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26/08/2010

Os Açores e os cabos submarinos «telegráficos» transatlânticos

Francisco Silva

Que os Açores, e em particular a cidade da Horta na ilha do Faial, constituíram durante uma boa parte dos séculos XIX e XX uma localização estratégica para a implantação das telecomunicações a nível mundial é uma realidade conhecida. Desde o estabelecimento da primeira amarração de um cabo submarino em 1893, e mesmo durante as quatro décadas precedentes de propostas e contrapropostas de ligações telegráficas via Açores, até 1969, quando foi encerrada a última empresa de cabo submarinos na Horta. Estava-se na época da construção e exploração dos cabos submarinos dedicados à telegrafia.

Um «tempo» que não foi produto do acaso, um «tempo» que foi antes a consequência de um singular cruzamento de condições geográficas, histórico - estratégicas, económicas, científico-tecnológicas.

A decisão de amarrar cabos submarinos na Horta na segunda metade do século XIX era então um acontecimento iminente uma vez os cabos submarinos inventados - com as características técnicas com que vieram à luz do dia e foram evoluindo - e atendendo à sua localização geográfica num Atlântico Norte onde se situava o Reino Unido, a potência dominante da altura, e onde a emergente potência que eram então os Estados Unidos ladeava o mesmo Atlântico Norte a Oeste.

As telecomunicações tinham tido o seu início em 1837 com a telegrafia eléctrica, menos de uma década e meia antes do começo da instalação dos primeiros cabos submarinos telegráficos - o primeiro cabo submarino comercial foi instalado em 1850 com vista ao estabelecimento da ligação telegráfica entre os dois lados do Canal da Mancha. Com o emprego da telegrafia eléctrica começou, portanto, uma nova época: a época das comunicações eléctricas à distância - para lá da linha de vista - permitindo uma velocidade de transmissão dos sinais percebida como que sendo «infinita» - ou, dito de outro modo, de um extremo ao outro da ligação a transferência dos sinais passou a ser percebida como se fosse instantânea.

Aliás, só bastante mais tarde, pela segunda metade do século XX, com a inclusão de troços de transmissão baseados na tecnologia de satélites de comunicações, é que os utentes de ligações telefónicas iriam dar-se conta da não instantaneidade entre a emissão e recepção dos sinais transmitidos, através da percepção do eco nas comunicações - e isto a acontecer devido às distâncias muito grandes percorridas pelos sinais de telecomunicações na ida e volta da/para Terra aos satélites de comunicações.

Entretanto, e pouco após a invenção da telegrafia eléctrica, e ainda antes da entrada ao serviço dos primeiros cabos submarinos para a transmissão de sinais telegráficos, assistira-se à invenção do telefone. Telefone que, até à introdução de dispositivos electrónicos nos primeiros tempos do século XX e, portanto, até à possibilidade de utilização de amplificadores para os sinais telefónicos, ficou limitado na sua utilização a ligações para distâncias relativamente curtas entre os seus utentes.

Na verdade, durante bastante tempo, e em particular pelo século XIX adiante e pelas primeiras décadas dentro do século XX, não existia outro meio de telecomunicações para as grandes distâncias para além da telegrafia eléctrica - com efeito, os sinais telefónicos, para além de, pela sua própria natureza, serem emitidos com uma potência relativamente baixa, são bastante exigentes em termos de fidelidade para serem reconhecidos - portanto são muito sensíveis aos enfraquecimentos e distorções provocados nos sinais pelos circuitos na transmissão. O que não era o caso dos sinais telegráficos que podiam ser emitidos com tensões eléctricas elevadas e serem reconhecidos no extremo da recepção, mesmo muito distorcidos e enfraquecidos durante a sua transmissão... aliás, como sinais digitais que são, aos sinais telegráficos, para serem detectados correctamente, bastava que o receptor reconhecesse um de dois estados de tensão eléctrica - a sua presença ou a sua ausência!

Portanto, numa primeira fase, a do século XIX, a exploração a fundo das possibilidades inéditas oferecidas pelas telecomunicações para a transferência de sinais praticamente instantânea entre quaisquer dois pontos onde a Humanidade estivesse implantada, nomeadamente cobrindo longas e muito longas distâncias, só podia ser efectuada por intermédio de ligações telegráficas.

E os Açores, ao encurtarem a distância Europa - EUA, eram uma alternativas para a «repetição» em terra firme dos sinais telegráficos, a outra alternativa para além das vias do Norte, nomeadamente da Irlanda à Terra Nova, terras mais à mão da Coroa Britânica... Coisas desses tempos.

http://www.avante.pt/pt/1917/argumentos/110180/

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