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04/06/2009

A falsa redução dos trabalhadores de “recibo verde” na Administração Pública

Eugénio Rosa

O Secretário de Estado da Administração Pública tem-se multiplicado nos últimos dias em declarações aos media afirmando que “na Administração Pública Central houve uma diminuição de 30% do número de trabalhadores a recibo verde desde 2005”. No entanto, “esqueceu-se” de explicar como é que o governo conseguiu essa redução. E é isso que vamos fazer analisando leis aprovadas por este governo.

Assim, de acordo com o nº2 do artº 35 da Lei 12-A/2008, aprovada por este governo, os serviços da Administração Pública só poderão celebrar “contratos de tarefa e de avença”, ou seja, contratos de prestação de serviços com “pessoas colectivas”, isto é, apenas com empresas. E segundo o nº4 do mesmo artigo, só “excepcionalmente, quando se comprove ser impossível ou inconveniente” celebrar com empresas “é que o membro do governo responsável pela área das finanças pode autorizar a celebração de contratos de tarefa e de avença com pessoas singulares”, ou seja, com trabalhadores a “recibos verde”.

O que está a suceder neste momento na Administração Pública, que o Secretário de Estado se “esqueceu” de referir, é que muitos serviços, para não terem de se sujeitar à aprovação do ministro das Finanças, pois corriam o risco da autorização não ser concedida, estão a obrigar os antigos trabalhadores a “recibo verde” a constituírem empresas (sociedade unipessoal), pois assim, de acordo com a lei, já poderão celebrar o contratos de prestação de serviços (com os anteriores trabalhadores de “recibos verdes”) sem ser necessário obter autorização do ministro das Finanças.

É desta forma que o governo está a reduzir artificialmente o número de trabalhadores a “recibo verde”, pois eles agora passam a ser considerados empresários (pessoas colectivas). Mas os trabalhadores que antes estavam na situação de “recibo verde” ficam agora numa situação ainda pior pois, por um lado, têm de arranjar 5000 euros para constituir a empresa (que é o capital mínimo necessário para constituir uma sociedade unipessoal) e, por outro lado, têm de suportar a despesa com um Técnico Oficial de Contas, que é obrigatório, o que lhe poderá custar, pelo menos, entre a 150 a 250 euros por mês.. E a situação de precariedade em que estavam não diminuiu; muito pelo contrário, até aumentou, pois a Administração Pública poderá fazer cessar a prestação do trabalho de uma forma imediata sem ter de pagar qualquer indemnização, pois ele é agora considerado um empresário. Para além disso, quando as entidades empregadoras forem obrigadas a pagar 5% para a Segurança Social em relação aos trabalhadores que tiverem a “recibo verde”, como prevê o novo Código Contributivo, os serviços da Administração Pública ficarão isentas de tal pagamento. É evidente que os trabalhadores de “recibo verde” que não aceitarem ou não tiverem dinheiro para implementar esta “solução” perderão o seu posto de trabalho.

Eis a forma artificiosa como o governo está a reduzir o número de trabalhadores a “recibo verde” na Administração Pública, que o Secretário de Estado se “esqueceu” de explicar, mas com a redução assim conseguida este governo desencadeou mais uma acção de propaganda e de manipulação da opinião publica.

A DESTRUIÇÃO DE EMPREGO PÚBLICO CONTRIBUIU PARA O AGRAVAMENTO DO DESEMPREGO

Entre o 1º Trimestre de 2005, ou seja, quando este governo tomou posse, e o 1º Trimestre de 2009, o desemprego oficial passou de 412,6 mil para 495,8 mil segundo o INE, ou seja, aumentou em 83,2 mil. Uma das causas desta subida do desemprego deve-se à destruição de elevado numero de postos de trabalho na Administração Pública levada a cabo por este governo, como revelam os dados da Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público do Ministério das Finanças, constantes do quadro seguinte.

