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03/07/2011

FMI, gás natural e transportes

VGN , nº 4

Os problemas reais da economia portuguesa não poderão ser resolvidos pelo FMI/BCE/UE. É o caso do problema da energia e transportes, um dos mais importantes de todos. Portugal importa a totalidade do petróleo bruto que consome (12,6 milhões de toneladas/ano) e 53% do mesmo é destinado ao seu sector dos transportes, o qual depende em 99,1% dos refinados de petróleo.

Trata-se de um problema real e sério. As importações de petróleo bruto custaram 6,7 mil milhões de euros em 2010, ou seja, quase 12% do custo de todas as importações do país e 33,5% do défice comercial português. O peso do petróleo na balança de mercadorias é enorme e, historicamente, este problema é crónico.


E o que dizem o FMI/BCE/UE quanto a isto? O memorando da troika, subscrito pelo governo português e alguns partidos políticos
[1] , estabelece os seguintes objectivos para os mercados de energia:
"Concluir a liberalização dos mercados da electricidade e do gás; assegurar que a redução da dependência energética e a promoção das energias renováveis seja feita de modo a limitar os sobrecustos associados à produção de electricidade nos regimes ordinário e especial (co- geração e renováveis); garantir a consistência da política energética global, revendo os instrumentos existentes. Prosseguir com a promoção da concorrência nos mercados da energia e incrementar a integração no mercado ibérico da electricidade e do gás (MIBEL e MIBGAS)".
Os autores do memorando quando se referem à "redução da dependência energética" estão a pensar sobretudo nos subsídios que têm sido dados às energias renováveis, muito deles ruinosos (é o caso do sobredimensionamento da potência eólica, bem demonstrada pelo Engº Luís Mira Amaral [2] ). Trata-se de uma análise em termos de unidades físicas, não em termos dos custos da energia importada. No entanto, o mix energético do país tem um papel relevante na eficácia da economia portuguesa e da sua balança comercial. Ou seja, substituição de umas energias importadas por outras igualmente importadas deveria ter um papel relevante no saneamento dos nossos problemas crónicos. É o caso da substituição dos refinados de petróleo por gás natural no sector dos transportes.

Verifica-se que entre 2002 e 2010 os preços em euros do petróleo importado por Portugal aumentaram 153%
[3] . Em contrapartida, no mesmo período os preços do gás natural importado aumentaram apenas 72% [3] — menos da metade do que os do petróleo. Esta é uma tendência pesada e, quando se sabe do Pico Petrolífero, absolutamente inelutável. Assim, verifica-se a importância crucial de alterar o mix energético do país reduzindo o consumo de petróleo e aumentando correspondentemente o de gás natural. Para isso é indispensável estender decisivamente o gás natural ao sector dos transportes. A generalização dos veículos a gás natural deveria portanto ser um verdadeiro desígnio nacional.

O caminho para atingir este objectivo não tem qualquer segredo: É o mesmo que já foi adoptado pela maioria dos países europeus e do mundo todo, ou seja, instalar postos de abastecimento de gás natural comprimido (GNC) e liquefeito (GNL). Tem de haver oferta para atender a procura potencial. Mas Portugal permanece estagnado neste domínio, com apenas cinco postos desde há muitos anos. No entanto, a Espanha já dispõe de 43 postos e países com dimensão territorial semelhante à nossa ultrapassaram-nos de longe: 221 postos na Áustria, 123 na Suíça e 67 na Holanda. Mesmo os "campeões" continuam a aumentar o número dos seus postos GNC:   a Alemanha já tem 900, a Itália 831, a Ucrânia 283, a Arménia 303, a Suécia 169, etc. Até a Turquia já ultrapassou Portugal: neste momento dispõe de 14 postos GNC.


Independentemente das oscilações de conjuntura, com a Curva de Hubbert a tendência dos preços do petróleo e dos seus refinados é para o aumento inexorável. As perturbações verificadas em 2010 em relação aos preços do gasóleo dão uma antevisão do que pode nos esperar no futuro se nada for feito agora. Então, o que esperamos para promover a boa alternativa do gás natural? É preciso romper a inércia!


Da parte do governo que sai das eleições de 5 de Junho é preciso que tome as medidas adequadas para promover os VGNs e a instalação de postos GNC e também de GNL. Da parte das municipalidades, que rompam com o imobilismo que as tem caracterizado até agora. Da parte dos actores económicos — empresas detentoras de frotas, associações empresariais, etc — é preciso que tenham iniciativas e percam a timidez. A liberalização dos mercados do gás natural dá todas as possibilidades aos empresários para se estabelecerem como fornecedores de GNC. A APVGN está pronta a colaborar e assessorar todos os actores que decidam encarar o mundo tal como ele será: com cada vez menos petróleo. A rota do futuro passa pelos VGNs.
[1] Tradução do "Memorando de entendimento sobre as condicionalidades de política económica", in www.min-financas.pt/download.asp?num_links=0&link=inf_economica/MoU_PT.pdf
[2] in Energia e Futuro, nº 2, Abril-Julho/2011, artigo "Eólicas, petróleo e sobrecustos"
[3] Fonte: DGGE, "A factura energética portuguesa", nºs 18 e 26.



Adenda: Fala-se actualmente em alterações nas listas de bens e serviços sujeitos a IVA. Seria desastroso se eventualmente o próximo governo retirasse o gás natural da Lista I (Bens e serviços sujeitos a taxa reduzida), passando-o para a Lista II (Taxa intermédia) ou, pior ainda, para a taxa normal de 23%. Se tal alteração fosse aprovada significaria uma machadada não só para os VGNs como para toda a indústria portuguesa e as famílias. Significaria também dar a mensagem errada de não substituir o petróleo no consumo energético do país. Deve-se notar que a decisão de mudar produtos nas listas do IVA é da competência do governo e não do FMI/BCE/UE. Estes estabelecem metas globais, mas não chegam ao pormenor de dizer quais produtos devem ser postos ou retirados das listas anexas ao Código do IVA.

http://resistir.info/energia/editorial_vgn_4.html

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