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30/07/2010

Quem cozeu o planeta?

Paul Krugman

Há quem negue o problema da grave alteração climática, não porque tenha conhecimentos e dados científicos para o fazer, mas porque está ligado a interesses do carvão e do petróleo.

Não se diga que aos deuses falta sentido de humor. Aposto que ainda estão com risinhos no Olimpo com a decisão de terem feito da primeira metade de 2010 - o ano em que morreu toda a esperança de se tomarem medidas para limitar as alterações climáticas - o período mais quente de que há memória.

É claro que não se podem inferir tendências com base nos dados térmicos de um único ano. Mas ignorá-las tem sido um dos truques preferidos de quem nega que existam alterações climáticas: apontam para um ano invulgarmente quente no passado e dizem: "Vêem, o planeta está a arrefecer, não a aquecer, desde 1998!" Na realidade, o ano mais quente até à data foi 2005 e não 1998, mas o ponto onde bate a questão é que as temperaturas recorde que temos vivido tornaram um argumento parvo num rematado e ridículo disparate; nesta altura do campeonato já não se aguenta de pé nem de acordo com os próprios termos em que é enunciado. Mas será que, entre os que negam haver alterações climáticas, alguém vai dizer "Pois, acho que estava enganado" e passar a apoiar medidas a favor do clima? Não. E o planeta vai continuar a cozer.

Mas porque é que a legislação sobre alterações climáticas não foi aprovada no Senado? Comecemos por falar do que não causou o fracasso, porque tem havido muitas tentativas de atribuir a culpa às pessoas erradas.

Em primeiro lugar, a razão que nos levou a não agirmos não se deve a dúvidas acerca dos dados científicos. Todas as pistas válidas (temperaturas médias de longo prazo, que suavizam as flutuações anuais, volume de gelo no mar Árctico, degelo dos glaciares; proporção entre máximos-recorde e mínimos-recorde), apontam para um aumento continuado e muito provavelmente acelerado das tempera- turas planetárias.

São provas isentas de qualquer falta de ética científica. O leitor provavelmente já ouviu falar das acusações feitas aos investigadores do clima: alegações de falsificação de dados, a mensagem de correio electrónico supostamente incriminadora do "Climategate" e por aí fora. O que poderá não ter ouvido, porque o caso foi muito menos publicitado, foi que todos esses pretensos escândalos acabaram por ser desmascarados. Tratou-se de uma fraude urdida por quem se opõe às medidas em prol do clima que acabou por se insinuar nos meios de comunicação.

Houve preocupações legítimas relativas ao impacto económico do bloqueio da legislação climática? Não. Tem sido engraçado, num registo de humor negro, ver os conservadores, que toda a vida louvaram o poder ilimitado e a flexibilidade dos mercados, darem o dito por não dito e insistirem que a economia entraria em ruptura se fosse atribuído um preço às emissões de carbono. Todas as estimativas sérias apontam para que se poderiam ir faseando as limitações às emissões de gases de efeito de estufa com um impacto quase displicente na taxa de crescimento económico.

Portanto não foi a ciência, não foram os cientistas e também não foram os economistas que mataram a legislação climática. O que foi então? A resposta é que foram os suspeitos do costume: a ganância e a cobardia.

Para se perceber a oposição às medidas de luta contra as alterações climáticas basta seguir o rasto do dinheiro. A economia no seu conjunto não seria significativamente atingida pela atribuição de um preço às emissões de carbono, mas determinadas indústrias, sobretudo as do carvão e do petróleo, sê-lo-iam. E essas indústrias montaram uma campanha de desinformação gigantesca para protegerem os seus lucros. Atente-se nos cientistas que põem em questão o consenso sobre as alterações climáticas, nas organizações que promovem falsos escândalos, nos grupos de analistas que afirmam que quaisquer esforços para limitar as emissões destroçariam a economia. Descobre- -se que, em todos os casos, essas entidades estão no bocal receptor de um oleoduto de financiamento que tem origem nas grandes empresas de energia, como a Exxon Mobil, que já gastou dezenas de milhões de dólares a promover a negação das alterações ambientais, ou a Koch Industries, que há duas décadas vem patrocinando organizações antiambientais. Ou atente-se nos políticos que mais têm vociferado na sua oposição às medidas em prol do clima. Onde vão eles buscar grande parte do dinheiro para as suas campanhas? Já se sabe a resposta...

Por si só, a ganância não teria triunfado; precisou da ajuda da cobardia. Sobretudo da dos políticos que sabem qual a dimensão da ameaça que o aquecimento planetário representa, que apoiaram a tomada de medidas no passado mas que, na hora da verdade, abandonaram os seus postos.

Há vários desses cobardes climáticos, mas permita-me que destaque um em particular: o senador John McCain.

Houve tempos em que McCain era considerado um amigo do ambiente. Em 2003 deu brilho à sua imagem de inconformista ao co-patrocinar legislação que teria criado um sistema de bolsa de carbono para as emissões de gases de efeito de estufa. Reafirmou o seu apoio a tal sistema durante a sua campanha presidencial e as coisas poderiam ser muito diferentes hoje se ele tivesse continuado a apoiar as medidas em prol do clima depois de o seu adversário se ter instalado na Casa Branca. Não foi o que aconteceu, e é difícil imaginar que isso se deva a outra coisa que não ao acto de um homem disposto a abdicar dos seus princípios e a sacrificar o futuro da humanidade em benefício de mais uns quantos anos de carreira política. Infelizmente, McCain não estava sozinho e não vai haver lei climática. A ganância e a cobardia sua aliada triunfaram. E todo o mundo vai ter de pagar o preço.

http://www.ionline.pt/conteudo/71383-quem-cozeu-o-planeta

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