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31/03/2011

Professores e enfermeiros a prazo e sem direitos: Precariedade alastra no Estado

Portugal é o terceiro país da União Europeia com índices de precariedade mais elevados, atingindo já mais de 1,4 milhões de trabalhadores. Para este resultado muito tem contribuído vergonhosamente o Governo PS, também contratando a prazo dezenas de milhares de professores e de enfermeiros para o desempenho de funções permanentes.
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A precariedade é um problema que ameaça e está a degradar as condições de vida, de trabalho e de desempenho da maioria da classe docente e de cada vez mais enfermeiros.
Na Educação, o recurso à precariedade já afecta cerca de 30 por cento dos professores, valor que se situa acima da média nacional, de 22 por cento, confirmou ao Avante! o secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira, após uma acção subordinada às graves consequências decorrentes da criação dos «mega-agrupamentos» escolares, no dia 24, integrada num «Ciclo de acções de denúncia, protesto e exigência», diante do Ministério da Educação (ver página 20). A primeira destas acções teve lugar no dia 22 e foi precisamente dedicada à precariedade e à situação sócio-profissional dos professores.
«Entre 2007 e o fim do ano passado aposentaram-se cerca de 17 mil docentes que pertenciam aos quadros, desempenhando funções permanentes, mas para os substituir – explicou o também membro da Comissão Executiva do Conselho Nacional da CGTP-IN – apenas entraram no quadro 396, no mesmo período e, para suprir esta enorme diferença o Ministério da Educação, em vez de garantir segurança e estabilidade na profissão docente, tem optado, cada vez mais, pelo recurso à precariedade, pelas mais variadas formas».


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À custa dos direitos
A precariedade significa para os docentes dificuldades pessoais e profissionais, e desequilíbrios emocionais, mas para o Governo representa uma «grande poupança orçamental», conseguida «à custa da destruição de vínculos efectivos», disse Mário Nogueira, exemplificando:«um professor no quadro que se aposente no topo da carreira custa tanto ao Estado como três com contratos precários». Essa poupança deve-se ao facto de os contratados não entrarem na carreira», explicou, lembrando que «há docentes nesta situação com mais de 20 anos de serviço e sem terem um ano de carreira reconhecido».
Se há alguns anos havia mais professores das áreas de ciências sociais e humanas em situação de precariedade, «hoje encontram-se, com igual facilidade, docentes de áreas como matemática, há largos anos com vínculos precários».
«São situações totalmente inaceitáveis, mais ainda num País em que quando a mesma situação ocorre no ensino particular, a escola é obrigada a passar o docente ao quadro após três anos consecutivos de serviço». Assim, «o Estado obriga os privados a condições que, enquanto patrão, não cumpre», acusou Mário Nogueira.
Há ainda outro grave problema decorrente da precariedade, com sérias consequências para os alunos e o respectivo sucesso escolar. No fim do ano lectivo, «quando os professores devem prestar um último e importantíssimo apoio aos alunos que necessitem recuperar resultados, aos docentes contratados falta tranquilidade, pois não deixam de pensar se terão emprego no ano seguinte».
O temor de não ter colocação também «faz com que o professor esteja sempre fortemente dependente das decisões da direcção escolar para poder ter o contrato renovado», sublinhou Mário Nogueira, salientando que «os direitos destes professores são completamente esmagados, na medida em que, por vezes, lhes são destinadas tarefas que ultrapassam em muito as suas responsabilidades enquanto professores, mas vêem-se forçados a cumpri-las, receando perder o emprego».
 A grande instabilidade na classe docente é especialmente sentida no fim de cada ano lectivo, a 31 de Agosto, quando cessam os contratos. «O professor contratado pode ficar desempregado e o Governo nem tem de reconhecer que o despediu, pois, pura e simplesmente, alega que não o contratou». É desta forma que o Ministério da Educação tem justificado o repetido argumento de que não haverá despedimentos de professores, recordou Mário Nogueira. Assim, em Setembro próximo, «caso não ocorram alterações até lá, o Governo pretende suprimir desta forma milhares de horários escolares – cerca de 30 mil – deixando outros tantos milhares de professores sem trabalho, sendo os primeiros prejudicados os docentes com contratos precários».

