Francisco Silva
Podia embarcar em escrever um texto sobre a questão dos chamados bónus desproporcionados - ou mesmo de todo descabidos para quem falhou os objectivos - que têm continuado a ser atribuídos a gestores de alta posição, sobretudo na área da finança/seguros, um pouco por todo o mundo «desenvolvido», ou dito como tal, incluindo, claro, em Portugal. E quem diz bónus diz esquemas de pensões milionários para gestores, inclusive em força logo que demitidos, afastados, antes do final dos seus mandatos. Mais a mais quando tais pacotes vão sendo atribuídos já numa fase em que a crise se cava brutalmente, neste primeiro semestre de 2009, por empresas intervencionadas/nacionalizadas pelos respectivos estados.
Pois bem, podia embarcar no tema, mesmo estando o autor destas linhas convencido não ser muito dado às tais «invejas sociais» que o PM referiu recentemente. Mas não embarco, pelo menos aqui, e basicamente por duas ordens de razões. A primeira, porque tratando-se de um bom exemplo em termos morais de comparação com as misérias salariais da grande maioria dos trabalhadores é melhor tratado por outros, e sobretudo está fora da temática a que aqui me devo cingir. Segunda ordem de razões: porque, tratando-se embora de verbas colossais em termos individuais, elas são menores em comparação com as transferências de riquezas por que tais gestores são responsáveis executivos. Assim as notícias e debates em torno dos tão badalados pagamentos aos gestores da seguradora norte-americana AIG acabaram por obscurecer as transferências mil vezes maiores das verbas, recebidas do Estado, efectuadas por esta seguradora para terceiros (nomeadamente as transferidas para a Goldman Sachs, de onde antes o governante Paulson, responsável por tal legislação, tinha sido «requisitado» quando aí era o CEO, o Presidente Executivo…).
Esta última questão, sim, já se refere a um impacto económico-financeiro significativo. É aliás da apropriação das mais valias do trabalho que vivem as riquezas dos milionários de que se trata e não, principalmente, dos réditos dos escravos preferidos – os tais gestores –, principescamente pagos para efectuarem tais operações. E, é certo, tão principescamente pagos que com frequência ficam «ricos». É também um tema de grande relevância, mas o que aqui queria mesmo referir - e já vou a meio do texto só com esta introdução… – o que queria referir era o debate que aí vai sob a falência da ciência económica e da culpa dos académicos desta área, inclusive os Prémios Nobel, claro os das últimas três neoliberais décadas, de terem induzido em erro a classe capitalista, incluindo os pobrezinhos da elite financeira mundial (1), que, soubessem eles que estavam errados nunca teriam produzido o enorme desastre que todos os outros estão a sofrer por esse mundo fora, e vão continuar a sofrer. Largos costados, pelos vistos, tem a ciência económica.
Sem nunca pegarem pelos cornos a questão principal - que é a da carência de procura solvente adaptada à capacidade de produção existente, estando o Mundo, por isso, a braços com uma enorme crise de sobreprodução –, os publicistas dizem agora que aquela coisa de que os mercados financeiros tinham sempre razão se baseava, afinal, em duas teorias que estavam catastroficamente erradas: a «hipótese do mercado eficiente» e as «expectativas racionais»!
Que «tem se reconhecer que a ortodoxia académica prevalecente é uma via sem saída». Que os «economistas terão que reverter para uma competição genuína entre diversas abordagens intelectuais – tais como a psicologia comportamental, a sociologia, a engenharia de controlo e a matemática da teoria do caos». Para reconhecerem, vá lá, que «a economia estaria à beira de uma mudança paradigmática» comparável à revolução copernicana – afinal a Terra sempre se movia à volta do Sol. Blá, blá, blá. Mas chamar o nome ao boi é que nunca. É o atreves.
Esquecem-se que essa revolução copernicana da teoria económica foi realizada por um economista do século XIX, Karl Marx, sendo certo que, por pudor, ou para serviço do sistema, vão dele referindo algumas coisas. Mas nem precisavam de ir tão longe, bastava-lhes olhar para alguém fazendo parte do capitalismo, Henry Ford, que bem compreendeu a necessidade de estimular directamente a procura solvente da classe operária. Mas vá lá gente falar-lhes do Diabo. Calafetam mas é as possíveis entradas de som nos ouvidos, por tudo o que é lado!
(1) Anatole Kaletsky – «Economists are the forgotten guilty men».
Avante! - 09.04.09
À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.
10/04/2009
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