Anabela Fino
A recente troca de galhardetes entre Sócrates e Cavaco a propósito dos alegados sentimentos e preocupações que ambos nutrem em relação à pobreza é um exemplo esclarecedor da tragicomédia que se vive em Portugal.
De uma forma que quase se poderia classificar de obscena, os dois políticos – que têm em comum largos anos de responsabilidades governativas e de implementação de políticas ao serviço do capital – travaram-se de razões à conta dos pobres.
Cavaco abriu as hostilidades na iniciativa «Direito à Alimentação» promovida pela Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal, que pretende distribuir as sobras de restaurantes por cerca de 4500 instituições do País. Cativado pela ideia, o actual Presidente da República disse considerar ser «um dever moral» apoiar a causa, alertou para a «pobreza envergonhada» e foi ao ponto de reconhecer que «temos de nos sentir envergonhados» por haver portugueses com fome. Não fosse restar alguma dúvida sobre os seus sentimentos afirmou ainda que a preocupação com as desigualdades sociais, a pobreza e a exclusão o acompanham desde o início do seu mandato presidencial. (Antes devia andar distraído. Acontece.)
Sócrates, sabe-se lá porquê, achou que Cavaco estava a atacar o seu Governo e vai daí toca de zurzir forte e feio nos «políticos que não resistem à exploração mais descarada da pobreza e das dificuldades do País» e aos que cedem ao «exibicionismo» das suas acções, ao mesmo tempo que garantia fazer parte dos que, sem alarde, fazem «tudo o que está ao alcance de um político para desenvolver políticas que reduzam as desigualdades». Presume-se que estivesse a pensar nos PECs.
Escusado será dizer que nenhum dos dois relacionou a política que ambos praticaram e praticam com o flagelo da pobreza. Dir-se-ia que os pobres se materializaram entre nós por um passe de mágica. Gente que trabalha e passa fome é assim uma espécie de fenómeno, um enigma por resolver, que não tem nada, mas absolutamente nada a ver com décadas de política atacando direitos, atacando salários, ajudando especuladores, apoiando a exploração cada vez mais desenfreada. O preço da saúde, da educação, da casa, da comida... sempre cada vez mais longe do salário hipotecado ao banco ou ao supermercado é coisa que como se sabe gera riqueza. Não é para todos? Paciência. É dos livros que os ricos custam muitos pobres. A nova vaga está pronta a dar à costa em Janeiro com as «medidas de austeridade para todos» que PS e PSD aprovaram e Cavaco vai assinar, a bem da nação, como se dizia. Sócrates, esse «verdadeiro combatente contra a pobreza», vai prosseguir a luta com toda a discrição. Cavaco, por seu lado, acredita na caridade, venha ela das sobras dos restaurantes ou da solidariedade dos portugueses, e até faz questão de lembrar que a recente recolha do Banco Alimentar Contra a Fome «foi a maior de sempre», apesar da crise ou por causa dela.
Podemos pois estar descansados que enquanto sobrar uma sopa, um prato de batatas, um rissol, quem sabe um filé mignon da mesa dos ricos haverá sempre uma mão pronta à caridade. A outra – não se pode ter tudo! – é a que nos rouba os salários, mas isso faz parte destes contos imorais da política oficial.
De uma forma que quase se poderia classificar de obscena, os dois políticos – que têm em comum largos anos de responsabilidades governativas e de implementação de políticas ao serviço do capital – travaram-se de razões à conta dos pobres.
Cavaco abriu as hostilidades na iniciativa «Direito à Alimentação» promovida pela Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal, que pretende distribuir as sobras de restaurantes por cerca de 4500 instituições do País. Cativado pela ideia, o actual Presidente da República disse considerar ser «um dever moral» apoiar a causa, alertou para a «pobreza envergonhada» e foi ao ponto de reconhecer que «temos de nos sentir envergonhados» por haver portugueses com fome. Não fosse restar alguma dúvida sobre os seus sentimentos afirmou ainda que a preocupação com as desigualdades sociais, a pobreza e a exclusão o acompanham desde o início do seu mandato presidencial. (Antes devia andar distraído. Acontece.)
Sócrates, sabe-se lá porquê, achou que Cavaco estava a atacar o seu Governo e vai daí toca de zurzir forte e feio nos «políticos que não resistem à exploração mais descarada da pobreza e das dificuldades do País» e aos que cedem ao «exibicionismo» das suas acções, ao mesmo tempo que garantia fazer parte dos que, sem alarde, fazem «tudo o que está ao alcance de um político para desenvolver políticas que reduzam as desigualdades». Presume-se que estivesse a pensar nos PECs.
Escusado será dizer que nenhum dos dois relacionou a política que ambos praticaram e praticam com o flagelo da pobreza. Dir-se-ia que os pobres se materializaram entre nós por um passe de mágica. Gente que trabalha e passa fome é assim uma espécie de fenómeno, um enigma por resolver, que não tem nada, mas absolutamente nada a ver com décadas de política atacando direitos, atacando salários, ajudando especuladores, apoiando a exploração cada vez mais desenfreada. O preço da saúde, da educação, da casa, da comida... sempre cada vez mais longe do salário hipotecado ao banco ou ao supermercado é coisa que como se sabe gera riqueza. Não é para todos? Paciência. É dos livros que os ricos custam muitos pobres. A nova vaga está pronta a dar à costa em Janeiro com as «medidas de austeridade para todos» que PS e PSD aprovaram e Cavaco vai assinar, a bem da nação, como se dizia. Sócrates, esse «verdadeiro combatente contra a pobreza», vai prosseguir a luta com toda a discrição. Cavaco, por seu lado, acredita na caridade, venha ela das sobras dos restaurantes ou da solidariedade dos portugueses, e até faz questão de lembrar que a recente recolha do Banco Alimentar Contra a Fome «foi a maior de sempre», apesar da crise ou por causa dela.
Podemos pois estar descansados que enquanto sobrar uma sopa, um prato de batatas, um rissol, quem sabe um filé mignon da mesa dos ricos haverá sempre uma mão pronta à caridade. A outra – não se pode ter tudo! – é a que nos rouba os salários, mas isso faz parte destes contos imorais da política oficial.
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