Serviço Nacional de Saúde prejudicado

No respeitante ao enfermeiros, muitas têm sido também as acções de denúncia e de protesto contra a precariedade desenvolvidas este ano em todo o País. De um total de 20 mil profissionais no Serviço Nacional de Saúde, mais de sete mil estão em situação de precariedade laboral. Além destes há ainda uma dimensão da precariedade por apurar na totalidade respeitante aos cerca de dez mil que exercem funções nos hospitais EPE.
«Devido aos cortes orçamentais do Governo na Administração Pública, feitos de forma cega, as administrações estão impossibilitadas de contratar enfermeiros por via de concurso para os integrar no quadro de efectivos», explicou a dirigente do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, Isabel Barbosa.
Além de haver enfermeiros com contratos precários há mais de oito anos, sem acesso à carreira e com o mesmo salário desde que iniciaram funções, há outra realidade, relativamente recente. As administrações estão a recorrer à contratação por intermédio de empresas de trabalho temporário. «Há instituições que já nem permitem contratações com contratos a termo certo, optando por recorrer àquele tipo de empresas, penalizando os trabalhadores em direitos e em salários», acusou a dirigente.

Brutal aumento

Este «brutal aumento da subcontratação afecta tanto os trabalhadores como a qualidade do serviço prestado aos utentes», salientou.
Estando muitos profissionais há anos com contratos precários, «eles não têm acesso à carreira de enfermagem, recebem menos e não têm direito ao subsídio de férias nem ao 13.º mês, nem têm os mesmos apoios no caso de adoecerem».
Há também cada vez mais enfermeiros desempregados, sendo «muitos forçados a emigrar, em busca de melhores condições de vida e de trabalho», situação que contrasta com a carência destes profissionais nos serviços, salientou Isabel Barbosa.
Demonstrando que «a Saúde é um exemplo gritante de como as funções sociais do Estado se têm degradado», a representante sindical realçou que a falta de enfermeiros faz-se sentir não só nas regiões do interior mas também nas grandes cidades. A gritante falta de profissionais ilustra bem a crescente degradação da qualidade dos serviços daí decorrente. «Só em Lisboa faltam mil enfermeiros para os quadros ficarem preenchidos», recordou, salientando que este número equivale ao dobro dos enfermeiros actualmente em funções no SNS no distrito.

Voraz destruição

Da «voraz destruição» de postos de trabalho efectivos decorre uma progressiva degradação da qualidade do ensino público e um acentuar das dificuldades de organização e de gestão, para as próprias direcções escolares, considerou Mário Nogueira. «Há escolas que já têm cerca de 60 por cento de professores contratados, situação que provoca graves dificuldades à organização, à preparação dos anos lectivos e ao desenvolvimento de determinadas faculdades devido à falta de professores suficientes, no quadro, para o desempenho correcto e atempado de todas as tarefas inerentes a um ensino público de qualidade», explicou.
«O sistema público de ensino tem actualmente cerca de 42 mil professores contratados, correspondendo a cerca de 30 por cento do total de docentes», recordou Mário Nogueira, salientando que se trata de índices de precariedade «superiores aos nacionais».
Mas a estes 42 mil docentes vêm ainda somar-se os professores de uma das áreas mais afectadas pelo recurso ao trabalho precário, a das Actividades de Enriquecimento Curricular (AEC). «Nesta área, todos os cerca de 16 mil professores estão com contratos a prazo ou com “recibos verdes”», explicou o dirigente da Fenprof. Somando aos 42 mil os quase 16 mil professores das AEC colocados pelas escolas, temos um total de cerca de 58 mil docentes em situação de precariedade.

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Enorme discriminação
Na região de Lisboa, em instituições do SNS há cerca de «850 enfermeiros com vínculos precários, com contratos a termo resolutivo certo ou subcontratados, a exercerem funções permanentes, situação que provoca uma instabilidade laboral muito grande», salientou Isabel Barbosa, em plena acção de sensibilização, protesto e denúncia, no dia 23, diante do Hospital Júlio de Matos, em Lisboa.
Por ali se viver «uma enorme discriminação», este hospital foi o escolhido pelo SEP para apelar à participação de todos os jovens enfermeiros, desempregados e no activo, na manifestação de jovens trabalhadores contra o desemprego e a precariedade, marcada para amanhã pela Interjovem/CGTP-IN.
Naquele hospital, 38 enfermeiros estão com contrato de trabalho a termo resolutivo certo e 11 são subcontratados, num universo de 200 profissionais de enfermagem. Todos desempenham as mesmas funções, nos mesmos locais de trabalho, mas há três níveis diferentes de contratação: os enfermeiros que estão no quadro, os contratados a termos resolutivo certo e os subcontratados.

http://www.avante.pt/pt/1948/temas/113370/

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