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25/11/2010

Maior greve de sempre isola o País e exige diálogo

Sindicatos falam em adesão de 85%, Governo diz que administração só registou 29%. CGD meia fechada e 25 tribunais a 100%
A "maior greve de sempre" isolou Portugal, encerrando praticamente o espaço aéreo, deixando todos os portos sem operação, o metro de Lisboa parado e comboios apenas com serviços mínimos, nem sempre cumpridos. Independentemente de ter envolvido os "inflacionados", três milhões de "trabalhadores" apontados pela CGTP ou a versão "minimalista" dos 120 300 funcionários (29%) - excluindo autarquias, regiões e empresas públicas - a paralisação fez-se sentir de norte a sul. Mas, tal como se previa - até pelo receio de despedimentos -, o impacto foi incomparavelmente superior na esfera do sector público, com um impacto diminuto nas empresas privadas.
Os cálculos da CGTP apontam para uma taxa de adesão global em torno dos 85%, disse ao DN fonte da central. Um copo talvez demasiado cheio para uns, a contrastar com um meio vazio para outros. A participação grevista supera, assim, os 85% estimados na última greve geral de 1988, que terá envolvido cerca de 1,7 milhões de trabalhadores. A variação na taxa de adesão resulta do facto de lá para cá a população activa empregada ter crescido em cerca de 800 mil, explicou a mesma fonte. As estimativas da Intersindical foram veemente rejeitadas pela ministra do Trabalho, em conferência de imprensa, ao fim do dia. Dizendo que "não é importante entrar numa guerra de números", Helena André frisou que, tendo em atenção que a população activa empregada ronda os 4,9 milhões de pessoas, uma adesão à greve de 3 milhões significaria que o País teria estado parado, "o que não aconteceu", garantiu.
A ministra utilizou, aliás, o critério do consumo de energia, "que não baixou ao longo do dia", para confirmar que a paralisação teve uma expressão muito diminuta no sector privado.
Esta leitura é corroborada pelas associações empresariais. A Confederação da Indústria Portuguesa (CIP) estimou ontem que a adesão no sector não foi além dos 4%, exceptuando os trabalhadores dos portos, que expressaram maciçamente o seu protesto. Do conjunto dos sectores industriais, a participação mais elevada foi registada nas empresas químicas, de 3,8%, segundo a CIP.
Já ao nível do sector terciário, as taxas de adesão terão sido ainda bem menores, com a Confederação do Comércio e Serviços, responsável por cerca de 750 000 postos de trabalho, a dizer que não teve qualquer registo de adesão à greve. O comércio é dos sectores que regista os mais elevados níveis de precariedade laboral, com uma percentagem significativa da mão-de-obra com contratos a prazo e emprego ilegal.
Seja como for, esta paralisação tem um duplo carácter excepcional: é a primeira em 22 anos do sector público e privado convocada pelas duas centrais sindicais e, por outro lado, registou níveis elevados de participação em sectores não tradicionais. Um exemplo paradigmático é o da banca. A Caixa Geral de Depósitos teve de encerrar 45% das suas agências no País, sendo que só em Lisboa essa percentagem foi de 25%, segundo confirmou fonte oficial do banco. A este fenómeno não é alheio o facto de os cortes salariais impostos no pacote de austeridade do Governo serem supostamente extensíveis aos trabalhadores de empresas detidas pelo Estado, como é o caso.
Também o Tribunal de Contas registou uma adesão em torno dos 80%, segundo os valores apontados pelos sindicatos. Mais de 25 tribunais registaram uma adesão à gre-ve de 100% dos funcionários judiciais, com este sindicato a estimar uma adesão média entre os 85% e os 90%, contrastando com os 50% apontados pelo Governo.
Tal como vem sendo tradicional, é nos sectores dos transportes, educação e saúde que se registam as adesões mais elevadas em termos absolutos. O secretário de Estado da Administração Pública, Gonçalo Castilho dos Santos, disse que na Saúde a adesão dos trabalhadores foi de 38,5%, na Justiça estiveram fechadas 240 estruturas das 920 existentes, sendo que nas Finanças, 137 estruturas estiveram encerradas, com uma adesão de 43%. A luta dos trabalhadores deverá ser secundada por um protesto conjunto dos sindicatos europeus a 15 de Dezembro.
Já no rescaldo da greve, o PS tentou abrir a porta ao "diálogo" entre o Governo e os parceiros sociais. A mensagem veio da deputada Maria José Gamboa, que frisou a necessidade de "um novo rumo para uma situação de crise muito violenta". No mesmo dia, a oposição aproveitou para deitar mais achas para a fogueira. Maria José Gamboa colocou o Governo e os parceiros no mesmo patamar de responsabilidade de encetar o diálogo. A deputada do PS enquadrou a greve num protesto mais alargado contra o "o contexto da Europa , absolutamente ameaçador para Portugal". Os líderes da esquerda, Jerónimo de Sousa, do PCP, e Francisco Louçã, do BE, que estiveram activamente envolvidos, visitando piquetes de greve, foram unânimes ao dizer que a adesão representou a derrota do "conformismo". "A greve vai ter enormes consequências: vai mudar o País e vai começar a mudar a política. Vai mostrar a José Sócrates e a Passos Coelho que eles não representam o País e que há uma maioria que quer sensatez, decência na economia, justiça no fisco", disse Louçã.
À direita, Paulo Portas dirigiu uma palavra de apreço a quem não faz greve por estar desempregado, ter baixos rendimentos ou "lutar para manter a sua empresa aberta", considerando que cabe ao Governo retirar conclusões sobre o nível de adesão. Mais resguardado no dia da greve, Pedro Passos Coelho referiu-se ao protesto no dia anterior, dizendo compreender as razões do descontentamento dos portugueses.

http://dn.sapo.pt/inicio/economia/interior.aspx?content_id=1719889

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