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28/10/2010

Debate em defesa do Serviço Nacional de Saúde: Uma causa com provas dadas

Luís Gomes

O Governo PS prossegue uma caminhada de destruição e de privatização de serviços que, não sendo travada, resultará a médio prazo na destruição do Serviço Nacional de Saúde. O aviso foi feito no debate «Em defesa do SNS», dia 20, promovido pela União dos Sindicatos de Lisboa.
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No âmbito da campanha da CGTP-IN contra a privatização de serviços públicos, de que faz parte uma petição, no mesmo sentido, a ser entregue aos órgãos de soberania e cuja recolha de assinaturas prossegue, a União dos Sindicatos de Lisboa (USL/CGTP-IN) levou à Rua do Carmo um debate público «Em defesa do Serviço Nacional de Saúde – Uma causa com provas dadas».
«Só as populações, os utentes e os profissionais de saúde, com a sua intervenção e luta, poderão impedir a progressiva falta de qualidade e a destruição dos serviços públicos de saúde», afirmou, no início dos trabalhos, o coordenador da USL, Libério Domingues, para quem a destruição do SNS, pela mão do Governo PS é «um ajuste de contas com o 25 de Abril».
Lembrando que «este é um problema de todos», apelou à participação na manifestação nacional dos trabalhadores da Administração Pública, dia 6, e na greve geral de 24 de Novembro, pois «essas também serão lutas em defesa dos serviços públicos de saúde, contra as privatizações».
A dirigente da USL/CGTP-IN, Célia Silva, foi introduzindo temáticas em forma de perguntas que foram respondidas ordenadamente pelos dirigentes sindicais, Paulo Taborda, da Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública, Isabel Barbosa, do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, Pilar Vicente e Ana Enes, do Sindicato dos Médicos da Zona Sul, e Ana Barreiros, presidente do Sindicato Nacional dos Psicólogos.

Destruir ou privatizar

As consequências da privatização de serviços essenciais ao SNS e o seu estrangulamento financeiro -  recebeu em 2010, menos 216 milhões de euros do que em 2005 - foram o primeiro tema em debate.
Começando por recordar como até à Revolução de 25 de Abril de 1974 «Portugal tinha um sistema de saúde unicamente assistencialista, onde os serviços assumiam responsabilidades ínfimas e apenas para com os cidadãos em situação de total indigência», Paulo Taborda sublinhou a grande conquista social que foi a criação do SNS.
Em resultado das conquistas populares resultantes da Revolução de Abril, fez-se investimentos que melhoraram progressivamente os indicadores de saúde até à criação do Serviço Nacional de Saúde, em 1979. Contributo decisivo para esta criação «foi o trabalho das populações e do poder local democrático, no âmbito do saneamento básico, das redes de esgotos e do fornecimento de água, que resultou na obtenção de melhorias nos parâmetros da saúde pública e que superaram décadas de atraso e de agonia social», recordou o dirigente sindical.
Com o SNS público, universal e gratuito ocorreu uma «mudança significativa que, desenvolvida, nos colocou com um dos melhores indicadores de saúde da Europa, tendo o País, no âmbito da mortalidade infantil, obtido um dos melhores indicadores do mundo», prosseguiul, lembrando como, no ano 2000, o SNS português foi considerado o 12.º melhor do mundo pela Organização Mundial de Saúde.
Há, no entanto, «problemas que se têm agravado com a política de privatizações e de encerramento de serviços», e provocado a descida em alguns lugares naquele ranking, na última década, designadamente os longos tempos de espera quando os utentes precisam de um médico, de uma consulta, de um exame complementar ou de qualquer tratamento».
«Dizendo querer melhorar a acessibilidade, o Governo tem procedido ao contra-senso de encerrar serviços de saúde por todo o País», acusou Paulo Taborda, lembrando a «acentuada falta de profissionais especializados nos serviços, nomeadamente médicos, enfermeiros e auxiliares de acção médica».

Critérios díspares

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Em quase todas as localidades onde o Ministério da Saúde fechou ou pretende encerrar maternidades, Serviços de Atendimento Permanente, centros de saúde ou urgências hospitalares, «o argumento do Governo para o fazer tem sido que destas mudanças resultarão melhorias nos serviços prestados às populações, mas não é isso que se tem constatado», disse Paulo Taborda.
O critério do Governo PS para encerrar maternidades e blocos de parto foi terem um rácio anual inferior a 1500 partos, «mas nenhuma das clínicas privadas, abertas nas mesmas localidades onde encerraram os serviços públicos cumpre com este rácio», recordou. No entanto, «o Estado licencia estas instituições privadas».
Continuando a passagem de serviços e de utentes para instituições privadas, «daqui a uns anos, em vez de ser o Estado a dizer quanto paga aos privados por determinado serviço, passarão a ser os privados a impor quanto cobram». «O Estado deixará de poder sustentar o SNS, obrigando à passagem a outro modelo de saúde, baseado em seguros, como nos Estados Unidos da América, onde mais de 40 milhões de americanos estão excluídos do acesso a qualquer sistema de saúde», alertou Paulo Taborda.
Perante estas graves consequências, «é fundamental que as populações recusem a análise simplista mas muito propagandeada, segundo a qual tanto faz ser uma entidade pública ou privada a prestar o serviço de saúde», afirmou, avisando que, prosseguindo-se com a mesma política, «tudo o que foi conseguido em 30 anos de SNS irá por água abaixo».
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Um milhão sem médico de família

