Raquel Martins
José Sócrates iniciou a segunda legislatura com a promessa de um pacto para promover a manutenção e a criação de emprego, mas depressa se percebeu que o fim da crise ainda vinha longe e que o pior estava para vir. A segunda legislatura do Governo socialista ficou marcada por recordes atrás de recordes ao nível das taxas do desemprego.
No final de 2009, mais de 563 mil pessoas estavam sem trabalho. Mas este número-recorde, que elevou para os 10,1 por cento a taxa de desemprego, depressa foi ultrapassado. Volvido um ano, no final do quarto trimestre de 2010, havia 619 mil desempregados - mais 56 mil do que em 2009 e ultrapassando em mais 200 mil os trabalhadores afectados pelo desemprego em 2005, quando Sócrates iniciou a sua primeira legislatura. Estes números são do Instituto Nacional de Estatística e pecam por defeito, dado que não contam com os que desistiram de procurar emprego ou com os que trabalham menos do que desejariam.
A taxa de 10,1 por cento, que já parecia uma exorbitância, passou para os 11,1 por cento, deixando o Governo a braços com um problema que afecta sobretudo os jovens, as mulheres e os trabalhadores com baixas qualificações. O desemprego de longa duração foi ganhando terreno nas estatísticas, passando a representar mais de metade dos desempregados (no último trimestre de 2010 eram 54,4 por cento do total) e revelando problemas profundos na estrutura do emprego e uma grande desadequação entre os que procuram trabalho e as necessidades das empresas.
E nem mesmo o crescimento económico alcançado em 2010 conseguiu travar o flagelo. A produção de riqueza cresceu 1,4 por cento, sem que isso se traduzisse em mais empregos. Com tanta incerteza no horizonte - que agora se confirma com o pedido de ajuda externa e com o cenário de uma nova recessão - o tecido empresarial optou por não renovar contratos a prazo e por se conter na hora de contratar novos trabalhadores. A população empregada recuou: no espaço de um ano perderam-se 74,7 mil postos de trabalho.
Quanto ao futuro, o economista José Reis não tem dúvidas: "A manutenção de elevadas taxas de desemprego será uma realidade longuíssima" e o reforço das medidas de austeridade levará a que o "emprego sólido" deixe de existir, correndo-se o risco de, ao invés, se aumentar "o mercado negro do trabalho" e a "economia subterrânea".
Menos apoios
Ao mesmo tempo que o mercado de trabalho dava mostras de colapso, a legislatura ficou também marcada por uma forte contenção nos gastos sociais e na protecção no desemprego, justificada com a necessidade de iniciar a consolidação orçamental. Desde o início de 2010, o Governo foi retirando os apoios criados durante o pico da crise para ajudar as empresas a manter os postos de trabalho e para apoiar o crescente número de desempregados.
O prazo de garantia para se ter acesso ao subsídio de desemprego voltou aos 18 meses – durante a crise bastava descontar um ano. De Agosto do ano passado em diante, os novos desempregados passaram a ter de contar com um novo limite ao valor do subsídio, que não pode ser superior a 75 por cento do salário ilíquido que recebiam quando estavam no activo. Além disso, todos os desempregados passaram a ter que aceitar emprego por um salário mais baixo do que até então, sob pena de perderem o direito à prestação.
Estas novas regras levaram a que no último ano perto de 70 mil desempregados tenham perdido o direito ao subsídio – e não se contam aqui os desempregados que estavam a receber subsídio social de desemprego e que o perderam por causa da nova condição de recursos, que alargou o leque de rendimentos considerados na hora de atribuir este subsídio aos desempregados mais pobres.
Os apoios ao emprego também sofreram alterações, restringindo-se alguns dos subsídios dados às empresas.
Flexibilizar é preciso?
E, no futuro, esperam-se mais medidas de contenção. O acordo para a competitividade e emprego, firmado em vésperas da demissão do Governo e que acabou por ser posto em prática, já apontava para várias pistas. Embora as medidas não tenham sido colocadas no terreno, a ideia era que os apoios à contratação passassem a diminuir ao longo do tempo e o Governo comprometia-se a rever o regime de protecção no desemprego no sentido de fomentar a procura activa de emprego, o que, na prática, poderia significar a redução do subsídio atribuído aos desempregados.
As elevadas taxas de desemprego e a crise do mercado de trabalho foram terreno fértil para o desenvolvimento das pretensões daqueles que defendem uma maior flexibilização das leis do trabalho, com base no argumento de que mais vale um emprego do que o desemprego. As pressões foram chegando da Comissão Europeia (CE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI), que pareciam indiferentes às mudanças no Código do Trabalho feitas em 2008. O Governo foi reagindo de forma contraditória - ora com o ministro das Finanças a alertar para a necessidade de rever a lei, ora com os ministros do Trabalho e da Economia a dizerem que a reforma estava feita. Os patrões, que no início se mostravam mais preocupados com a redução dos custos de contexto das empresas, acabaram por também cavalgar a onda. No final, o Governo deixou-se convencer e acabou por propor uma redução dos custos com os despedimentos.
