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30/07/2010

Castigar os desempregados

Paul Krugman

Ainda há quem tenha a ideia de que os desempregados o são por opção, para poderem viver sem trabalhar. Quem o diz já não é impiedoso, é verdadeiramente estúpido.

Houve tempos em que toda a gente tinha como dado adquirido que o seguro de desemprego, que nos Estados Unidos termina ao fim de 26 semanas, seria prorrogado em períodos de desemprego crónico. Era, afinal, na opinião da maioria das pessoas, a abordagem correcta, o mais decente.

Mas isso era dantes. Hoje em dia os trabalhadores dos EUA enfrentam o pior mercado de trabalho desde a Grande Depressão, com cinco candidatos para cada vaga e a duração média do período de desemprego a atingir as 35 semanas. Todavia, o Senado foi para casa de férias, sem ter alargado o prazo dos benefícios. Como foi isso possível?

A resposta é que estamos perante uma coligação de gente impiedosa, ignorante e confusa. Não há nada a fazer quanto ao primeiro grupo e é capaz de haver pouco a esperar do segundo. Mas talvez seja possível esclarecer parte da confusão.

Por "impiedosos" quero dizer republicanos, que fizeram um cálculo cínico, o de que bloquear tudo o que o presidente Barack Obama tenta fazer (sem excluir, ou talvez mesmo incluindo propositadamente tudo o que possa aliviar o sofrimento económico do país) lhes aumentará as hipóteses nas eleições intercalares. Não há razão para fingirmos estar chocados: essa gente existe e representa uma grande percentagem dos republicanos.

Com "ignorantes" refiro-me a pessoas como Sharron Angle, a candidata republicana a senadora pelo Nevada, que já reiterou a sua opinião de que os desempregados o são por escolha própria, para poderem continuar a receber subsídios. Uma declaração dela, a título de exemplo: "Pode--se ganhar mais dinheiro com o desemprego que a arregaçar as mangas e a trabalhar numa actividade honesta, mas que não rende tanto. O país concedeu tantos direitos que acabou por mimar os cidadãos."

Ora bem, eu não tenho nada a sensação de que os desempregados estejam mimados; "desesperados" parece-me descrevê-los melhor. Contudo, é duvidoso que, por maior que fosse a montanha de provas, a visão que Angle tem do mundo se altere. Infelizmente, na nossa classe política há muita gente como ela.

Mas haverá também, espera- -se, uns quantos políticos que estão honestamente mal informados sobre o que fazem os que recebem subsídios de desemprego; que acreditam, por exemplo, que o senador Jon Kyl (republicano, do Arizona) tem razão ao dizer que a prorrogação dos subsídios aumentaria o desemprego, porque "continuar a pagar subsídios às pessoas é um desincentivo para procurarem trabalho". Portanto, vamos ver por que razão essa perspectiva é errada.

Será que os subsídios de desemprego reduzem o incentivo para se procurar trabalho? Sim: os trabalhadores que recebem subsídio não estão tão desesperados como os que não o recebem e é provável que sejam ligeiramente mais selectivos quanto ao tipo de trabalho que se dispõem a aceitar. A palavra-chave aqui é "ligeiramente". As recentes investigações económicas indicam que o efeito dos subsídios de desemprego no comportamento dos trabalhadores é muito inferior ao que se pensava. Seja como for, é um efeito bem real quando a economia está de boa saúde.

No entanto, na situação actual é um efeito completamente irrelevante. Quando a economia está florescente e a falta de trabalhadores com vontade de trabalhar é uma limitação ao crescimento, a existência de subsídios de desemprego generosos pode manter a taxa de emprego mais baixa do que seria sem eles. Contudo, como poderá ter notado, a economia agora não está a florescer: repito que há cinco desempregados para cada vaga. Cortar os subsídios aos desempregados pode deixá-los mais desesperados por procurar trabalho, mas é impossível encontrarem empregos que não existem.

Mas não é tudo. Uma das principais razões pelas quais neste momento não há empregos suficientes é a baixa procura por parte dos consumidores. Ajudar os desempregados pondo dinheiro no bolso de quem precisa muito dele ajuda a promover a despesa dos consumidores. É por isso que o Gabinete do Congresso para o Orçamento considera a ajuda aos desempregados uma forma de estímulo económico de excelente relação custo-benefício. Além disso, ao contrário, por exemplo, dos projectos de grandes infra-estruturas, a ajuda aos desempregados cria emprego rapidamente; permitir que essa ajuda caduque, o que está a acontecer agora, é a receita para um crescimento ainda mais baixo do sector do emprego, não num futuro distante, mas nos próximos meses.

Contudo, a prorrogação dos subsídios de desemprego não irá agravar o défice orçamental? Sim, um pouco. No entanto, como eu e outras pessoas temos defendido repetidamente, poupar alguns tostões num ambiente de economia gravemente deprimida não é maneira de lidar com problemas orçamentais de longo prazo. E contar tostões à custa dos de- sempregados não mostra apenas desorientação, engano ou erro; é cruel.

Assim sendo, haverá alguma hipótese de este tipo de mensagem chegar a algum lado? Temo que aos republicanos não seja possível: "É difícil fazer com que um homem perceba alguma coisa", disse Upton Sinclair, "quando o seu salário [ou, neste caso, a sua esperança de recuperar o Congresso] depende de não o perceber." Mas também há democratas centristas que se deixaram convencer pelos argumentos que negam a ajuda aos desempregados. Compete-lhes dar um passo atrás, criar distância e reconhecer que se equivocaram. E então adoptar a atitude mais correcta, que é aprovar a prorrogação dos subsídios.

http://www.ionline.pt/conteudo/68434-castigar-os-desempregados

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