À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.

22/02/2010

Portugal no Mundo

Rui Namorado Rosa

A orientação nacional e democrática da Revolução do 25 de Abril foi a breve trecho subvertida pela contra-revolução que, ao longo dos últimos 35 anos, tem continuadamente abalado Portugal. Sob a liderança do capital financeiro, vem sendo desde então travada uma acesa luta de classes, as classes exploradoras comandando o aparelho do estado com o apoio material e político do imperialismo, colhendo e alargando os seus privilégios contra e em detrimento das classes trabalhadoras.

A permanência na NATO (desde a sua fundação em 1949) tem sido um constrangimento permanente. Primeiro ao apoiar a sobrevivência do regime fascista em Portugal, após a derrota do nazi-fascismo na Europa. Depois ao apoiar esse regime na condução da guerra colonial e na subjugação do povo português e dos povos colonizados. E, nestas penúltima e última décadas, ao envolver Portugal no dispêndio e na mobilização de recursos escassos, para acções e conflitos bélicos e a subversão da ordem internacional, nos Balcãs, no Ásia Meridional, no Oceano Índico.

A adesão à Comunidade Europeia em 1986, e o forçado aprofundamento do projecto europeu imperialista, tem sido um outro grave e apertado constrangimento para Portugal. A actual União Europeia combina estruturas e processos decisórios intergovernamentais com outros supranacionais, escapando à compreensão e ao escrutínio dos cidadãos comuns. Desde a insinuante e sinuosa coordenação de politicas, como as que criaram o Mercado Único (do capital, do trabalho, das mercadorias e serviços, e da moeda única), subsequentemente alargadas sob o leitmotif da “economia do conhecimento” da Estratégia de Lisboa, aos espaços europeus do ensino superior e da investigação científica, que deveria ter conduzido a União Europeia aos píncaros da liderança mundial em 2010. Até à imposição sem escrúpulo do Tratado de Lisboa, que procurará impor a integração de numerosas e sensíveis políticas sectoriais internas e externas, incluindo a segurança e a defesa, e bem assim concluir a marcha forçada para a desregulamentação e privatização dos serviços públicos.

Esta anulação da soberania e a dependência externa conduzidas pelo capital sem fronteiras, têm provado ter pesada responsabilidade na involução económica do nosso país e das condições de vida da larga maioria do povo português. Sectores fundamentais da economia nacional foram alienados; desde o financeiro que passou quase inteiramente para o serviço do grande capital parasitário; ao industrial que foi privatizado e em grande parte destruído; à depreciação da produção primária dos recursos do solo, subsolo e mar. Em consequência, a dependência alimentar, energética e tecnológica agravou-se e, com ela, o desequilíbrio da balança comercial e a dívida externa.

Seria necessária uma reformulação séria e radical de políticas. Mas não obstante a correria para o desastre e a multiforme e estrondosa crise de 2008, os erros não são reconhecidos e mantêm-se objectivos, discurso e práticas, com mais do mesmo. As palavras de ordem são a liberdade de circulação e de concentração supra-nacional do capital e, com este, da utilização dos meios de produção; a produção focalizada para a exportação comandada pela divisão internacional do trabalho tal como concebida pelos cérebros do imperialismo; a liberalização absoluta do mercado, mesmo num país deficitário que importa o que produz também; a ilusão da inovação tecnológica através de saber fazer e de instrumentos quase totalmente importados; a apologia da mobilidade, mesmo quando é a migração forçada pelo desemprego em larga escala.

Fazemos um balanço muito negativo da política externa portuguesa. Política esta que, além de não ter contribuído para a afirmação autónoma do nosso país na Europa e no Mundo, em vários respeitos foi desenvolvida contra os interesses do povo português. É evidentemente esse o caso da actuação de sucessivos governos na área da política europeia, com as consequências daí decorrentes para o desenvolvimento da crise em que Portugal se encontra mergulhado.
Assim é também no que toca a políticas que têm envolvido o nosso país em algumas das mais negras páginas da história da política externa portuguesa, como a cimeira dos Açores antecedendo a agressão ao Iraque; a Presidência Portuguesa da União Europeia aquando a aprovação do Tratado de Lisboa; o reconhecimento da independência ilegal do Kosovo; o envolvimento sigiloso nas operações de sequestro, transporte ilegal e tortura de prisioneiros dos EUA; a colaboração em missões internacionais de ingerência inseridas na estratégia neo-colonial da NATO; até ao ponto de participação activa em guerras de agressão como no Afeganistão, que para além da desumanidade comportam repercussões imprevisíveis.

Pelo contrário, falham políticas de afirmação autónoma de Portugal no Mundo, as comunidades portuguesas, patentes no alheamento face às populações emigrantes e luso-descendentes; na ruinosa política de redução da rede de consulados; no desinvestimento no ensino e difusão da língua e cultura portuguesas.

Na nossa óptica a política externa portuguesa deve basear-se na defesa e promoção dos interesses legítimos de Portugal e dos portugueses, tomando a independência e a soberania nacionais como valores inalienáveis. O que significa uma política externa que rejeite imposições externas incompatíveis com a dignidade, independência e soberania do país.

Esta postura não radica em qualquer concepção de isolacionismo, pelo contrário, radica no respeito pela soberania e a igualdade dos estados e na não ingerência nos assuntos internos dos países. Esse é o caminho seguro para, num mundo de grandes interdependências, se garantir um quadro de relações externas assente na cooperação reciprocamente vantajosa, na busca de soluções pacíficas para os conflitos, e no respeito pelos valores da solidariedade. Uma concepção que se contrapõe à prática de directórios de potências económicas que, à frente ou atrás da NATO, fora ou dentro da ONU, procuram impor as suas vontades e interesses a cada país terceiro e à comunidade internacional no seu todo.

Ao analisarmos as políticas externas levadas a cabo pelo actual e outros governos recentes facilmente concluímos que as suas políticas se têm afastado ou até entrado em contradição com os princípios plasmados na Constituição da República Portuguesa. Ora estes deverão estar sempre presentes ao analisarem-se questões tão importantes como a natureza das missões das forças armadas portuguesas; o quadro das relações externas de Portugal, cada vez mais confinado à União Europeia e ao eixo transatlântico; a natureza e os objectivos do relacionamento com os países africanos, cada vez mais ameaçados pelo garrote neo-colonial; o papel da NATO e a submissão de Portugal à sua estratégia bélica; a postura de Portugal na discussão da reforma das instituições internacionais, nomeadamente a ONU, em risco de virem a ser completamente instrumentalizadas pelo imperialismo.
A política externa de que Portugal necessita terá de libertar-se das grilhetas da política de blocos imperialistas que caracteriza a actual situação internacional. Pelas potencialidades próprias, pelo património das suas relações internacionais e dos laços históricos e culturais que o seu povo mantém com inúmeros outros povos, Portugal detém condições para, com voz própria e rejeitando o espartilho em que os EUA e as grandes potências da União Europeia pretendem aprisioná-lo, e liberto da NATO, inserir-se na grande corrente que luta por um Mundo de paz e cooperação e de progresso social.

Essa será uma condição necessária para retomarmos o caminho de desenvolvimento social e económico que o povo português deseja e merece.

http://odiario.info/articulo.php?p=1491&more=1&c=1

Sem comentários:

Related Posts with Thumbnails