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22/09/2011

Transportes: Da liberalização apregoada à concentração monopolista em curso

Manuel Gouveia

Nos Transportes está em curso, no plano nacional e no europeu, um processo apresentado como de liberalização, mas que nos seus efeitos e objectivos reais promove a concentração monopolista. Um processo que, em nome da concorrência destrói o monopólio público para construir o monopólio privado, e simultaneamente, destrói a propriedade pública para eliminar a propriedade nacional.

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Este processo é comandado por uma União Europeia subordinada às grandes multinacionais e aos interesses imperialistas da Alemanha e da França, e representa mais uma profunda machada na nossa soberania nacional. O programa imposto pela troika estrangeira e que a troika portuguesa quer implementar representaria mais um passo de gigante neste processo de desastrosas consequências para Portugal.
Analisemos o que aconteceu com a privatização das rodoviárias de passageiros, que foram o primeiro subsector a ser liberalizado em Portugal. No Sector Público ficaram apenas a Carris e os STCP e uns poucos serviços municipalizados. A situação real, descrita na caixa anexa, é que por detrás de uma multidão de siglas existe uma intensa concentração em três grupos: a Transdev (multinacional francesa); a Arriva (inglesa já comprada pela multinacional alemã DB); e a Barraqueiro. A presença de capital da Arriva na Barraqueiro (31,5%) indicia que se caminha já para a simples existência de dois grupos, um ligado ao capital francês e outro ligado ao capital alemão.
Estes grupos começaram agora a passar das Rodoviárias de Passageiros para o Sector Ferroviário Urbano: Metro Sul do Tejo (Barraqueiro); Metro do Porto (foi Transdev, agora é Barraqueiro); Fertágus (Barraqueiro com a Transdev a lutar pela concessão).
Com o grosso dos investimentos a ser sempre suportados pelo Estado, desde as infraestruturas à frota renovada por razões ambientais, com enormes perdas para os utentes e para o País, a destruição da Rodoviária Nacional traduziu-se na concentração monopolista descrita. Um processo que é mais vasto e do qual deixamos algumas outras pistas: a criação da Takargo pela Mota-Engil; a criação do Acordo Complementar de Empresas entre a EMEF e a Siemens; as declarações públicas da Mota-Engil de pretender concorrer à manutenção ferroviária urbana; o capital da MTS, que gere o Metro Sul do Tejo, composto pela Barraqueiro, Siemens, Mota-Engil e Teixeira Duarte; a crescente ligação da Manutenção do Metro de Lisboa à Siemens.

