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28/01/2010

O combate aos baixos salários e a melhoria da coesão social e territorial

Anselmo Dias

José Sócrates, recentemente, em cerimónia pomposa, repetiu o que tempos atrás já havia referido quanto à discriminação imposta a Bragança pelo facto de ser o único distrito onde não existia uma auto-estrada. Não havendo uma auto-estrada em Bragança, faça-se, então, uma auto-estrada em Bragança, proclamou em tom tribunício José Sócrates.

O que ele não disse é que Bragança sofre de uma discriminação bem mais gravosa, resultante quer do seu débil aparelho produtivo quer, sobretudo, do facto de ser o distrito do País com os mais baixos salários, inferiores em cerca de 26% da média nacional, tendo em atenção o sector privado da economia.
Quanto à auto-estrada prometida por José Sócrates convém referir, para que não haja dúvidas, que qualquer pessoa de bom senso reconhece que as vias de comunicação, desde sempre, desde os primórdios da humanidade, constituem um factor de desenvolvimento das relações sociais, não só no plano das trocas de bens e serviços, mas igualmente nas relações pessoais, quer elas envolvam relações de convivialidade, de permuta cultural e científica, quer, infelizmente, envolvam, como historicamente aconteceu e acontece, relações de agressão, de rapina e de guerra.
Entre nós, esta última vertente não existe, embora exista, no interesse dos accionistas das grandes empresas, o desvio de recursos financeiros para a construção de estradas e de auto-estradas, cuja densificação, num país como o nosso, campeão das assimetrias sociais, faz lembrar a história de um presunçoso que ambiciona o estatuto social dos ricos, bem exemplificado na expressão popular de «arrota, pelintra, e faz-te lorde».
Não vale, pois, a pena, em termos gerais, gastar tempo a discutir a importância estratégica das vias de comunicação, salvo nos aspectos em que as mesmas têm consumido enormes recursos e desviado os mesmos dos sectores produtivos geradores de bens transaccionáveis.
Não vale a pena, também, em termos gerais, gastar tempo a discutir a importância estratégica das estradas e das auto-estradas, salvo nos aspectos em que as mesmas têm, pelo seu valor em si e pelos truques de obras não contempladas no orçamento inicial, possibilitado, em tempo recorde, aos patrões das grandes empresas de construção, uma enorme acumulação capitalista.
O que vale a pena é saber se, num distrito como o de Bragança, onde a média salarial concelhia vai de 615 euros no concelho de Alfândega da Fé até aos 759 euros no concelho de Bragança, se, repetimos, com tal realidade, não há importantes sectores de actividade económica a desenvolver, na perspectiva do crescimento do produto interno bruto e, mais que isso, na melhoria das condições de vida e de trabalho da respectiva população.
Importa repetir que o PCP tem, neste distrito, desde há muito tempo vindo a reclamar a melhoria da rede digital, o desenvolvimento das comunicações na área dos transportes rodoviários, mas, também, como opção estratégica, a ferrovia, o transporte fluvial e, neste contexto, a salientar que estamos num distrito com excelentes condições naturais para o desenvolvimento.
Falamos, a este propósito, das enormes reservas de água, quer à superfície, quer aquíferas, das riquezas mineiras, designadamente do ferro de Moncorvo, da floresta, dos produtos da terra, ou seja, falamos não só do sector primário e da indústria extractiva, mas igualmente da indústria agro-alimentar e da restante indústria apta a transformar as matérias-primas em produtos intermédios e acabados, uns e outros integrando média e alta incorporação tecnológica.
Sobre isto, no anúncio feito à construção da obra em apreço, com a qual concordamos, José Sócrates entrou mudo e saiu calado, associando apenas, demagógicamente, o progresso à prometida auto-estrada.
Auto-estrada que, estamos certos, caso não seja alterado o actual modelo de desenvolvimento, terá o seguinte destino: uma das suas vias será destinada a servir de entrada a produtos vindos do estrangeiro e a outra via será destinada a servir de saída dos seus residentes para fora do distrito, na procura de alternativas à falta de emprego e de emprego com mais elevadas contrapartidas salariais, isto num distrito em cujos 12 concelhos vigoravam, no sector privado da economia, os seguintes ganhos médios mensais, expressos em euros:
- Alfândega da Fé, 615; Freixo de Espada à Cinta, 624; Vinhais, 641; Mogadouro, 652; Vimioso, 658; Carrazeda de Ansiães 660; Vila Flor, 665; Macedo de Cavaleiros, 674; Torre de Moncorvo, 694; Mirandela, 729; Miranda do Douro, 734; e Bragança, 759 euros.
Esta realidade faz com que o distrito de Bragança tenha, com 75%, a mais alta percentagem de médias salariais concelhias na área dos cerca de 600 euros.
Infelizmente o distrito de Bragança não é um caso único na medida em que, a Sul, no distrito da Guarda, a percentagem era de 71%, seguida de 64% em Vila Real, Braga e Castelo Branco. Imediatamente abaixo estavam Viseu, com 52%, e Viana do Castelo, com 50%.
Estamos a falar dos 7 distritos com os mais baixos salários médios do País, localizados todos eles no Minho, em Trás-os-Montes e na Beira Interior.

