Nem a "inflexibilidade" da lei laboral protege trabalhadores de cortes salariais. A empresa de auditoria Ernst & Young está a sugerir aos colaboradores que tirem 20 dias sem vencimento. Argumenta que pode salvar empregos, mas os especialistas questionam a legalidade da medida
Pressão sobre trabalhadores é proibida por lei
A empresa de auditoria Ernst & Young está a propor aos trabalhadores em Portugal um programa que implica a redução de salários até ao final do ano, soube o DN. Num contexto de forte aumento do desemprego, os colaboradores terão que decidir se aceitam 20 dias extraordinários de férias sem vencimento, com um corte de até 8% na remuneração de nove meses. A empresa alega que pode salvar empregos, mas os especialistas consultados pelo DN duvidam que a proposta seja legal.
Para calcular o desconto por cada dia não trabalhado, a empresa divide o salário-base por 242 dias úteis do ano. Um trabalhador que decida tirar 20 dias, e que ganhe 20 mil euros por ano (1428 euros mensais), perderá 1653 euros este ano, ou 183,6 euros por mês de Abril a Dezembro, de acordo com as condições apuradas pelo DN.
A companhia esclarece que a adesão ao programa não altera a relação contratual, mas afecta as contribuições para a Segurança Social.
Contactada pelo DN, a Ernst & Young diz que "sempre se preocupou em encontrar formas flexíveis e inovadoras de trabalho" e que, "antevendo a possibilidade de um declínio mais aprofundado na economia, considera introduzir, por acordo mútuo com os seus colaboradores, dispensas com perda de remuneração, se e quando for oportuno, procurando assim precaver e proteger, de forma activa, a sua capacidade produtiva e os seus talentos, isto é, o emprego". A Ernst & Young emprega 400 pessoas em Portugal.
Os especialistas contactados pelo DN manifestam fortes dúvidas quanto à legalidade da medida. O artigo 317 do Código do Trabalho parece ter sido escrito para garantir um direito ao trabalhador, e não à empresa. "O empregador pode conceder ao trabalhador, a pedido deste, licença sem retribuição", diz o Código do Trabalho.
"É a utilização perversa de uma norma que nasceu para ser pontual e excepcional", refere João Santos, da Miranda Correia Amendoeira & Associados. Paula Dutschmann, do mesmo escritório, acrescenta que a situação configura uma "forma irregular de chegar aos efeitos do lay-off". Além disso, o processo legal de lay off - redução ou suspensão de actividade - exige que a empresa prove que a sua viabilidade está ameaçada.
"Mesmo que seja um acordo, há certos direitos do trabalhador que não podem ser violados", acrescenta a jurista. O artigo 129º estipula que é contra-ordenação muito grave "exercer pressão sobre o trabalhador para que actue no sentido de influir desfavoravelmente nas condições de trabalho dele ou dos companheiros". Já o ponto dois refere que é proibido diminuir a retribuição "excepto nos casos previstos no Código".
Strecht Ribeiro, deputado do PS da Comissão de Trabalho defende que em caso de acordo não há ilegalidade. "A empresa está a contornar a lei, mas se os trabalhadores aceitarem não é ilegal". Também o deputado tem dúvidas sobre a fórmula de cálculo usada para determinar os descontos. "Parece-me, à partida, que é mais desfavorável do que o que prevê a lei", refere, ao DN.
A Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) garante que está a acompanhar a situação.
D.N. 17.03.09
À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.
17/03/2009
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