Durante este Verão, uma das escolhas de leitura do escrevente destas linhas conduziu-o a um livro recentemente publicado em Portugal da autoria do físico americano Tony Rothman, cujo tema anda à volta da História da Ciência e da Tecnologia do Ocidente. Vai o autor mais propriamente por histórias talvez menos conhecidas das respectivas actividades criadoras, incluindo a da participação de actores relevantes normalmente «esquecidos», nos domínios da Física e da Astronomia da época de Galileu, digamos assim, para cá; vai pela Tecnologia, em particular a das comunicações, mas também pela área da iluminação eléctrica, abordando também as áreas da Química e da Biologia e dá ainda uma espreitadelazita pela Matemática. O livro que refiro, publicado originalmente em 2003, aborda, portanto, em prioridade - como o título deixa entrever - o que no conhecimento tudo tem de relativo e outras fábulas/lendas da Ciência e da Tecnologia. E é a intenção para a feitura desta obra, logo declarada no prefácio pelo seu autor Tony Rothman - até talvez estimulado pelas suas tendências socialistas, como refere com alguma ironia, mas também com desassombro -, que se bem que não queira negar louros a quem quer que seja, a sua preferência para vê-los redistribuídos.
Na contracapa, entre outras, encontramos uma apreciação ao livro feita por Roald Hoffman, um Prémio Nobel da Química: «Se o leitor não for céptico em relação à mitologia da descoberta, sê-lo-á após ler este fascinante livro de Tony Rothman. É uma colagem de anti-histórias cativantes, todas elas deliciosas, que contrariam as histórias que os cientistas contam a si mesmos e depois nos contam. E que nós desejamos ardentemente ler...» Hum, uma frase escrita /traduzida um pouco às três pancadas, mas que dá para entender algo de intrigante na verdade; ou melhor, mesmo bem intrigante...
Na verdade, fosse eu o comentador da contracapa e faria uma afirmação algo no mesmo sentido, mas com uns “ligeiros” ajustes ao texto de Roald Hoffman, a uma afirmação tão genérica relativamente às histórias que «os» cientistas contam a si mesmos e depois nos contam... Isto é, digo eu, não são todos os cientistas que aqui estão em jogo, tal como o artigo definido «os» nos pode levar a crer. Com efeito, trata-se sim de uma afirmação atribuível a uma minoria dos cientistas ditos vencedores, portanto dos que recebem prémios, em particular prémios Nobeis, dos que alcançam reconhecimento mediático, dos que conseguem proeminência académica, quantas vezes após «sanguinárias» lutas intestinas, dos que conseguem ficar com os louros de tantos outros. Outros que se esquecem de mencionar! E ainda, não menos importante, não se pode esquecer as nacionalidades das tais estrelas científicas ou, pelo menos o «sistema científico & tecnológico» a que podem ser referidos... - ou seja, de entre tais estrelas o número dominante é o das personalidades científicas de fala inglesa (se bem que os de língua alemã e francesa, e alguns da área italiana, tenham uma sua quota parte, sobretudo se publicarem os artigos em inglês), primeiro, nos tempos áureos do Império Britânico, os súbditos de Sua Majestade, mais para cá, avassaladoramente, os dos EUA.
Os tantos outros que participaram dos mesmos processos que levaram a tais avanços e descobertas científicos, avanços de que só alguns foram recolhendo os louros e, em não poucos casos, mesmo com base em reconhecimentos bastante fabricados, os outros cientistas que acrescentaram «molecularmente» a sua parte - e cada vez é mais assim -, todos esses que foram caindo e caem no olvido mais ou menos completo, como poderiam eles andar a contar histórias ao público se não têm acesso a este? Ou não será assim? E entre eles o contingente russo não é o menor... pudera, não são com a ajuda da língua, mas também porque entretanto uma cortina de ferro fez desaparecer não só o presente mas também o passado, a contracção num Ocidente «desenvolvido» incrivelmente pequeno mas universal!
O mesmo que se disse quanto à parte dos cientistas, ou mesmo mais vincadamente ainda, se diz para os inventores considerados «vencedores», para os avanços tecnológicos. Inventores mesmo com atribuição de capacidades científicas duvidosas e, no caso de Marconi, que viria a ser um Senador no tempo de Mussolini, a «justificar» um prémio Nobel ainda na primeira década do século XX, quando a atribuição do Nobel a uma «estrela» científica de primeiríssima grandeza como Einstein teria que esperar ainda uma década.
Quando, afinal, «a história é infinitamente mais orgânica que um diagrama de parede coberto com uma dúzia de nomes e legendas de três linhas».
http://www.avante.pt/pt/1920/argumentos/110404/
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