Depois de 16 dias, os sete integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que estavam presos desde 26 de janeiro devido à destruição de parte do laranjal da transnacional Cutrale ocorrida no ano passado receberam a liberdade mediante concessão de habeas corpus pelo Desembargador Relator Luiz Pantaleão, da 3ª Câmara Criminal do TJ/SP.
A prisão temporária (depois preventiva) dos militantes – moradores dos assentamentos Zumbi dos Palmares, no município de Iaras, e Loiva Lourdes, em Borebi, região central do estado de São Paulo – havia sido pedida porque eles supostamente ameaçariam o transcorrer do inquérito.
Fato é que, sobretudo nos últimos meses, o MST se transformou em sinônimo de quebradeira e invasão de propriedade. A luta social equiparou-se ao crime. O chefe da Operação Laranja – investigação da Polícia Federal que desencadeou as detenções – e da seccional Bauru, delegado Benedito Valencise, enxerga diferente. “Muito se fala que se tenta criminalizar um movimento social; mas [no caso Cutrale] houve a vítima”, defende, referindo-se à derrubada de três mil árvores da Cutrale e a furtos supostamente efetuados pelos militantes sem-terra, em 6 de outubro de 2009. Segundo a empresa, os trabalhadores rurais furtaram peças de tratores e fertilizantes.
“Premeditado”
Segundo o delegado, 20 pessoas foram indiciadas por esbulho (privar alguém da posse de algo), formação de quadrilha e furto. Mas todas essas acusações, segundo um dos advogados dos presos do MST, Jorge Antônio Soriano Moura, são extremamente frágeis, o que fortaleceria o caráter político das prisões. “Você tira o furto, que não houve; aqueles tratores já estavam lá depenados. Além disso, o Superior Tribunal de Justiça [STJ] tem jurisprudência que qualquer ação do MST não configura formação de quadrilha. Resta o quê? Esbulho em terra pública não se configura. O dano é um termo circunstanciado. Separa duas cestas básicas, resolveu”, explica.
Para ele, quando o delegado de Agudos e responsável pelo inquérito que criminaliza o MST, Jader Biazon, enquadrou o furto na acusação, seu objetivo foi tratar a questão política da reforma agrária como crime comum, utilizando de artifícios no mínimo suspeitos. “Por que a polícia não revistou nenhum caminhão dos militantes do movimento saindo da fazenda da Cutrale? A polícia tem total autonomia de fazer isso, por que não fez?”, questiona o advogado.
De acordo com ele, o fato de a polícia não ter recebido ordens para revistar os sem-terra no momento em que houve a reintegração de posse na fazenda grilada pela Cutrale foi premeditado “para depois acusarem que nesses caminhões foram transportadas objetos da empresa, para ter onde se pegar na classificação de crime comum”, avalia Jorge.
Por seu lado, o delegado Valencise assegura que foram furtadas peças de tratores, baterias de tratores, fertilizantes, agrotóxicos, e que os objetos, com as marcas e o número de lotes, foram encontradas no dia 26 de janeiro, com o mandado de busca e apreensão. “Isso é uma prova indiscutível de que o material foi subtraído; e se fosse só no reconhecimento da vítima, mesmo assim merecia credibilidade, porque a vítima é séria”, pontua o chefe da Operação Laranja.
Teatro
O advogado Jorge Soriano reforça que o caráter “estritamente político” das prisões pôde ser observado em vários outros pontos. “Forçaram a barra”, destaca. A prisão temporária dos sete trabalhadores, prorrogada e depois convertida em prisão preventiva, somou 16 dias. A juíza da Comarca de Lençois Paulista (SP), Ana Lúcia Graça Lima Aiello, afirmou que, soltos, os militantes “não deixariam correr normalmente a colheita de provas”.
Jorge desconstrói esse argumento. Ele lembra que os mandados de busca e apreensão foram expedidos no dia 10 de dezembro de 2009, mas cumpridos apenas no dia 26 de janeiro, quase 45 dias depois. “Nesse período, o inquérito não parou, uma prova cabal de que eles [os acusados] não atrapalharam as investigações durante esse período, e que, portanto, não deveriam estar presos”, afirma.
Depois, ele lembra que os depoimentos colhidos pela polícia foram “quase ‘control c, control v’ [referência aos comandos dos computadores para copiar e colar um texto]” do escrivão que os registrou. Desconfiado dessa situação, o advogado defende que é impossível que mais de duas pessoas consigam fazer a mesma frase final de forma idêntica.
Espetacularização
Mas, o pior, segundo ele, estava por vir. O delegado Jader Biazon, presidente do inquérito, o teria escondido e dificultado o acesso aos autos para que fosse criado um clamor público, um apoio da sociedade às prisões. Sem titubear, o advogado afirma que, além disso, uma escrivã de Agudos foi orientada pelo promotor Henrique Ribeiro Varonês e pela juíza Ana Júlia para esconder o inquérito dos advogados do MST, durante alguns dias, “ferindo o direito de defesa”, segundo ele. A reportagem do Brasil de Fato foi até a comarca de Lençois Paulista (SP), onde se localiza a Comarca da juíza, mas ela se recusou a nos receber.
Assim, depois de todas essas irregularidade, a função de “espetacularizar” a situação teria ficado a cargo do maior canal de tevê do país. “A Rede Globo soltava, a cada dia, uma parte da fita [em que Miguel Serpa, um dos detidos, organizava as pessoas na fazenda] para poder substanciar mais o pedido de prisão; porque, sob o ponto de vista jurídico, o pedido de prisão se baseia em questões muito frágeis Toda essa movimentação fez com que a juíza se sentisse muito tranquila na decisão que tomou”, afirma Jorge.
Gilmar Mauro, integrante da direção nacional do MST, resumiu, em audiência pública na Câmara dos Vereadores de Bauru (SP), ocorrida no dia 8: “Houve uma clara articulação entre a Rede Globo e a Polícia Militar daqui de estigmatizar o MST. No final, eles [setores conservadores locais, como a polícia civil, militar, justiça] é que estão sendo 'laranjas' dos grandes grupos econômicos”.
http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/nacional/o-crime-lutar-por-justica-social/view
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