Concentração monopolista à escala europeia e mundial

No plano europeu, a concentração estende-se a todo o sector. Assume uma tal dimensão que hoje os dois maiores grupos mundiais de transportes e logística são alemães (a DB de origem ferroviária, 330 mil trabalhadores, e a DP/DHL com origem nos serviços postais, 500 mil trabalhadores), quando há 10 anos esse domínio era norte-americano. A recente fusão da Veolia com a Transdev, criando um grupo com 119 mil trabalhadores, é a expressão francesa deste processo.
Também no sector Aéreo se afirmaram três grupos, sendo igualmente o papel dominante da Alemanha e depois da França. São estes grupos a Lufthansa (112 mil trabalhadores, e resultados operacionais de 36 067 milhões de dólares, o maior do mundo); a Air France/KLM (105 mil trabalhadores, e resultados operacionais de 31 276 milhões de dólares, o quarto maior do mundo), e ainda a recente AIG (British/Ibéria, com «apenas» 19 533 milhões de dólares de resultados operacionais). Para termos uma ideia de escala, as restantes sete companhias aéreas do top 10 europeu (Turkish Airlines, Air Berlin, Ryanair, EasyJet, Aeroflot, Alitalia) assumem um valor total de 34 431 milhões de dólares de resultados operacionais, um valor já inferior ao da Lufthansa.
Este processo de concentração ainda não terminou e conta com as dinâmicas próprias do capitalismo, mas foi e continua a ser severamente impulsionado pela União Europeia, primeiro proibindo o apoio dos estados às suas companhias aéreas, depois eliminando progressivamente todos os mecanismos que protegiam no plano concorrencial as companhias nacionais (de que a liberalização das rotas é o exemplo mais recente), e agora impondo directamente a liquidação das restantes.
Na produção de aviões de passageiros, outra vertente estratégica e que não pode ser desligada do acima dito, repete-se o quadro de concentração, com a Airbus a assumir um carácter dominante na Europa em competição mundial com a Boeing (EUA) e com um capital social «equitativamente» distribuído: França (Aerospatiale) e Alemanha (Deustche Airbus) com 37,9% cada, Inglaterra (British Aerospace) com 20% e Espanha (CASA) com 4,2%
No quadro da concorrência inter-imperialista, principalmente a Alemanha, mas também a França, salvaguardaram e reforçaram as suas posições, em primeiro lugar à custa da concentração monopolista na Europa, da canibalização das empresas e mercados dos estados-membros da União Europeia. Num quadro em que as grandes empresas de transportes alemãs e francesas são públicas ou fortemente controladas pelos estados, assumindo um papel dominante num sector estratégico ao serviço do grande capital dos respectivos países. As políticas europeias, e os «governadores-gerais» rotativamente instalados nos governos dos estados-membros, têm-se limitado ao papel de preparar este processo.

O plano das troikas ao serviço desta concentração monopolista

Ao longo deste processo, os objectivos do grande capital europeu têm sido lineares: o desenvolvimento e controlo de sectores estratégico para as economias centrais (por exemplo, o transporte ferroviário de mercadorias e o transporte e controlo aéreo); a colonização dos mercados de serviços associados ao transporte; a monopolização da concepção e produção de equipamentos de alto valor acrescentado; a intensificação da exploração da força de trabalho no sector à escala europeia.
O pacote de ofertas mancomunado entre as troikas em tudo converge com esta estratégia: privatização da TAP com a sua assimilação; privatização da ANA removendo o último obstáculo ao domínio estrangeiro no sector; privatização da CP Carga, para ser assimilada pela multinacional alemã que já detém mais de 60% do sector na Europa; entrega às multinacionais da gestão dos sectores de serviços potencialmente geradores de rendas (Metro, Carris, CP Lisboa, CP Porto); privatização da EMEF, o que completa o ciclo de apropriação pelas multinacionais da construção e manutenção ferroviária nacional.
É mais um passo num processo de colonização, onde o grande capital europeu impõe uma política ao serviço dos seus interesses imperialistas, contando com um Estado português (porque dominado pela grande burguesia nacional) sem qualquer projecto nacional e muito menos patriótico.

Consequências para Portugal

Este processo já está a ter pesadas consequências para Portugal, que se agravariam brutalmente se o «pacto» de agressão fosse aplicado. Por exemplo, no que respeita ao défice externo, reduzir-se-iam as exportações (só o sector aéreo é hoje directamente responsável por dois mil milhões de euros de vendas ao/no estrangeiro), aumentariam as exportações de lucros e mais-valias (já hoje uma realidade pesada fruto das anteriores privatizações) e tornar-se-ia absoluta a dependência externa da importações de equipamento. E no que respeita ao desenvolvimento da economia nacional, não é difícil perceber as consequências de um sector do turismo dependente da oferta monopolista das multinacionais e sofrendo a sua permanente chantagem, do agravamento da desertificação do interior, de uma rede ferroviária gerida para servir a economia alemã e não para reduzir os custos de produção e circulação em Portugal e a factura energética do País. Mesmo para o défice das contas públicas e para o futuro da Segurança Social, as consequências seriam dramáticas; lembramos que só a TAP mete mais de 100 milhões de euros por ano na Segurança Social e 60 milhões de IRS, sem esquecer o impacto de continuar a pagar os juros da dívida criada às empresas públicas nos últimos 20 anos mas com os resultados financeiros da exploração dos investimentos a ser embolsados pelas multinacionais.

