À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.

07/04/2011

Agiotagem

Anabela Fino

Numa altura em que boa parte dos portugueses está quase a bater ou já bateu no fundo em termos económicos, em consequência dos cortes salariais, do desemprego, do aumento do custo de vida, da perda de prestações sociais, do aumento dos medicamentos e cuidados de saúde, etc., etc., os representantes do capital daqui e de lá fazem fila para ver se conseguem rapar ainda mais o fundo ao tacho. Nos média sucedem-se entrevistas, comentários, reportagens sobre a dívida do País, os juros da dívida, as agências de rating, tendo como pano de fundo, qual tragédia grega, o coro afinado dos que pregam a inevitabilidade de recorrer a «ajuda» externa para evitar a bancarrota. Tudo isto com o objectivo de nos convencer que não há alternativa a chamar o FMI, que apesar de ser Fundo não quer saber dos nossos apertos, embora saiba muito bem onde deve abocanhar para fazer jus ao resto do nome: Monetário e Internacional.
O que ninguém explica, e não é por acaso nem por ignorância, é o motivo pelo qual o Banco Central Europeu (BCE) continua a financiar a banca à simpática taxa de juro de 1% – sem condições quanto às aplicações desse dinheiro, diga-se de passagem –, quando se sabe que depois esses mesmos bancos, com o nome de «mercados» tão vulgarizado nos últimos tempos, cobram elevadas taxas de juro aos estados, empresas e famílias, obtendo assim chorudos lucros.
Fala-se da «inevitabilidade» de chamar o FMI – o tal Fundo das políticas que trituram trabalhadores e povos em nome da economia e dos interesses do capital, como sabemos da nossa própria experiência passada e os actuais exemplos da Grécia e da Irlanda bem atestam – mas não se diz uma palavra da necessidade imperiosa de pôr termo à política do BCE, ditada pelas potências europeias, de não poder comprar dívida dos estados mas poder comprá-la livremente aos bancos após estes terem saciado a agiotagem.
Um estudo recente do economista Eugénio Rosa, citando dados do Banco de Portugal, mostra de forma lapidar o resultado de tal política: entre 2008 e 2010, a banca a operar em Portugal obteve do BCE a módica quantia de 82 614 milhões de euros (14 407 em 2008; 19 419 em 2009; e 48 788 em 2010), pela qual pagou uma taxa anual de 1%, ou seja, no total, 826 milhões de euros. Segundo a mesma fonte, no mesmo período, cobrando juros entre 5,05% e 6,87% pelos empréstimos concedidos com o dinheiro obtido do BCE, a banca embolsou 4683 milhões de euros, o que se traduz num resultado líquido de 3828 milhões de euros. Como se isso fora pouco – e ainda de acordo com o Banco de Portugal – a banca, só nos últimos dois anos, beneficiou de tal modo do generoso sistema fiscal português que «poupou» 491 milhões de euros. É fartar vilanagem.
Já agora, também vale a pena dizer que as famosas agências de rating – as tais que depois dos bancos nos esmifrarem estão à beira de nos classificar como «lixo» – não são desinteressadas instituições, antes são parte interessada, e muito, em todo este mecanismo: são pagas pelos bancos! E foi a esta gente, a esta política, que PS, PSD e CDS-PP entregaram o País. É a esta gente, a esta política, que querem pedir mais «ajuda». Seria como pôr o pescoço a jeito no cepo para nos degolarem mais depressa. Lixo... mas não tanto.

http://www.avante.pt/pt/1949/opiniao/113679/

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