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24/01/2010

Pode Portugal sobreviver sem imigrantes?

A 31 de Dezembro de 2008, a população residente em Portugal era de 10.627.250 indivíduos, número que representa uma taxa de crescimento efectivo de 0,09% relativamente ao ano anterior, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE). Apesar de diminuto, este crescimento deveu-se inteiramente ao aumento do fluxo migratório, uma vez que o crescimento natural (diferença entre nascimentos e óbitos) foi praticamente nulo.

Mais: nesse mesmo ano, 10% dos partos registados em Portugal, ou seja, 10 mil, foram de mulheres imigrantes. Uma percentagem relevante tendo em conta a tendência de declínio e de envelhecimento acentuado da população nacional.

De acordo com o estudo Necessidade de mão-de-obra imigrante em Portugal, coordenado por Roberto Carneiro e datado de Janeiro de 2009, 5% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional é da responsabilidade dos imigrantes, que, em 2002, contribuíram também com 238 milhões de euros para as contas públicas, através do pagamento de impostos e de taxas.

O documento conclui que "esta mão-de-obra imigrante em Portugal, afigura-se necessária para os anos de 2009 e 2010, fruto das suas características e motivações (...), muito assentes numa maior disponibilidade destas pessoas para trabalhar em áreas e funções que os trabalhadores portugueses não querem ocupar".

Mas o poder de atracção de Portugal parece estar a diminuir, fruto da desaceleração económica. No ano passado, apenas foram preenchidas 26% das 3800 vagas disponíveis para imigrantes. Está o futuro de Portugal em risco?

Imigrantes são uma necessidade

Os analistas são unânimes: não são os imigrantes que vão resolver o problema da diminuição e acentuado envelhecimento da população portuguesa, mas têm um papel importante na desaceleração destes processos. Ou, como diz João Peixoto, da Associação Portuguesa de Demografia e autor de vários trabalhos sobre esta temática, "a imigração não é a solução para os desafios demográficos, mas é benéfica".

Os estudos indicam que Portugal vai perder mais de um milhão de habitantes nos próximos 40 anos. Simultaneamente, verificar-se-á um envelhecimento acentuado da população. Enquanto que, em 2008, por cada 100 indivíduos com idades entre os 0 e os 14 anos existiam 112 com 65 ou mais anos, as previsões apontam para que esse rácio seja de 100 para 243 em 2050. Isto significa que a pirâmide demográfica portuguesa tende a diminuir na base e a alargar no topo, com todas as consequências económicas e sociais associadas que este processo acarreta.

De acordo com Maria João Valente Rosa, investigadora no Gabinete de Insvestigação em Sociologia Aplicada da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, "a população portuguesa está cada vez mais dependente da imigração para crescer". Ou seja, estamos perante um fenómeno de imigração de susbtituição.

Esta terceira fase de imigração (que se iniciou nos finais da década de 90 do século XX) é caracterizada essencialmente pela vinda de indivíduos em idade activa (15-64 anos) e com taxas de fecundidade superiores à da população nacional. A média de filhos por cada mulher portuguesa é de 1,42, sendo que, para haver uma renovação de gerações, deveria ser de 2,1. A das mulheres estrangeiras residentes em Portugal é de 2,38.

Estrangeiras têm mais filhos

Como sublinha Ana Paula Beja Horta, responsável do Centro de Estudos das Migrações e das Relações Internacionais (CEMRI) da Universidade Aberta, há comunidades imigrantes com taxas de fecundidade mais elevadas do que outras. Segundo o último Censos, de 2001, os índices mais altos são das mulheres chinesas (5,61) seguidas das guineenses. O mais baixo, das mulheres moldavas (0,71). Ainda de acordo com Ana Paula Beja Horta, "se tivermos em conta o envelhecimento significativo da população nacional e da incapacidade de renovação de gerações, numa situação limite de imigração zero, a situação seria bem mais preocupante".

Em termos económicos, os fluxos migratórios têm também uma importância acrescida, não só ao nível do mercado de trabalho, mas também da sustentabilidade do sistema de Segurança Social e mesmo do equilíbrio das próprias contas públicas. E estas são questões que nenhum Estado deve descurar, muito menos num quadro de desaceleração económica como o que temos vivido.

Reunidos, no final da semana passada, em Toledo (Espanha), os ministros europeus de Justiça, Imigração e Interior acordaram que é necessária apostar em sinergias entre imigração e desenvolvimento e "uma política de imigração flexível que responda, no âmbito legal, à procura dos mercados laborais nacionais dos Estados-membros". O comissário europeu da Justiça, Jacques Berrot, referiu até que, "apesar da crise e das dificuldades dos trabalhadores, a imigração continua a ser necessária".

O mesmo concluiu o estudo, já citado, Necessidades de mão-de-obra imigrante em Portugal - evolução a curto prazo 2009-2010: "Continuará a existir uma necessidade relativa de mão-de-obra imigrante nos anos de 2009 e 2010, sensível, contudo, a factores que poderão fazer com que esta necessidade seja maior ou menor". Factores esses que passam, designadamente, pelo investimento e aprovação de grande obras ou de outros investimentos na organização de grandes eventos, o retorno de emigrantes portugueses ou o stock de imigrantes desempregados.

A procura de trabalho é o principal motivos da vinda de imigrantes para Portugal. E será também a principal razão para a quebra do fluxo migratório no país desde os finais de 2008, ano em que se verificam os primeiros sinais de crise económica. "A imigração portuguesa está muito vinculada às ofertas de emprego e, neste momento, há claramente, pouca oferta para os imigrantes, como há para a população em geral", diz João Peixoto.

Este investigador não deixa, contudo, de desconstruir um certo discurso de que os imigrantes ocupam os postos de trabalho que eram dos portugueses. "Muito do emprego oferecido em Portugal não é atractivo para os nacionais. Os imigrantes não competem com os portugueses a não ser em casos pontuais", sublinha.

Para João Peixoto, esta realidade deve-se, por um lado, à mobilidade profissional ascendente e, por outro, àqueles que, não conseguindo essa ascenção profissional, optam por emigrar, mesmo que para fazer trabalhos que em Portugal recusariam. "Para estes, é socialmente menos penoso e economicamente mais compensador", explica.

Retorno de imigrantes

À desaceleração do fluxo de imigrantes, Ana Paula Beja Horta acrescenta outro fenómeno: o do retorno de imigrantes, ou seja, a sua saída para países terceiros ou o regresso à pátria. Por se tratar de fenómeno recente, não há dados consolidados, mas a responsável do CEMRI apresenta o exemplo dos cidadãos ucranianos. Em 2007, existiam 41.530 em Portugal; no ano suguinte, desceram para 38.440. "A maior parte escolheu ir para a Polónia e República Checa, os países mais próximos da União Europeia que começam a crescer em termos económicos", explica.

"Há que não esquecer que os imigrantes são uma população activa, que faz descontos, que paga impostos, contribui para a ciência social e que cria postos de trabalho, uma vez que são muito empreendedores", diz. Maria João Valente Costa, contudo, alerta: "A imigração não deve ser vista como um tapa-buracos, mas como um potencial, uma mais-valia para todos".

http://jn.sapo.pt/Domingo/Interior.aspx?content_id=1477441

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