QUADRO I – Destruição de emprego público no período 2005-2008

ANOS

Nº Trabalhadores Administrações Publicas

VARIAÇÃO ANUAL

2005

746.811

2006

725.454

-21.357

2007

707.438

-18.016

2008

688.438

-19.000

DESTRUIÇÃO DE EMPREGO PÚBLICO

-58.373

-58.373

FONTE: DGAEP – Ministério das Finanças e da Administração Pública

Só no período 2005-2008 foram destruídos 58.373 empregos na Administração Pública pois, entre 2005 e 2008, o numero de trabalhadores da Administração Pública diminuiu de 746.811 para 688.438. O número de postos de trabalho destruídos por este governo na Administração Pública entre 2005 e 2008 (58,37 mil), corresponde a 70% do aumento do desemprego oficial registado entre o 1º Trimestre de 2005 e o 1º Trimestre de 2009 (+83,2 mil).

A REDUÇÃO DO DÉFICE ORÇAMENTAL FOI CONSEGUIDA À CUSTA DA REDUÇÃO DAS REMUNERAÇÕES E DO CONGELAMENTO DAS CARREIRAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O quadro seguinte, construído com dados dos Relatórios dos Orçamento do Estado referentes aos

anos 2005-2008, mostra que uma parte da redução do défice orçamental foi conseguida à custa dos trabalhadores da Administração Pública.

QUADRO II – Parcela da redução do défice conseguida à custa dos trabalhadores da Administração Pública no período 2005-2008

ANO

PIB

Remunerações pagas Adminis- trações Públicas

Remunerações

Ad. Publicas em relação ao PIB

Redução das Remunerações

Ad. Publicas

Redução em % do PIB

Milhões €

Milhões €

%

Milhões €

2005

149.123,40

21.541,40

14,4%

2006

155.446,30

21.174,40

13,6%

-1.280,4

0,8%

2007

163.237,70

21.059,30

12,9%

-2.521,0

1,6%

2008

166.127,60

21.377,30

12,9%

-2.620,5

1,6%

REDUÇÃO ACUMULADA DAS REMUNERAÇÕES DA AD. PÚBLICA

-6.421,8

FONTE: Instituto Nacional de Estatística

Em 2005, as remunerações pagas aos trabalhadores das Administrações Publicas corresponderam, segundo o INE, a 14,4% do PIB e, em 2008, a 12,9%. Se a percentagem que se verificava em 2005 se se tivesse mantido nos anos seguintes – 14,4% do PIB – os trabalhadores da Administração Pública teriam recebido no período 2005-2008 mais 6.421 milhões de euros, o que correspondia a mais 1,3% do PIB deste período. Por isso, pode-se dizer que uma parcela importante da redução do défice orçamental, de que se gaba este governo, foi conseguida à custa dos trabalhadores da Administração Pública. Basta recordar que no período 2005 – 2008, os preços aumentaram sempre mais que os vencimentos (em 2005: vencimentos 2,2%, preços 2,3%; 2006: vencimentos 1,5%, preços 3,1%; 2007: vencimentos 2,1%, preços 2,5%; 2008: vencimentos 2,1%, preços 2,6%). Em 2009, as carreiras dos trabalhadores da Administração Pública vão-se manter, na prática, congeladas pois a afectação de uma parcela do orçamento dos serviços para mudanças de posição remuneratória, como prevê o nº3 do artº 7º da Lei 12-A/2008, é insuficiente (os delegados sindicais poderão exigir às chefias, de acordo com o artº 337 da Lei 59/2008, que lhes seja fornecida essa informação e deviam fazê-lo rapidamente para esclarecer os trabalhadores). E todos estes sacrifícios foram inúteis como mostra a quebra significativa do crescimento económico em Portugal e o disparar do desemprego.

DIMINUIÇÃO SIGNFICATIVA DAS PENSÕES DE APOSENTAÇÃO NOS PRÓXIMOS ANOS

Outra medida tomada por este governo para reduzir o défice orçamental à custa dos trabalhadores da Administração Pública foi a redução significativa das suas pensões de aposentação. Efectivamente, este governo alterou, através da Lei 60/2005 e da Lei 52/2007, por diversas vezes o Estatuto da Aposentação, violando direitos e expectativas legitimas dos trabalhadores, que vão determinar uma redução muito significativa nas pensões dos trabalhadores que se aposentarem no futuro. O quadro seguinte dá uma ideia das consequências para os trabalhadores das alterações feitas por este governo no Estatuto da Aposentação.

