Anabela Fino
A história da intempestiva passagem de Armando Vara por um centro de saúde de Lisboa, veiculada pela TVI, deu que falar a semana passada e suscitou abundância de comentários no ciber espaço, mas há pormenores – ou será pormaiores? – que continuam por esclarecer.
Que Vara tenha, de forma nada educada mas muito expedita, passado à frente de toda a gente que aguardava a sua vez de ser consultada e invadido (parece o termo mais adequado) um gabinete médico exigindo um «atestado na hora», pode ser insólito, mas é perfeitamente compreensível, se não mesmo emblemático. Na verdade, quem, em seu perfeito juízo, pode pensar que um homem, conhecido pela ascensão meteórica que o levou de um modesto balcão da Caixa Geral de Depósitos lá do interior do País ao conselho de administração da mesma empresa, após uma passagem, convém não esquecer, pelos labirintos governativos, quem pode pensar, dizia-se, que tal homem fique a aboborar horas a fio numa lista de espera de um centro de saúde? Seria um desperdício, um absurdo, um caso de lesa interesse nacional... Tanto que o País precisa de dar corda aos sapatos para se pôr a par dos parceiros europeus, e milhares de pessoas a perder tempo todos os dias em vez de estar a produzir ou a empatar os que ainda podem produzir. Houvesse mais gente como Vara e acabava-se com as listas de espera, as idas de madrugada para a porta dos serviços para conseguir uma senha; «estou aqui e quero ser atendido já que tenho pressa», pode ser o santo e a senha para resolver um dos mais momentosos problemas nacionais.
Temos pois como adquirido que Vara tinha mais que fazer – no caso, segundo consta, um avião a apanhar – pelo que para grandes males grandes remédios, para isso serve o espírito de iniciativa, passe para cá o atestado e adeus até para a Páscoa...
As notícias vindas a público, ficando pela popular indignação de quem se viu ultrapassado, não esclarecem a natureza do atestado que tanta falta fazia a Vara. Seria de saúde? Seria de doença? Seria de vacinas? Não sabemos. Mas não é curial que os médicos passem atestados às cegas, sem a respectiva consulta a aferir a necessidade dos ditos. Que o digam os trabalhadores com baixas por doença, sujeitos a juntas médicas não vão estar a lesar o erário público, e mandados trabalhar mesmo que estejam com os dias contados. Não será esse o caso de Vara, mas o certo é ter levado um atestado na hora, cujo não se sabe a atestar o quê.
Mas mais estranho ainda é o facto de Vara – pessoas de muitos e variados recursos –, numa hora de aperto, ter optado pelo Serviço Nacional de Saúde, ainda que numa versão expedita de abordagem, para satisfazer a necessidade de atestar qualquer coisa, ao invés de recorrer a um médico privado que, cobrando mais, é certo, lhe resolveria o assunto sem tão incómoda publicidade. Sinal de falta de recursos? Opção, legítima e muito respeitável, pela contenção de despesas? Ou escolha deliberada devido a razões que a razão não alcança? Não sabemos.
Vara, que como se sabe está a braços com a justiça, terá apanhado o avião e onde quer que se encontre não está disponível para dar respostas, tal qual o respectivo advogado, noticiou a imprensa. Fiquemos pois com as perguntas e com esta estranha sensação de que, num país onde tantas histórias e dramas do quotidiano ficam por contar, há cada vez mais histórias mal contadas.
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