lá de fora, ou melhor dito, os de lá fora e também os de cá, isto é, como eles agora dizem, quando o hype eram as compensações auferidas por tais gestores -, pois, por essa altura, quando estalavam no mundo «desenvolvido», possuídos por esquemas de D. Branca, ou, como «tecno-cientificamente» se usa dizer, possuídos por gigantescos esquemas de Ponzi, os bancos e as companhias seguradoras, a começar pelos maiores entre os maiores, pois nessa mesma altura, dizia, começou a apontar-se a dedo, enquanto um dos principais grupos de bodes expiatórios, os «empregados» de topo, esses principais «assalariados» do Capital, nomeadamente uma boa parte dos gestores do sistema financeiro.
O esquema explicativo da tragédia económica que começava então a traçar-se à vista de todos concentrou-se nas ineficiências de gestão financeira, na denúncia de fraudes aqui e acolá e, sobretudo, nas elevadíssimas compensações recebidas pelos gestores, em particular os de topo. Ineficiências de gestão que se focaram na atribuição de empréstimos para habitação a pés-descalços que não tinham meios para honrar as dívidas e «inconscientemente» se lançaram em tais processos de compra de casa para viverem com a sua família - quem não tem dinheiro não se mete em luxos! Fraudes de alguns simbolizadas acima de tudo no vigarista de alto coturno Madoff. Finalmente, e quanto à questão das compensações mais do que milionárias, a questão em que mais se tem insistido publicamente: que os gestores chegavam a ganhar centenas de vezes mais que os trabalhadores das empresas por que eram responsáveis, que recebiam bónus quando tinham maus resultados, etc.
Tudo razões que, ou por insuficiência de compreensão da matéria económica e da sua expressão financeira ou por instinto de defesa do sistema capitalista, pressentido em dificuldades profundas, não endereçam as causas de fundo, sistémicas, da crise (sistémicas como, qual lapso linguístico, ousaram chamar-lhes quando, por uns tempos, e à vista do vulgo, o conjunto do sistema financeiro oscilou e oscilou de tal maneira que os responsáveis maiores temeram o pior dos desenlaces). Causas de fundo, dizia, que têm a ver sobretudo com uma cada vez menor fatia do Valor criado que é paga à Força de Trabalho em geral, e por isso com uma crescente mais-valia que é sacada àquela. Causas de fundo que têm a ver, assim, com uma insuficiente paga das necessidades de reprodução dessa mesma Força de Trabalho (muitos dos novos pobres estão empregados).
E das razões invocadas, das razões que tinham conduzido a tal tragédia financeira - e que se centram no problema financeiro a debelar para que a economia possa voltar a comportar-se bem -, claramente a que tem feito caminho principal é, como não podia deixar de ser, a das compensações, a dos salários dos gestores de topo, que constituem uma das componentes dos meios - isto é, da parte do Valor criado pela Força de Trabalho - colocados à disposição da mesma.
Os mais «humanos» de entre os economistas capitalistas - que são quase todos -, os economistas que mais se preocupam com a Pobreza crescente dos assalariados, e regra geral com seriedade, propõem que se redistribua dentro da massa salarial total: mais dinheiro para os mais baixos escalões e menos para os gestores, mas mantendo sempre a mesma massa salarial total porque só os donos das empresas é que a podem controlar - porque o valor criado (que só o pode ser pelos trabalhadores, e só por estes) é pertença daqueles, dos proprietários. Nem pensar tocar nessa parcela «sagrada» sem ser por iniciativa dos possidentes!
Os outros, incluindo os mais tecnocráticos, digamos assim, acham que as compensações - os salários - mais elevadas devem ser - e estão a ser - diminuídas, porque isso baixa as tensões sociais e que o que sobra deve ser incluído na mais-valia (dos possidentes). Ajudam a baixar a inveja dos pobres, com algumas esmolas à mistura, e relembram aos gestores que não são eles quem, em última instância, manda!
Enfim, enquanto ficam na berlinda os assalariados gestores, que ganham demais - e demasiado em termos de justiça social! -, as rendas, os juros, os lucros, o aumento especulativo dos valores em bolsa, enfim, a mais-valia vai medrando! Isto é, o bolo propriamente dito…
Avante - 04.06.09

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