Foi a primeira vez que aconteceu. Nas contas das campanhas partidárias realizadas em 2009, e já entregues no Tribunal Constitucional, PS e PSD viram-se forçados a transferir centenas de milhares de euros das suas próprias contas para a campanha, para compensar o fracasso astronómico na angariação de fundos e donativos.
A escassa angariação de fundos e a consequente transferência significativa de verbas deram-se tanto nas eleições legislativas como nas europeias. Ao que tudo indica, a solução encontrada pelos dois principais partidos para resolver o problema foi uma novidade.
Nas legislativas, em vez de contribuir para a campanha com o milhão e oitocentos mil euros orçamentado, o PS gastou mais de dois milhões e quatrocentos mil euros. Isto porque só recolheu em fundos e donativos 91 mil euros. No total, juntando os quase três milhões de subvenção estatal, os socialistas gastaram pouco mais de 5 milhões e meio nas legislativas.
Na mesma campanha, o PSD viu-se forçado a transferir do partido 614 mil euros em vez dos 350 mil inicialmente previstos. No fim da campanha tinha gasto quase três milhões de euros.
A campanha socialista para as europeias foi ainda mais calamitosa em termos financeiros. O falhanço na captação de donativos e fundos já se verificara nas legislativas de 2005. Aquando da apresentação do orçamento de campanha, o PS esperava recolher mais de um milhão e meio de euros. Quando entregou as contas da campanha, declarou ter angariado apenas 448 mil euros. Mas a contribuição do partido para a campanha manteve-se igual ao anunciado no orçamento: previu transferir 800 mil e não passou dos 744 mil euros. No PSD, foi o mesmo: previram 500 mil euros de fundos angariados mas recolheram apenas 350 mil. E a contribuição do partido para a campanha foi ainda menor da que estava prevista no orçamento.
Mas a discrepância entre as verbas orçamentadas e os valores realmente transferidos das sedes para a campanha pode vir a trazer problemas aos partidos. A superação do valor assumido em orçamento de contribuição partidária pode resultar numa irregularidade, porque, tal como a lei está redigida, se presta a diferentes interpretações.
Numa lógica pública da gestão de dinheiros, a obrigatoriedade de apresentação de um orçamento de campanha pode ser entendida como uma forma de fixar e forçar os partidos aos valores apresentados. Violar as barreiras monetárias definidas no orçamento representaria uma irregularidade relativamente ao princípio de transparência das contas.
Luís de Sousa, professor e investigador do Instituto de Ciências Sociais (ICS) que se especializou em corrupção e financiamento partidário, explica: "Um dos princípios básicos da regulação do financiamento político é a necessária distinção entre contas dos partidos e contas de campanha". Esta distinção - a lei obriga os partidos a apresentar separadamente as contas partidárias das contas de campanha - serve para facilitar a fiscalização de financiamento ilícito. Segundo o investigador, o comportamento do PS e do PSD "dificulta os controlos" às contas partidárias.
Por outro lado, uma interpretação da lei numa lógica mais empresarial ou privada minimizaria a irregularidade suscitada antes. Desta forma, o orçamento de campanha deveria ser entendido como uma mera previsão de despesas e receitas.
A justificação de Capoulas Santos, eurodeputado e mandatário financeiro para as legislativas, parece encaixar nesta perspectiva: "Um partido funciona como a nossa casa. Quando as despesas superam as receitas, tem de se ir buscar a algum lado. O partido tende a endividar-se". Capoulas Santos adverte, no entanto, para as características específicas de 2009. "Foi um ano eleitoral em que as pessoas foram chamadas a dar mais contributos. Em 2005, houve apenas uma eleição." Em 2009, juntaram-se legislativas, europeias e autárquicas.
O PÚBLICO tentou contactar sem sucesso durante a semana o secretário-geral do PSD, Marques Guedes, para obter a versão do partido sobre estes dados.
O PÚBLICO contactou a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos - órgão fiscalizador das contas partidárias junto do Tribunal de Contas -, mas a presidente Margarida Salema escusou-se a comentar, porque ainda decorre o processo de audição.
http://publico.pt/Pol%C3%ADtica/legislativas-e-europeias-de-2009-revelam-contas-mais-opacas-de-ps-e-psd_1425923
À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.
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