Factores que influenciam os baixos salários

Os salários, no sistema político e económico vigente, são influenciados por múltiplos factores de que se destaca, prioritariamente, o modelo de desenvolvimento económico e factores ligados às empresas e aos trabalhadores.
Quanto às empresas, os factores mais importantes são: a sua dimensão, o número de anos de actividade e a sua estrutura organizativa;
Quanto aos trabalhadores, os factores mais importantes são: o nível académico, a antiguidade na empresa, a natureza do contrato de trabalho, o género e a origem (portuguesa ou estrangeira).
De todos estes factores vamos abordar apenas um: a natureza do tecido produtivo.
De acordo com os dados disponíveis dos Quadros de Pessoal, publicados em Outubro de 2009, desagregados por 44 sectores e sub-sectores, verifica-se que a prevalência dos mais baixos ganhos médios mensais (remuneração base, acrescida de trabalho extraordinário e subsídios diversos) era, a nível nacional, no conjunto de homens e mulheres, por actividade económica, a seguinte:
– Indústrias têxtil, vestuário e calçado, com 615,36 euros; Indústria de mobiliário e colchões: 635,15 euros; Alojamento, restauração e similares: 659,71 euros; Agricultura: 664,18 euros; Apoio social: 692,96 euros; Construção civil: 768,15 euros; Comércio a retalho: 772,45 euros.
O que é que se pretende dizer com todos estes dados?
Pretendemos dizer que, quando o peso conjunto destas sete actividades, associado aos baixos salários, comparativamente ao universo total de trabalhadores por conta de outrem, é muito elevado, isso acarreta, em termos de nível de vida, valores inferiores à média nacional.
De facto, no distrito de Braga, os sete sectores atrás referidos, tendo em conta o número total de trabalhadores do sector privado da economia, representam a preocupante percentagem de 63%, ou seja, cerca de dois em cada três trabalhadores. É demasiado, mais do dobro da percentagem verificada em Lisboa, realidade que ajuda, em parte, a explicar os 1269 euros e os 744 euros, correspondentes, respectivamente, ao ganho médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem dos distritos de Lisboa e Braga.
Em Castelo Branco, Viana do Castelo, Vila Real, Bragança, Guarda e Viseu, as percentagens oscilam entre 54% e 50%, valores acima da média global do País.
Há, pois, paralelamente à exigência de melhores salários, a exigência da diversificação do tecido produtivo, evitando as perigosas monoactividades em sectores mal pagos, exemplarmente tipificadas no distrito de Braga, o qual, sozinho, acolhe cerca de 41% do número de trabalhadores afectos às indústrias têxtil, vestuário e calçado de todo o País, o que significa, em nossa opinião, um crime lesa-coesão social, na medida em que se associa dois aspectos negativos: uma alta concentração de trabalhadores num único sector e uma enorme dimensão de baixos salários. É excessivo.
Paralelamente à exigência de neutralizar os efeitos das monoactividades (o Algarve constitui um outro mau exemplo por via da elevada concentração de trabalhadores associados ao turismo), há que apostar, por via das pescas, da agricultura, das indústrias agro-alimentares e das indústrias transformadoras com média e alta tecnologia, na satisfação das necessidades do nosso mercado interno, na substituição das importações pela produção nacional e no fomento à exportação de produtos com elevado valor acrescentado, por forma a trazer para o País as divisas necessárias para compensar aquilo que somos obrigados a comprar no estrangeiro.
Estas opções, tendo plena aplicação a todo o território nacional, devem, em nome de um mínimo de racionalidade económica e de equidade social, valorizar as regiões mais desfavorecidas.
Estas opções devem, por outro lado, no campo político e ideológico, constituir um argumento de denúncia da forma como o PS, o PSD e o CDS-PP armadilharam o nosso sistema produtivo, ao serviço da financeirização da economia e em nome de uma pretensa modernidade atribuída à terciarização da actividade empresarial, como se o nosso quotidiano fosse suprido preferencialmente pelos serviços, em detrimento da agricultura, das pescas e das indústrias.
Os sete distritos atrás referidos devem, por todas estas razões, estar na linha da frente quanto à diversificação e à modernização do aparelho produtivo.
Isso passa pela implementação de novas indústrias que criem postos de trabalho e que fixem a população activa, opções a levar acabo a montante da construção de auto-estradas.
É bom recordar que, em Viana do Castelo, em Braga, em Vila Real, em Viseu, na Guarda e em Castelo Branco há auto-estradas.
É bom recordar que nenhum desses investimentos contribuiu para melhorar a estrutura salarial dos respectivos trabalhadores por conta de outrem.
Ao ser construída uma auto-estrada para Bragança como o alfa e o ómega do desenvolvimento, conforme o prometido por José Sócrates, o resultado final na valorização dos salários vai ter o mesmo significado que teve a construção da A42 nos salários dos trabalhadores de Paços de Ferreira, um concelho onde labutam milhares de trabalhadores e onde a média salarial é de 598 euros.
Associar, mecânicamente, uma auto-estrada ao desenvolvimento, à revelia do modelo de desenvolvimento, é o mesmo que pedir diligência a um burro atrelado a uma carroça sem rodas.
Tão simples quanto isto, senhor primeiro-ministro!

Fontes:
– Anuários Estatísticos, INE, 2009;
– Quadros de Pessoal, MTSS, 2009.

http://www.avante.pt/noticia.asp?id=32218&area=19

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