E alternativa, existe?

Face ao processo em curso, dirigido pelo imperialismo europeu, suportado na UE, no BCE e no FMI, com dirigentes nacionais invertebrados ajoelhados ao poder dos monopólios e uma situação económica e financeira desastrosa fruto de 35 anos de contra-revolução, alguns poderão ter a tendência de se assustar, de não ver a alternativa. Mas ela existe.
Continuar a resistir a este processo é a alternativa imediata. Porque o programa das troikas não resolve nenhum problema nacional, antes os agrava a todos. Porque a grave situação nacional é também consequência deste processo de integração europeia capitalista, situação que partilhamos com muitos outros povos, cuja luta nacional converge para a libertação de todos. Porque é possível impedir a concretização destes planos: já no passado os trabalhadores derrotaram planos de privatização então apresentados como inevitáveis; lembremo-nos da frase «A TAP acaba se não for vendida à Swissair!» dita há tantos anos que ainda existia a Swissair!
Na luta, com os trabalhadores e o povo, salvaremos da predação imperialista tudo o que for possível – empresas, saberes, direitos, equipamentos, soberania, pedaços do nosso presente e alavancas do nosso futuro. Mas principalmente, na luta, na crescente mobilização e organização de todas as camadas objectivamente antimonopolistas, faremos cumprir as palavras de Ary, fazendo regressar ao povo, «à barriga da mãe», o poder que a grande burguesia reconquistou, reiniciando o caminho de desenvolvimento soberano e independente do nosso País, em cooperação com todos os povos do mundo, libertos do poder dos monopólios.

Concentração no Sector Rodoviário
Barraqueiro – Já com 4900 trabalhadores, e integrando empresas como a Rodoviária de Lisboa; Rodoviária do Tejo; Barraqueiro Transportes; Frota Azul; EVA Transportes; Rodoviária do Alentejo, e Rede de Expressos;

Trandev – Operando um total de 1500 autocarros em Portugal, integra empresas como: a Alpendurada; António Cruz e João Dias Neves Lda; Asdouro – Transportes Rodoviários do Douro; Auto Mondinense SA; Auto Viaca Aveirense S.A.; Auto Viaca Almeida e Filhos S.A.; Caima S.A; Calçada Lda; Charline Lda; Minhos Bus Lda; Empresa Automobolistica de Viação e Turismo; Empresa de Viação Beira Douro Lda.; Empresa de Transportes António Cunha S.A.; Holding Joalto Transdev SGPS; Intercentro – Transportes Internacionais Rodoviários do Centro Lda; Intergaliza – Participações e Transportes Lda.; Internorte Transportes Internacionais Rodoviários do Norte Lda.; Intersul – Transportes Internacionais Rodoviários do Sul Lda.; Joalgest; Joalto Partcipações SGPS; Joalto Rodoviária das Beiras S.A.; Joaquim Guedes, Filho e Genros Lda.; José Rodrigues Fontes e Lourenço Silva Granja Lda.; Rodoviária d'entre Douro e Minho S.A.; S2M S.A.; Soares Oliveira S.A.; Sociedade de Transportes do Caramulo Lda.; Transcovilhã – Empresa de Transportes Urbanos da Covilhã Lda.; Transcovizela, Transportes Públicos S.A.; Transdev Mobilidade S.A. Portugal; Transdev Participações S.G.P.S; Transdev Portugal; Transportes Lda; Transportes Rodoviários Portugueses do Norte Lda; Unidade Mecânica Joalto Lda; Viúva Carneiro e Filhos Lda.

ArrivaOperando 1550 autocarros com 3100 trabalhadores, incluiu essencialmente a TST (Setúbal) e a Arriva (Norte).


http://www.avante.pt/pt/1973/temas/116275/ 

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