À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.

25/03/2010

O «estímulo»

Henrique Custódio

Respaldado no PEC (Plano de Estabilidade e Crescimento) – que a mata-cavalos procura ver caucionado na Assembleia da República –, o Governo de José Sócrates expendeu uma teoria poderosa, a propósito dos cortes generalizados que pretende aplicar aos subsídios de desemprego.
Explicou o Executivo, por interposta ministra e adjacências, que os tais cortes nos subsídios de desemprego procuram «estimular o regresso ao trabalho e à vida activa», o que deixou a suspeita de que, para o Governo, os mais de 700 mil desempregados não passam de uma corja relapsa e contumaz, a zurzir à míngua de subsídios para regressar à vida activa.
A ministra do Trabalho e ex-sindicalista da UGT, Helena André, levou o mimoso raciocínio ao extremo de o escorar numa fundamentação: a de que existem 18 mil ofertas de trabalho nos Centros de Emprego que continuam por preencher, por ninguém os aceitar, gravidade que a governanta considera intolerável no actual quadro de «retracção mundial».
Daí exortar os trabalhadores desempregados a «adaptarem-se» às novas «exigências da crise» e deixando insinuado, de caminho, que essa recusa das 18 mil ofertas de trabalho se deve aos «generosos» subsídios de desemprego actuais, o que – eureka! - justificará os pretendidos cortes e há-de encaminhar para o redil da laboração o rebanho de madraços que por aí retoiça à sombra do subsídio.
Apesar do seu currículo sindical, a ministra parece ignorar que os subsídios de desemprego, à semelhança de todas as prestações da Segurança Social, não são esmolas nem benesses dadas pelo Governo aos trabalhadores, mas retribuições devidas a todos eles, que para isso descontaram nos próprios salários.
Esquece, igualmente, que a «generosidade» dos subsídios de desemprego em Portugal está alinhada com os salários médios, que são «apenas» três, quatro e cinco vezes menores que os da União Europeia. Para ex-sindicalista, a governanta mostra-se pouco familiarizada com os problemas laborais.
O que a ministra não disse – mas disse-o o sindicalismo a sério, o da CGTP-IN - foi que «três quartos das ofertas existentes nos Centros de Emprego (75%) correspondem a trabalhos precários e em regime temporário», onde se incluem as tais «18 mil ofertas de trabalho», na sua maioria esmagadora publicadas por agências de trabalho temporário.
Além disso, tais ofertas não têm um mínimo de qualidade e há três razões poderosas para os trabalhadores as recusarem: são mal pagas (rondam o salário mínimo de 475 euros, nem sequer atingindo o valor médio do subsídio de desemprego, de 520 euros), são empregos precários (maioritariamente trabalhos temporários ou a termo certo, pelo que aceitá-los e perdê-los de seguida é ficar no desemprego e sem subsídio) e acarretam o «preço da reincidência», ou seja, ao aceitar-se um emprego de valor inferior ao anterior, isso terá consequências na situação de desemprego seguinte, que passa a ser subsidiada com uma percentagem menor, calculada sobre o último salário.
Em resumo, a pretexto do PEC o Governo de José Sócrates pretende arrecadar mais uns milhões de euros sangrados dos trabalhadores sem emprego (enquanto distribui milhões em prémios a gestores indiciados e não toca nas mais valias da especulação) e quer empurrar os desempregados para a desregulamentação total, aceitando trabalhar onde, quando e a quanto o patrão quiser.
E ainda comete a obscena desfaçatez de apresentar esta monstruosidade como «um estímulo ao emprego»...

http://www.avante.pt/noticia.asp?id=32975&area=29

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