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06/12/2010

Crise faz aumentar casos de crianças negligenciadas

Comissões de menores e tribunais estão a registar mais casos. Só em Lisboa subiram 42,5%, e no Barreiro passaram de 144 para 292.
João ia para a escola sem livros e sem dinheiro para as refeições. O caso obrigou a mãe a ir a tribunal, onde esta admitiu não poder pagar as despesas porque estava desempregada e se tinha esquecido de tratar dos papéis da acção social escolar do filho.
Tal como o João, as dificuldades financeiras das famílias estão a levar às comissões de protecção de crianças e jovens em risco (CPCJ) e aos tribunais de menores mais casos de crianças mal nutridas, que faltam à escola, que ficam sozinhas em casa ou que são vítimas de violência doméstica.
Só no Tribunal de Menores do Barreiro o aumento é de 103%, e no de Lisboa chega aos 45,2%. Para as situações de perigo, em que é mesmo necessário retirar a criança, também há menos soluções porque as instituições estão a ficar sem capacidade de resposta.
"Em 2009, abrimos 252 processos de promoção e protecção. Este ano, até final de Novembro, já foram abertos 366", disse ao DN Celso Manata, procurador do Tribunal de Menores de Lisboa. Estes processos podem ser abertos por vários motivos (e também pelas CPCJ), mas a negligência e os maus tratos são os mais comuns.
No Tribunal de Menores do Barreiro o aumento é ainda mais acentuado. O juiz António Fialho revela ao DN que "até dia 1 de Dezembro foram abertos 292 processos", enquanto no mesmo período de 2009 foram 144. A maioria por "absentismo e abandono escolar, maus tratos e negligência".
Casos como o de João são resolvidos com um apoio financeiro da Segurança Social, que pode ser accionado por CPCJ e tribunais, mas cuja duração máxima é de 18 meses. E que, segundo apurou o DN, tem sido suspenso em alguns casos, sem motivo aparente. "Estas famílias são acompanhas pela Segurança Social, e o dinheiro é apenas até voltarem a endireitar a vida", acrescenta o juiz do Barreiro. E sempre para um fim específico, como uma ama ou o ATL.
Na Comissão de Protecção de Menores de Sintra Ocidental, os casos sinalizados até ao final de Novembro já excediam em cem os acompanhados em todo o ano anterior. Em 2009, 512 menores foram aqui seguidos, a maioria por terem sido negligenciados ou mal tratados pelos pais. "Mas este ano devemos chegar aos 700", disse ao DN Teresa Villas, presidente da comissão, sublinhando que a situação das famílias se está a agravar de forma assustadora. Muitas vezes, atrás do desemprego e das carências económicas vêm casos de desespero e perturbações emocionais, que desencadeiam alcoolismos, dependências ou violências.
No Barreiro também se sentem mais factores de risco, embora ainda não seja possível atribui-los à crise. "Os problemas são os mesmos: absentismo escolar, negligência, maus tratos e violência doméstica", diz Rita Carvalho, presidente. "O desemprego é muitas vezes motor desse desequilíbrio."
Nas áreas menos habitadas não se nota a subida. Em Vizela, apesar da negligência não ter subido, as técnicas referem que nas famílias sinalizadas se notam carências maiores. "Não é pela falta de dinheiro que as famílias são acompanhadas, mas em alguns casos deparamo-nos com mais carências e encaminhamo-las para instituições, como o Banco Alimentar", diz Diana Ramos, presidente. Já em Silves, a subida que se nota é nos pedidos de apoios à Segurança Social.
O presidente da Comissão Nacional de Crianças e Jovens em Risco, Armando Leandro, diz desconhecer ainda o cenário do País. "Só quando tivermos dados perceberemos se a crise está a reflectir- -se nos problemas das crianças", disse, admitindo que "é provável que leve a consequências deste tipo". Também a secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação, Idália Moniz, recusa "alarme social". "Apenas digo que estaremos cá para avaliar e responder ao que for preciso", afirmou ao DN.

http://dn.sapo.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1728137

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