À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.

26/07/2010

As riquezas do Afeganistão: Estados Unidos dá o golpe

Jim Lobe

O momento em que o New York Times decidiu publicar um importante artigo acerca das imensas riquezas minerais por explorar que jazem no subsolo do Afeganistão, está a provocar perguntas significativas sobre a intenção do Pentágono em difundir essa informação.

Tendo em conta as notícias cada vez mais pessimistas que chegam do Afeganistão – e da estratégia americana ali aplicada – alguns analistas acreditam que o artigo, publicado em frontispício, foi planeado com o objectivo de inverter o sentimento crescente da opinião pública de que o custo que representa essa guerra não merece a pena.

Que melhor maneira há de lembrar às pessoas o brilhante potencial futuro do país - e, por pessoas, estamos a falar de chineses, russos, paquistaneses e norte-americanos - do que publicar, ou voltando a publicar, informação válida (todavia já conhecida) sobre a riqueza potencial da região?, escreveu no seu blogue, Marc AmBinder, o responsável da secção política da revista The Atlantic. «A forma como se apresentou a história - até com citações oficiais do comandante em chefe do CENTCOM (general David Petraeus) - e a estranha promoção de um vice-secretário adjunto da defesa a subsecretário de defesa (Paul Brinkley) sugeriram uma extensa e deliberada operação informativa desenhada para estimular a opinião púbica sobre o curso da guerra», acrescentou.

O artigo que continha quase 1.500 palavras [1], baseava-se quase inteiramente em fontes do Departamento de Estado e, na segunda-feira, aparecia destacado como notícia principal em Early Bird - um resumo de histórias muito importantes sobre segurança nacional que o Pentágono distribui todas as manhãs - e afirmava que o Afeganistão é capaz de ter jazidas de minerais por explorar no valor de um bilião de dólares. Essas jazidas incluiriam «imensos filões de ferro, cobre, cobalto, ouro, e metais industriais essenciais, como o lítio», dizia o artigo.

O produto interno bruto afegão do ano passado alcançou os 13.000 milhões de dólares. Essa cifra contrasta com a exportação ilegal de drogas que parece ascender a uns 4.000 milhões de dólares por ano.

Um «memorando interno do Pentágono», a que teve acesso James Risen, jornalista do Times, predizia que o Afeganistão se converteria na «Arábia Saudita do lítio», uma matéria-prima chave para o fabrico de baterias de computadores portáteis e Blackberries.

«Aqui há um imenso potencial», disse Petraeus a Risen, numa entrevista no sábado passado. «Naturalmente que há muitos condicionantes, mas creio que é imensamente importante em potência», disse acerca das conclusões de um estudo realizado por uma «pequena equipa de funcionários do Pentágono e geólogos norte-americanos.»

O governo do presidente afegão Hamid Karzai, cujos recentes esforços para iniciar um processo de reconciliação com os insurgentes talibãs tem recebido críticas do Pentágono, entusiasmou-se rapidamente com a notícia. Numa reunião informativa de imprensa organizada à pressa, o porta-voz de Karzai, Wahid Omar, disse que a informação era «a melhor notícia que temos tido no Afeganistão em muitos anos».

No entanto, outros comentaristas sugeriram que as riquezas subterrâneas do Afeganistão não eram nada de novo. O valor dos recursos minerais do Afeganistão chega a mil milhões de dólares, disse Karzai em Janeiro, segundo a companhia Bloomberg.

Como assinalou Blake Hounshell, editor executivo da revista Foreign Policy, o Serviço Geológico dos EUA havia já publicado em 2007 na Internet um inventário global dos recursos mineiros não petrolíferos do Afeganistão, como também o fez a British Geological Survey (BGS). Grande parte do seu trabalho baseou-se nas explorações e investigações empreendidas pela União Soviética durante a sua ocupação do Afeganistão nos anos oitenta.

Stan Coats, antigo geólogo executivo da BGS, que desenvolveu trabalhos de prospecção no Afeganistão durante quatro anos, lançou uma advertência. «É preciso desenvolver um trabalho considerável antes de poder levar a cabo extracções com benefícios numa suposta jazida económica», disse ao jornal The Independent. «Há que ampliar a exploração de campo, incluindo perfurações, para assegurar que são jazidas viáveis em que se possa trabalhar».

Contudo, acrescentou, apesar da degradação da situação da segurança, algumas regiões eram suficientemente seguras «para se poder começar a actuar».

O número de mil milhões de dólares do artigo do New York Times, baseou-se numa tabulação simples das estimativas anteriores para cada mineral segundo o seu preço actual do mercado, segundo Hounshell.

Portanto, a pergunta que muitos observadores faziam era porquê o artigo, que aparecia de forma destacada nas cadeias estrangeiras e nos meios de comunicação audiovisuais por cabo durante os noticiários de segunda-feira, se publicava agora.

Segundo o Times de Londres, o memorando do Pentágono pode representar um esforço para atrair o interesse internacional pelo sector mineiro antes que se celebre, nas próximas semanas, o leilão de 1.800 milhões de toneladas de mineral ferroso em Hajigak, que pode alcançar um valor entre 5.000 e 6.000 milhões de dólares. O desenvolvimento da jazida maior de ferro conhecida tem encontrado inúmeros obstáculos devido à guerra e à debilidade das instituições.

