À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.

25/10/2009

"Somos vítimas de um assédio permanente"

JOSÉ MIGUEL SARDO

Chamada de emergência na France Telecom depois de 25 suicídios em quase dois anos. Uma empresa com o moral em queda, onde os objectivos e métodos da direcção estão longe de motivar os trabalhadores, entregues à depressão, ao stress e à resignação.

À porta do edifício da direcção regional da France Telecom, em Lyon, o ambiente da manifestação convocada pelos sindicatos, na passada terça-feira, tinha a gravidade de um cortejo fúnebre. No mesmo dia do funeral, na Bretanha, do 25.º funcionário da companhia a suicidar-se em 18 meses, os 102 mil funcionários recebiam um questionário da direcção sobre o stress no trabalho em jeito de carta de condolências.

Semanas antes, mais de 600 pessoas tinham-se concentrado, no mesmo local, depois do suicídio de um funcionário que trabalhava na região, onde as primeiras mortes em condições similares remontam há pelo menos 14 anos. Frank Scherrer, delegado do sindicato SUD lembra que, "os primeiros suicídios datam de 1995. No total serão mais de 80, mas só no ano passado é que a empresa criou um observatório do stress que, pela primeira vez, permitiu estabelecer uma relação entre os suicídios e as condições de trabalho".

Horas antes da manifestação, a tensão era palpável durante a reunião mensal entre os delegados sindicais e a direcção em Lyon. "Uma pessoa desfez-se em lágrimas e outras duas abandonaram a reunião aos gritos. O ambiente no escritório é cada vez mais tenso. Só na nossa região a média dos dias de baixa por trabalhador ronda os 25 por ano, sem acompanhamento médico".

Entre as dezenas de trabalhadores concentrados à porta do edifício, um sindicalista, ao megafone, aconselha os manifestantes a preencherem os questionários da direcção e a não desmoralizarem.

Lucien, de 48 anos, esboça um sorriso irónico. O departamento em que o técnico de telecomunicações trabalhava, desde há dez anos, foi suprimido repentinamente no final do mês passado. E, desde então, encontra-se de baixa. "Tive medo de chegar a um ponto em que não pudesse responder pelos meus actos", afirma Lucien. "A direcção propôs-nos que escrevêssemos um currículo para enviar a todos os departamentos, mesmo sabendo que não há vagas e que a maioria dos meus colegas, com mais de 50 anos, não corresponde ao perfil exigido, não falam inglês, nem têm os conhecimentos exigidos". Do grupo, Lucien é o único a deslocar-se à manifestação. "A maioria está de baixa. Fala-se muito dos suicídios, mas há muitos mais casos de depressão, alcoolismo e de famílias totalmente destruídas."

Jean-François, um técnico de 55 anos, afirma que "a desmotivação é generalizada". "Vivemos sob um assédio permanente". Vestido com o uniforme da Orange, a companhia de Internet da France Telecom, Jean admite que, para alguém do que conheceu dos tempos da empresa pública, "o ritmo de trabalho é hoje insuportável".

"Depois dos 22 mil despedimentos do plano de restruturação, somos obrigados a acumular tarefas: das linhas telefónicas ao "adsl" e mesmo a venda de novos serviços. Fixam-nos objectivos semanais impossíveis de cumprir. Há três pessoas que nos controlam a cada minuto através dos telemóveis".

Patrick, um comercial de 24 anos, há apenas três anos na empresa, partilha o mesmo sentimento. "Estamos em formações permanentes. Um dia o "adsl", no dia seguinte a fibra óptica. Mas, depois, pedem-nos que continuemos a cumprir os objectivos semanais. Por exemplo, vender três i-phones e cinco acessórios de telemóvel em cada semana. E mesmo se o conseguimos fazer perguntam-nos porque é que não nos esforçámos por vender mais."

Ao final da manifestação, os funcionários regressam, cabisbaixos, ao trabalho, "sem motivação", afirma Jean-François. "Ou aceitamos ser robôs, ou convidam-nos a partir".

J.N. - 25.10.09

Sem comentários:

Related Posts with Thumbnails