«A reforma dos cuidados de saúde primários tem evidenciado problemas que neles subsistem e se têm acentuado, sendo o mais grave a falta de médicos e de enfermeiros de família que, em muitos centros, nem sequer existem», começou por explicar Isabel Barbosa.
O desinvestimento a que se assiste com a reforma dos cuidados de saúde primários empreendida pelo Governo PS foi a temática abordada pela dirigente sindical.
«Muitos dos programas e cuidados, nos centros de saúde, não estão a ser cumpridos nem prestados, ao nível da saúde escolar, das consultas de diabetes ou de doenças cardiovasculares, entre outros», denunciou, lembrando que «sem estes cuidados é muito difícil obter-se melhorias de resultados».
Graves consequências decorrem do modelo das Unidades de Saúde Familiares (USF), pois
aquelas unidades «estão a provocar uma enorme desigualdade entre os profissionais destas e os dos restantes centros de saúde, e também entre os utentes», explicou Isabel Barbosa. «Enquanto as USF estão apetrechadas com melhores recursos materiais e humanos, na generalidade dos centros de saúde tem-se assistido a uma crescente falta de profissionais essenciais à criação de uma efectiva equidade no acesso».«Os inscritos nas USF têm médicos de família, enquanto muitos dos que ficaram nas outras unidades, não têm», referindo, recordando estimativas que apontam para a existência de um milhão de utentes sem médico de família. A este propósito, Paulo Taborda criticou a passagem das competências dos cuidados de saúde primários para os municípios que «não têm capacidade, conhecimentos, nem meios para assumirem essas responsabilidades».

Idosos são quem mais sofre

Com o acentuar da crise social tem aumentado o número de idosos nos hospitais e há cada vez mais casos de subnutrição derivada das baixas pensões de reforma, da solidão e do abandono. Só na região de Lisboa, na rede de cuidados continuados gerida por Instituições Particulares de Segurança Social e privados, o rácio é de menos de uma cama para cada mil habitantes maiores de 65 anos, segundo dados do ano passado, recordados por Célia Silva.
Por falta de meios humanos, «os profissionais não têm mãos a medir para tantos pacientes», e devido à «ausência de condições dignas de trabalho, fogem do SNS para o sector privado, tendo o Estado, depois, de recorrer a estes», explicou a médica Pilar Vicente. «O Governo chega a gastar dez vezes mais, recorrendo a mão-de-obra de empresas privadas», salientou, ao mesmo tempo que poupa dinheiro à custa da falta de saúde dos mais pobres, que não se podem queixar, por estarem sós ou fragilizados».
Pilar Vicente afirmou haver «hospitais recentemente encerrados - Desterro, Arroios, e enfermarias extintas no Hospital de São José - que, remodelados, poderiam assumir esses cuidados e criar quadros permanentes para os trabalhadores, em vez de recorrerem constantemente à precariedade», repetidamente condenada durante o debate público.

Urgências sem médicos

A redução de profissionais faz com que «nas urgências de alguns hospitais já não haja médicos com presença física». «A falta de radiologistas no Hospital de São Francisco de Xavier obriga a esperar três quartos de hora para se fazer exames», explicou Pilar Vicente.
No sector privado, «há tratamentos que não são assegurados, porque o seu custo é incomportável e requerem grande especialização profissional». Por isso, raramente nos privados são feitos transplantes cardíacos, hepáticos ou renais, salientou.
A falta de meios que garantam atendimentos, 24 horas por dia, nos serviços proporcionados por seguros de saúde foi também criticada pela dirigente sindical, bem como a ausência de especialidades só existentes no SNS e que comprovam, também desta forma, como o serviço público é imprescindível.
«É intenção do sector privado destruir o SNS com a colaboração do Governo que, por isso tem “fechado a torneira” à existência de profissionais de saúde», acusou. Em 1987, havia 500 entradas na faculdade de medicina, enquanto em 1997, apenas entraram 105 e o número de entradas não tem parado de diminuir, recordou Paulo Taborda, salientando que, actualmente, a situação é de pré-ruptura, por falta de médicos novos que substituam os que se têm reformado.