Pelo caminho, PSD e CDS também tentaram fazer passar no Parlamento propostas para uma maior flexibilização da contratação a prazo, mas sem sucesso. E apesar de o PS ter sempre recusado tais propostas, acabou por propor no pacto para a competitividade e o emprego uma avaliação do regime da contratação a prazo, com vista a aumentar o número de renovações durante o prazo máximo de três anos.
Nenhuma destas medidas foi para o terreno, nem se provou a sua eficácia na melhoria do mercado de emprego, mas certamente que farão parte do plano de resgate que está a ser negociado com o FMI e a CE.
Os casos emblemáticos
Salário mínimo
Foi uma das principais conquistas da primeira legislatura de José Sócrates: conseguir um acordo com todos os parceiros sociais para a evolução do salário mínimo (SMN). A ideia era que o SMN atingisse os 450 euros e assumia como objectivo de médio prazo o valor de 500 euros em 2011.Chegados a 2011 e com a crise como pano de fundo, o Governo acabou por não conseguir segurar o acordo e decidiu que o salário mínimo subisse dos 475 euros para os 485 euros em Janeiro de 2011, comprometendo-se a rever o valor em Junho e em Outubro, com o objectivo de chegar aos 500 euros no final do ano. Porém, nesta altura ganha força a ideia expressa pelo FMI de que as empresas podem não ter condições para pagar os 500 euros este ano.
Precariedade
É um problema que se tem agravado nas últimas décadas e que afecta todas as faixas etárias, mas com particular expressão os jovens entre os 25 e os 34 anos. A entrada no mundo do trabalho faz-se sobretudo por via dos contratos a termo ou dos "recibos verdes". Na última década, o peso dos contratos sem termo no total dos trabalhadores por conta de outrem passou de 82,4 por cento para 77,5 por cento, enquanto a representatividade dos contratos a termo passou de 12,3 para 18,8 por cento e os "recibos verdes" de 1,4 para 2 por cento. Esta situação levou a que no passado dia 12 de Março se fizesse uma das maiores manifestações em todo o país, organizada através das redes sociais, sem a intervenção dos partidos políticos ou sindicatos. Aliado a este problema, a taxa de desemprego entre os jovens supera largamente a taxa média. No último trimestre de 2010, o desemprego afectava 23 por cento dos jovens entre os 15 e os 24 anos e 13,6 por cento dos trabalhadores entre os 25 e os 34 anos.
A taxa de 10,1 por cento, que já parecia uma exorbitância, passou para os 11,1 por cento, deixando o Governo a braços com um problema que afecta sobretudo os jovens, as mulheres e os trabalhadores com baixas qualificações. O desemprego de longa duração foi ganhando terreno nas estatísticas, passando a representar mais de metade dos desempregados (no último trimestre de 2010 eram 54,4 por cento do total) e revelando problemas profundos na estrutura do emprego e uma grande desadequação entre os que procuram trabalho e as necessidades das empresas.
E nem mesmo o crescimento económico alcançado em 2010 conseguiu travar o flagelo. A produção de riqueza cresceu 1,4 por cento, sem que isso se traduzisse em mais empregos. Com tanta incerteza no horizonte - que agora se confirma com o pedido de ajuda externa e com o cenário de uma nova recessão - o tecido empresarial optou por não renovar contratos a prazo e por se conter na hora de contratar novos trabalhadores. A população empregada recuou: no espaço de um ano perderam-se 74,7 mil postos de trabalho.
Quanto ao futuro, o economista José Reis não tem dúvidas: "A manutenção de elevadas taxas de desemprego será uma realidade longuíssima" e o reforço das medidas de austeridade levará a que o "emprego sólido" deixe de existir, correndo-se o risco de, ao invés, se aumentar "o mercado negro do trabalho" e a "economia subterrânea".
Menos apoios
Ao mesmo tempo que o mercado de trabalho dava mostras de colapso, a legislatura ficou também marcada por uma forte contenção nos gastos sociais e na protecção no desemprego, justificada com a necessidade de iniciar a consolidação orçamental. Desde o início de 2010, o Governo foi retirando os apoios criados durante o pico da crise para ajudar as empresas a manter os postos de trabalho e para apoiar o crescente número de desempregados.