QUADRO III –Redução da pensão de aposentação dos trabalhadores que se aposentarem até 2013 determinada pelo efeito conjugado da redução da taxa de formação da pensão e do factor de sustentabilidade

Data de aposen-tação

Taxa de formação pensão (% da remuneração mensal relevante que corresponde a um ano de serviço)

Pensão com 36 anos de serviço e sem penalização por antecipação aposentação

Calculo tomando como base um vencimento de 1000€ e a taxa de formação da pensão

Redução da pensão determinada pelo Factor sustentabilidade

Redução da pensão devido ao factor sustentabilidade (% que se multiplica pelo valor da pensão obtida)

Em %

Pensão reduzida devido taxa de formação pensão + factor sustentabilidade

Em euros

2005

2,50%

90,0%

900,00 €

900,00 €

2007

2,43%

86,6%

866,00 €

866,00€

2009

2,37%

83,8%

838,00 €

-1,32%

98,68%

826,94 €

2011

2,31%

81,3%

813,00 €

-2,84%

97,16%

789,91 €

2013

2,25%

79,0%

790,00 €

-4,36%

95,64%

755,56 €

Redução com 36 anos de serviço e com a idade legal de aposentação - Em euros -2013

-144,44€

Redução com 36 anos de serviço e com a idade legal de aposentação - Em % - 2013

-16,05%

No quadro anterior encontra-se simulada uma situação de um trabalhador, que até poderá ser real, que dá já uma ideia suficientemente clara da dimensão da redução da pensão determinada pelas alterações feitas por este governo no Estatuto da Aposentação.

A hipótese considerada é o caso de um trabalhador com um vencimento mensal de 1000€ (a remuneração relevante para o cálculo da pensão corresponde a 90% do vencimento que recebia na data de aposentação), que no ano em que se pretende aposentar tem a idade legal para o poder fazer (62 anos em 2009; 63 anos em 2011, e 64 anos em 2013), portanto não é penalizado por aposentação antecipada. Mas que se aposenta com 36 anos de serviço, ou seja, o tempo de serviço que era exigido até 2005, ou seja, antes das alterações feitas por este governo no Estatuto de Aposentação.

De acordo com os dados do quadro, o trabalhador considerado, em 2009, receberia 826,94 euros de pensão, ou seja, menos 73,06 euros (-8,1%) do que receberia se o Estatuto da Aposentação não tivesse sido alterado por este governo; em 2011, ele receberia 789,91 euros de pensão , portanto menos 110,09 euros (-12,2%) do que receberia se o Estatuto de Aposentação não tivesse sido alterado, e, em 2013, receberia apenas 756,56 euros de pensão, portanto menos 144,44 euros (-16,05%) do que receberia se este governo não tivesse alterado o Estatuto da Aposentação. Para o cálculos destes valores utilizamos a taxa de formação da pensão constante do quadro III para os anos de serviço feitos pelo trabalhador até 2005, e a taxa de 2%, conforme consta do artº 5º da Lei 60/2005, para os anos de serviço realizados depois de 2005.

Estes números dão uma ideia da dimensão, porque quantificada, da redução das pensões dos trabalhadores da Administração Pública que se aposentem no futuro, redução essa imposta por este governo..

Em 2008, de acordo com o Relatório e Contas da CGA deste ano, a média de idade dos trabalhadores que se aposentaram foi de 59,7 anos ( a idade legal de aposentação em 2008, para a maioria dos trabalhadores da Administração Pública, era já de 61,5 anos, portanto houve muitos trabalhadores que foram penalizados por idade a menos, o que significou uma redução de 4,5% por cada ano de idade a menos, e a partir de 1.1. 2015 é 6%) e o tempo médio de serviço relevante para a pensão foi de 29,3 anos ( em 2008, o tempo de serviço exigido, para ter direito à pensão completa era, para a maioria dos trabalhadores, de 37,5 anos, portanto sofreram uma redução de 2,4% da pensão por cada ano de serviço a menos), portanto uma situação ainda pior do que aquela que consideramos no exemplo que utilizamos na simulação apresentada.


Encontram-se mais estudos sobre a Administração Pública em www.eugeniorosa.com na pasta “Administração Pública”

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