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18/03/2010

O horror do povo à mentira

Jorge Messias

Nas tradições éticas do povo português a mentira é considerada um dos cúmulos da depravação moral. Sobretudo quando o mentiroso não é apenas um fingidor mas mente criminosamente, extraindo lucros das suas mentiras à custa dos danos causados a terceiros ou às instituições. E ainda pior será quando o mentiroso ocupa cargos de responsabilidade e sobe na vida à custa da corrupção. O povo tem-lhe horror.
Na vida pública-política, financeira, comercial, confessional – a carga negativa da mentira atinge as raias da repulsa e da condenação popular. Isto porque há uma graduação natural da escala da mentira e do mentiroso. Uma coisa é enganar o outro, isoladamente, outra bem diferente é mentir a um povo inteiro. O actual caso português traduz-se na escalada das mentiras e da forma de mentir.
Sócrates, por exemplo, disse a todos nós que não sabia do caso da tentativa de compra do grupo Media Capital e do gigantesco plano de controlo da comunicação social que a operação ocultava: mentiu. Mas outras mentiras desenvolvem outras técnicas de ocultação dos mentirosos fabricantes de falsas verdades. É o caso dos mentirosos que foram denunciados e se defendem declarando que nada fizeram e que de nada se lembram. E é, igualmente, a técnica usada pelos altos magistrados coniventes ao invocarem, apenas para ocultarem as suas cumplicidades passivas, a dignidade dos cargos que exercem e a defesa muda do bem comum. Também eles, de maneira diferente, mentem. Dizerem que «sabem mas que o dever obriga a calar» é uma forma ainda mais desprezível de fazerem coro com os outros que declaram nada terem feito ou sabido.

A luta revolucionária e a mentira

A denúncia da mentira prende-se invariavelmente com o levantamento da opinião popular em defesa dos interesses de classe, dos direitos humanos e da nacionalidade. Os exploradores sabem-no, temem o povo e a democracia real e, assim, procuram escudar-se em frases de boca cheia, tais como a «defesa dos direitos do homem», o «respeito pela liberdade de expressão» ou o «acatamento da Constituição». Tudo, nas suas bocas, mentiras e falsidades. Apresentam-se como defensores daquilo que obsessivamente, a todo o custo, procuram destruir.
Foi o caso, recente, de um fundamentalista católico e capitalista neoliberal – o brasileiro da TAP, Fernando Pinto – declarar aos pilotos da empresa, em plena luta pelos seus direitos na empresa, que o uso da greve estava fora de moda, era uma má recordação do século XIX ! Acrescentando logo a seguir a costumada ameaça chantagista: eles que vissem bem o que estava a fazer, visto que a greve os podia conduzir ao desemprego e à morte do Turismo, «menina do olho» da economia capitalista. Usou da mentira, do ódio à Constituição e usou do recurso à intimidação.
Foi igualmente o caso do presidente do conselho de administração do grupo Jerónimo Martins vir a terreiro declarar que Sócrates não prestava, devia ser demitido e o seu governo substituído por um outro, de iniciativa presidencial. Esta declaração não deve passar em claro. A família Jerónimo Martins é um bastião da Igreja católica. A invasão do campo da política pela área financeira não é inesperada mas é inoportuna. De acordo que Sócrates deve ser demitido. Mas de que serve substituí-lo por um governo de iniciativa presidencial com ministros de direita, como acontece com o governo de Sócrates, acolitado pela Igreja e apoiado pela alta finança? Não é um ataque a Sócrates que se faz mas o reforço da sua defesa. A proposta é uma outra colossal mentira. O facto é que, por entre desentendimentos e angústias metafísicas, começa a lavrar o terror nas hostes do grande capital.
O momento actual é confuso mas as forças em presença caminham rapidamente para uma clarificação das suas posições. É a gestação e o contínuo ascenso da luta de classes. A intervenção popular na vida política e económica tem uma importância decisiva. Porém, tal como dizia Lénine num contexto não muito diferente do nosso, o momento actual exige «não em acelerar a revolução mas em intensificar a educação do proletariado». Não perdoar, como untuosamente propõe a Igreja. Seguir em frente, organizando. Recusando o engano e a mentira. Rompendo com as políticas e os políticos corruptos. Assumindo integralmente as responsabilidades de «vanguarda do povo ».
«O povo é quem mais ordena! ...»

http://www.avante.pt/noticia.asp?id=32848&area=32

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