O prazo de garantia para se ter acesso ao subsídio de desemprego voltou aos 18 meses – durante a crise bastava descontar um ano. De Agosto do ano passado em diante, os novos desempregados passaram a ter de contar com um novo limite ao valor do subsídio, que não pode ser superior a 75 por cento do salário ilíquido que recebiam quando estavam no activo. Além disso, todos os desempregados passaram a ter que aceitar emprego por um salário mais baixo do que até então, sob pena de perderem o direito à prestação.
Estas novas regras levaram a que no último ano perto de 70 mil desempregados tenham perdido o direito ao subsídio – e não se contam aqui os desempregados que estavam a receber subsídio social de desemprego e que o perderam por causa da nova condição de recursos, que alargou o leque de rendimentos considerados na hora de atribuir este subsídio aos desempregados mais pobres.
Os apoios ao emprego também sofreram alterações, restringindo-se alguns dos subsídios dados às empresas.
Flexibilizar é preciso?
E, no futuro, esperam-se mais medidas de contenção. O acordo para a competitividade e emprego, firmado em vésperas da demissão do Governo e que acabou por ser posto em prática, já apontava para várias pistas. Embora as medidas não tenham sido colocadas no terreno, a ideia era que os apoios à contratação passassem a diminuir ao longo do tempo e o Governo comprometia-se a rever o regime de protecção no desemprego no sentido de fomentar a procura activa de emprego, o que, na prática, poderia significar a redução do subsídio atribuído aos desempregados.
As elevadas taxas de desemprego e a crise do mercado de trabalho foram terreno fértil para o desenvolvimento das pretensões daqueles que defendem uma maior flexibilização das leis do trabalho, com base no argumento de que mais vale um emprego do que o desemprego. As pressões foram chegando da Comissão Europeia (CE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI), que pareciam indiferentes às mudanças no Código do Trabalho feitas em 2008. O Governo foi reagindo de forma contraditória - ora com o ministro das Finanças a alertar para a necessidade de rever a lei, ora com os ministros do Trabalho e da Economia a dizerem que a reforma estava feita. Os patrões, que no início se mostravam mais preocupados com a redução dos custos de contexto das empresas, acabaram por também cavalgar a onda. No final, o Governo deixou-se convencer e acabou por propor uma redução dos custos com os despedimentos.
Pelo caminho, PSD e CDS também tentaram fazer passar no Parlamento propostas para uma maior flexibilização da contratação a prazo, mas sem sucesso. E apesar de o PS ter sempre recusado tais propostas, acabou por propor no pacto para a competitividade e o emprego uma avaliação do regime da contratação a prazo, com vista a aumentar o número de renovações durante o prazo máximo de três anos.
Nenhuma destas medidas foi para o terreno, nem se provou a sua eficácia na melhoria do mercado de emprego, mas certamente que farão parte do plano de resgate que está a ser negociado com o FMI e a CE.
Os casos emblemáticos
Salário mínimo
Foi uma das principais conquistas da primeira legislatura de José Sócrates: conseguir um acordo com todos os parceiros sociais para a evolução do salário mínimo (SMN). A ideia era que o SMN atingisse os 450 euros e assumia como objectivo de médio prazo o valor de 500 euros em 2011.Chegados a 2011 e com a crise como pano de fundo, o Governo acabou por não conseguir segurar o acordo e decidiu que o salário mínimo subisse dos 475 euros para os 485 euros em Janeiro de 2011, comprometendo-se a rever o valor em Junho e em Outubro, com o objectivo de chegar aos 500 euros no final do ano. Porém, nesta altura ganha força a ideia expressa pelo FMI de que as empresas podem não ter condições para pagar os 500 euros este ano.
Precariedade
É um problema que se tem agravado nas últimas décadas e que afecta todas as faixas etárias, mas com particular expressão os jovens entre os 25 e os 34 anos. A entrada no mundo do trabalho faz-se sobretudo por via dos contratos a termo ou dos "recibos verdes". Na última década, o peso dos contratos sem termo no total dos trabalhadores por conta de outrem passou de 82,4 por cento para 77,5 por cento, enquanto a representatividade dos contratos a termo passou de 12,3 para 18,8 por cento e os "recibos verdes" de 1,4 para 2 por cento. Esta situação levou a que no passado dia 12 de Março se fizesse uma das maiores manifestações em todo o país, organizada através das redes sociais, sem a intervenção dos partidos políticos ou sindicatos. Aliado a este problema, a taxa de desemprego entre os jovens supera largamente a taxa média. No último trimestre de 2010, o desemprego afectava 23 por cento dos jovens entre os 15 e os 24 anos e 13,6 por cento dos trabalhadores entre os 25 e os 34 anos.
Sem comentários:
Enviar um comentário