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24/11/2010

Estudantes, actores, artistas e cidadãos abraçaram o Teatro Nacional do Porto: “O São João é nosso”

Largas centenas de pessoas deram as mãos e rodearam o teatro na Praça da Batalha  
Largas centenas de pessoas deram as mãos e rodearam o teatro na Praça da Batalha (Foto: Paulo Pimenta)
 
 “O São João é nosso” e “Canavilhas vai p’rá rua, esta cena não é tua” foram as palavras de ordem mais ouvidas, ao princípio da tarde de hoje, no decorrer de uma manifestação promovida sob o mote “Um Abraço pelo Teatro”, e destinada a mostrar a oposição da cidade do Porto à anunciada fusão da instituição portuense com o Opart (organismo que gere já o Teatro Nacional São Carlos e a Companhia Nacional de Bailado e que a ministra da Cultura decidiu que passará também a administrar os teatros nacionais D. Maria II e São João).
 

Largas centenas de pessoas (cerca de 1200, segundo uma estimativa da organização) deram as mãos e rodearam o teatro na Praça da Batalha; no final de duas voltas, concentraram-se no pátio em frente à entrada principal, bateram palmas e gritaram aquelas e outras palavras de ordem, que não esqueceram também o primeiro-ministro e o presidente da Câmara do Porto: “Sócrates, escuta, o povo está em luta”; “Rio, escuta, o povo está em luta”.

Para além de inúmeras figuras do mundo do teatro da cidade, muito notada foi a presença de várias dezenas de estudantes do ensino secundário. Os que vieram do Externato Delfim Ferreira, em Riba d’Ave, Famalicão, marcaram a sua presença com “t-shirts” verdes que identificavam a escola. “Viemos aqui abraçar o São João, porque é um teatro que está a trabalhar para nós. Somos estudantes do curso de Teatro, estamos a ser formados para ser actores, e é gratificante podermos ajudar numa causa que, mais tarde, poderá vir também ajudar-nos”, disseram ao PÚBLICO Ana Luís e João Freitas, dois alunos do 12º ano do Externato Delfim Ferreira.

De várias escolas do Porto estavam também muitos estudantes, que se envolveram, aliás, na preparação desta acção de protesto. Diogo Melo Pinto, 16 anos, estudante do 11º ano de uma escola que não quis identificar, fez-se porta-voz dos estudantes do secundário da cidade. “Achamos uma injustiça o que está a acontecer. Nós apoiamos a excelência da Cultura no Porto, e queremos continuar a vir ao São João e saber com o que podemos contar, que são peças brilhantes, como aquela que ainda ontem vimos, ‘Sombras’ [a produção actualmente em cena no Teatro, com encenação de Ricardo Pais], e que é excepcional. Não queremos perder isso”.

Os estudantes estavam irmanados com a posição colectiva ontem manifestada em volta do edifício do TNSJ, e também expressa por inúmeras figuras públicas do tecido cultural e artístico da cidade e do país. “O São João não pode deixar de ser uma instituição sediada e gerida no Porto. É das poucas instituições nacionais que temos na cidade, e temos o direito de continuar a geri-la”, diziam os arquitectos Manuel Correia Fernandes e Alexandre Alves Costa.

Mário Moutinho, actor e director do Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI), diz que a integração na Opart constituirá “mais uma machadada na actividade cultural no Porto”, além de contestar uma medida que considera ser uma cedência a “uma estrutura pesadíssima e burocrática” – o Opart –, que, “se já não funciona bem para Lisboa, muito menos funcionará para o Porto”.

Também Mário Laginha, compositor e autor da música do espectáculo “Sombras”, se manifesta contra a perda de autonomia do São João. “Era bom manter a autonomia dos vários teatros. Gosto deles todos, têm feito um trabalho extraordinário ao longo dos anos, e merecem continuar a manter, cada um, a sua autonomia”, defende o pianista.

João Reis também não vê nenhuma vantagem na fusão. “Uma decisão destas só pode ser tomada por alguém que não conhece as características e a qualidade de um teatro como o São João”, diz o actor, solidário na defesa da autonomia do teatro portuense.

E Manuela Azevedo, vocalista dos Clã, que abriu a temporada do ano passado com um concerto no São João, faz-se testemunha da “qualidade inacreditável da equipa que trabalha neste teatro”. “Decidir agora concentrar tudo numa cabeça gigante, que não se sabe muito bem como vai pensar, quem vai estar à frente dela e como vai ser organizada, é simultaneamente uma perda de investimento e de talento”, diz a cantora. “Deixem o Teatro São João continuar a fazer o seu trabalho extraordinário de revitalizar a vida cultura do Porto, de espalhar o teatro que se faz em Portugal pelo mundo, e de trazer o mundo até nós”, reivindica Manuela de Azevedo.

A ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, voltou a justificar ontem a integração dos teatros nacionais no Opart como sendo “a única forma” de conseguir mais dinheiro para as suas programações. “Não posso ser irresponsável e pensar que este ano, no próximo ano ou no outro, até 2013, vai haver mais dinheiro para os teatros”, disse a ministra da Cultura aos jornalistas à saída de um seminário realizado no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, sobre a mobilidade e internacionalização dos artistas.“A minha obrigação responsável é encontrar mecanismos que injectem dinheiro na programação”, e a integração dos dois teatros nacionais na Opart é a forma de conseguir “optimizar os custos”.

Com Alexandra Prado Coelho

http://publico.pt/Cultura/o-sao-joao-e-nosso_1467923?all=1

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