O memorando coincidiu com uma visita à Índia de Wahidullah Shahrani, o novo ministro afegão de Minas, com o objectivo de solicitar ofertas para Hajigak, já que no passado ano se cancelou um leilão já organizado devido à falta de interesse internacional, segundo informou o Times. Shahrani foi nomeado em Janeiro com o apoio dos EUA, depois de terem despedido o seu predecessor, segundo parece por ter aceitado subornos de uma empresa mineira chinesa, uma acusação repudiada.

As autoridades ocidentais e afegãs querem que haja mais empresas a licitar Hajigak e outras jazidas mineiras para evitar que a China tome o controlo dos recursos naturais do Afeganistão, através de ofertas fortemente subvencionadas por Pequim, dizia o Times. Disse que as empresas norte-americanas e europeias sustentam que Pequim utilizou métodos pouco limpos para conseguir os contratos.

A Corporação Metalúrgica da China, de propriedade estatal, conseguiu em 2007 uma licença para desenvolver a zona de cobre de Aynak, a jazida mais rica conhecida desse metal no Afeganistão, onde a extracção mineira estivera bloqueada pela guerra da década de oitenta, segundo informações de Bloomberg. A jazida contém onze milhões de toneladas de metal de cobre, segundo um comunicado de 2008 de Jiangxi Copper, sócio no projecto, citado por Bloomberg.

A existência de minerais suscita também dúvidas sobre as motivações dos estrangeiros ao implicarem-se no conflito afegão. Os afegãos queixam-se de que o Ocidente vá realmente atrás dos seus recursos, como muitos iraquianos sustentam que a invasão do seu país pelos EUA tinha como objectivo controlar as riquezas petrolíferas (115.000 milhões de barris de reservas provadas, as terceiras do mundo depois da Arábia Saudita e do Irão).

Risen, do New York Times, sugeria no seu artigo uma resposta à pergunta sobre o momento em que se publicou o memorando do Pentágono, assinalando que: «As autoridades afegãs e norte-americanas concordaram falar dos achados de minerais num momento difícil para a guerra no Afeganistão».

Com efeito, as baixas dos EUA e da NATO aumentaram muito nas últimas semanas; uma ofensiva de contra-insurreição, de quatro meses de duração para «limpar, manter e construir» na região estratégica que rodeia Marjah na província de Helmand, de domínio pastum, parece ter fracassado; e, pelo menos, atrasou-se dois meses a campanha planeada na cidade chave de Kandahar e nos seus arredores.

As últimas sondagens de opinião indicam uma notável erosão no apoio ao compromisso de Washington com a guerra, em comparação com oito meses antes, quando o Presidente Barack Obama aceitou as recomendações do Pentágono de enviar 30.000 soldados mais para o Afeganistão, até conseguir que a presença militar norte-americana nesse país alcançasse mais tarde, durante o Verão, o número de 100.000 efectivos.

Além disso, o escasso apoio à guerra que ainda existe nos países aliados de Washington na NATO - que nunca chegou a ser tão elevado como nos Estados Unidos em nenhum momento - também se está a evaporar a toda a velocidade. Entre os países pertencentes à NATO e os que não são, excluindo os EUA, há, na actualidade, uns 34.000 soldados envolvidos no Afeganistão.

Na véspera de uma conferência ministerial da NATO em Bruxelas, o Secretário de Defesa, Robert Gates, advertiu que Washington e os seus aliados na NATO dispunham de muito pouco tempo para convencer os seus cidadãos de que a sua estratégia contra os talibãs estava a resultar, uma mensagem acolhida pelo então comandante da coligação no Afeganistão, o general Stanley McChrystal, e por Petraeus.

Com efeito, o governo norte-americano comprometeu-se a rever profundamente a sua estratégia no Afeganistão no final do ano e Obama prometeu começar a retirar as suas tropas em Julho de 2011.

Obama está a ter já que suportar as pressões dos meios neoconservadores e de direita - alguns deles especialmente explorados por Petraeus - e dos deputados republicanos, para que adie essa data.

E já apareceu o anterior ajudante de Petraeus, o Tenente Coronel John Nagi, (na reserva), um especialista em contra-insurreição que agora preside ao influente Centro para uma Nova Segurança Norte-Americana, a dizer que partilhava esse ponto de vista.

Nagi trabalhou estritamente com Petraeus, elaborando, em 2006, o muito elogiado Manual de Campo da Contra-insurreição Norte-Americana, que salientava a importância de esforços para estimular as percepções dos meios de comunicação em qualquer campanha de contra-insurreição.

«Os media estimulam directamente as atitudes das audiências para com as contra-insurreições, para com a suas operações e para com a insurreição opositora», escreveram. Esta situação gera uma guerra de percepções entre os insurrectos e contra-insurrectos, que se pode controlar utilizando os meios de comunicação”

A esse respeito, a publicação do artigo no Times foi recebida por muitos observadores como parte de um esforço para conseguir mais tempo para as operações de contra-insurreição.

Numa entrevista publicada depois com Laura Rozen do jornal Político, o ex-Ministro afegão da Fazenda Pública Ashraf Ghani disse que tinha pedido que se avaliasse a riqueza mineral do Afeganistão. «Quanto à pergunta por que a notícia saiu hoje…é algo que não posso explicar», disse ele.

Notas:
[1] Vejam “U S Identifies Vast Mineral Riches in Afeganistan

http://www.odiario.info/?p=1681

Sem comentários:

Related Posts with Thumbnails