Falta sanidade mental

Outra área de saúde em alto estado de degradação é a da saúde mental, confirmou Ana Barreiros, a propósito do encerramento de instituições e de um cada vez mais restrito acesso dos utentes a esta área, em consequência da grande carência de psicólogos nos serviços públicos.
Lembrando que «o Plano Nacional de Saúde Mental pretende encerrar infraestruturas da especialidade e descentralizar serviços para os hospitais gerais», a psicóloga e dirigente sindical recordou os encerramentos no Hospital Miguel Bombarda - actualmente apenas a funcionar muito residualmente, depois de uma fusão com o Hospital Júlio de Matos que levou à criação recente do denominado Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa. Com estas mudanças, «extinguiu-se consultas de especialidade, designadamente as relacionadas com o stress pós-traumático ou de apoio a imigrantes e, com elas, os respectivos postos de trabalho». Houve também equipas extintas, designadamente a de Almada, supostamente com o propósito de se criar um departamento de saúde mental no Hospital Garcia D'Orta. Mas «nem os profissionais passaram para a unidade criada, nem os utentes que antes eram assistidos foram devidamente acautelados».
«O que pode estar em causa no Hospital Miguel Bombarda, muito mais do que a saúde pública é o valor imobiliário dos terrenos, no centro da cidade», considerou Ana Barreiros, salientando que «o Governo não está a ter em conta as reais necessidades de saúde mental da população».
A dirigente sindical recordou que um quarto da população sofre de depressão, quadro que provoca muitas baixas laborais e prejuízos que poderiam ser evitados se houvesse um decisivo investimento na saúde mental pública.
«Estudos demonstram ser mais barato ao Estado contratar psicólogos do que comparticipar medicamentos», revelou, lembrando haver profissionais que há dez anos sem concursos que permitam progressões na carreira, a ausência de psicólogos em urgências hospitalares – no INEM apenas existem seis – e salientando que «no sistema educativo não abrem concursos para integrar psicólogos desde 1997.
Nas escolas, este ano lectivo, 300 psicólogos continuam a aguardar colocação. «Estão, actualmente, a ser contratados por via do recurso a entidades privadas», explicou a dirigente sindical.
O debate público também abordou as problemáticas relacionadas com as taxas moderadoras e os custos dos exames médicos; as listas de espera para consultas e cirurgias; as políticas de saúde da ADSE e os seus encargos, incomportáveis para muitos beneficiários; as parcerias público-privadas e o desperdício de dinheiros públicos daí decorrente, e as propostas demagógicas para o sector, enunciadas pelo PSD.
 
Medicamentos mais caros
 A problemática sobre os novos preços dos medicamentos para os utentes tem sido tratada com grande demagogia pelo Governo PS, consideraram os intervenientes. Embora tenha anunciado uma redução de seis por cento nos custos dos medicamentos, a verdade é que os utentes que tinham direito a comparticipações a cem por cento passaram a ter apenas cobertura de 95 por cento e estão agora abrigados a pagar cinco por cento dos custos de vários tratamentos imprescindíveis de doenças permanentes. Para a CGTP-IN, este problema só poderá ser ultrapassado quando o Estado assumir a produção de genéricos e os médicos tiverem de prescrever medicamentos de acordo com o seu princípio activo, em vez dos de marca que, fazendo o mesmo efeito são muito mais dispendiosos para os utentes.
«Até ao fim da década de 80, o Estado teve alguma capacidade própria de produção de genéricos, quando 90 por cento dos medicamentos consumidos em hospitais eram desta categoria», explicou Paulo Taborda. Como «destruiu deliberadamente o laboratório militar, deixou de produzir e ficou refém das multinacionais farmacêuticas que provocaram uma subida exponencial dos preços». «Enquanto não houver no Estado capacidade para produzir a gama básica de 40 genéricos, a factura continuará a aumentar», garantiu.
Quanto à passagem de cobrança de cinco por cento em medicamentos que eram até aqui comparticipados na totalidade, ela «é, para muitos, a diferença entre poderem ou não fazer a terapêutica», considerou o dirigente sindical, sublinhando que «sai mais caro tratar doenças agravadas por falta de terapêutica».
A criação de um laboratório nacional do medicamento, permitir que passem a ser os centros de saúde e os hospitais, e não as farmácias a fornecer medicamentos e a implementar decisivamente os genéricos, prescrevendo pelo princípio activo são alternativas apontadas pela USL/CGTP-IN, que poupariam muitos milhões aos utentes e ao SNS, salientou Paulo Taborda.

http://www.avante.pt/pt/1926/temas/111035/ 

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