Correia da Fonseca
Um dia destes, a RTP, a de serviço público, transmitiu repetidamente declarações do sr. Soares dos Santos. Tal como o terão feito, de resto, as outras estações. Como se sabe, este senhor Santos é o patrão supremo da Jerónimo Martins, empresa que domina três grandes cadeias de distribuição de bens alimentares e outros cujos lucros anuais ascendem a várias centenas de milhões de euros. Trata-se, pois, de um empresário de sucesso, talvez de sucesso (de sucção), pelo que colhe a admiração e o aplauso do minimundo mediático desta nossa boa terra.
Ora, desta vez o sr. Soares dos Santos partilhou connosco umas suas opiniões pelo menos curiosas. Disse ele que o problema de Portugal «não é um problema salarial» mas sim um problema de assiduidade. Revelou-nos também discordar da existência de um salário mínimo. Queixou-se de que o Estado não apoia suficientemente o empresariado, devendo entender-se que aludia às grandes empresas, às que segundo ele são compelidas a emigrar.
A estas três flores de perfume duvidoso acrescentou ainda uma ou outra, mas as que aqui se registam serão bastantes para avaliar em que húmus os convencimentos do senhor Santos mergulha as suas raízes. Pelo que disse desta vez e pelo que já antes se lhe ouvira, revelou-se da mesma massa do senhor engenheiro Belmiro que, por sinal, teve direito a tempo de antena no mesmo dia e no mesmo canal da RTP, pelo menos.
Ao princípio do serão desse mesmo dia, num outro canal, não apenas as palavras de Soares dos Santos tiveram o lugar que sem dúvida lhes era devido no quadro das tarefas informativas normais, como também um ex-ministro pêssedaico teve antena para prosseguir a verdadeira pré-campanha eleitoral que o PSD anda a realizar, preparando-se claramente para abocanhar o poder quando entenda que o País esteja maduro para essa fase. Tal como o dr. Passos Coelho dissera uns dias antes na rubrica «Grande Entrevista», também este garantiu que o PSD não tem pressa.
Entende-se: não quer que lhe caia já nas mãos o fruto apodrecido que é o País porque espera que enquanto este governo se mantiver a putrefacção continuará. Enfim, tal como dizia aquele outro senhor que emigrou, Passos sabe que vai ser primeiro-ministro, só não sabe é quando.
E que vai ele fazer quando lá chegar? Ele o disse e o tal ex-ministro o repetiu: vai fazer «as reformas». Quais? Nem um nem outro o esclareceram, essas minúcias não lhes convêm, bem mais lhes apetece o bombardeio com demagogias, meias verdades e granadas similares.
Mas os cidadãos que já sofrem este governo e estão ameaçados de sofrer um futuro «ministério Passos Coelho» (o homem gabou-se de até já ter escolhido ministros!) podem facilmente aperceber-se do projecto. Bastará talvez prestarem a merecida atenção às palavras de Soares dos Santos, Belmiro, e outros de idêntica cepa, designadamente alguns que fazem a colheita de milhões recolhidos no terreno, para eles fértil, da gestão de grandes empresas.
É fácil ouvi-los ou aos seus emissários e servidores: para eles, a televisão portuguesa desfaz-se em tempos de antena disponíveis.
E é aqui que se situa o ponto que, pela sua natureza, mais importa a estas colunas: a disponibilidade da televisão portuguesa para ser o veículo privilegiado da verdadeira campanha da direita que, não contente com o factual direitismo da acção do governo, e sobretudo desagradada com o seu afastamento dos lugares que dão poder e as inerentes benesses, se esforça por injectar na chamada opinião pública o desejo de uma mudança, uma qualquer, seja em que sentido for.
Por vezes, essa campanha até é capaz de agradar a ouvidos de esquerda, e não há que estranhar isso. O que é indispensável, isso sim, é evitar os equívocos. Talvez seja útil recorrer à memória e lembrar que sempre as direitas, as extremas e as outras, recorreram ao estratagema de piscar o olho à esquerda (o nazismo até se auto-denominou de nacional-socialismo, lembram-se?).
Por mim, não gosto de fascismos nem de similares, dos clássicos ou dos agiornatos, dos crípticos ou dos óbvios, com ou sem farda. E muitas vezes recordo do que em tempos ouvi aos estudantes portugueses: «- P’ra melhor, está bem, está bem; para pior já basta assim!».
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