Neste dia 28 de Abril em que se comemora o Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho e o Dia Nacional da Prevenção e Segurança no Trabalho, a CGTP-IN começa por lembrar que, neste ano de 2011, Portugal comemora também o 20.º aniversário da publicação do primeiro regime jurídico da segurança, higiene e saúde no trabalho – o Decreto-Lei 441/91, de 14 de Novembro, que transpôs para o nosso ordenamento jurídico a Directiva 89/391/CEE, do Conselho, de 12 de Junho, a directiva-quadro em matéria de segurança e saúde nos locais de trabalho.
Este diploma, entretanto revogado, constitui ainda hoje a base do regime de segurança e saúde no trabalho em vigor – a Lei 102/2009, de 10 de Setembro, que dele guarda a estrutura, a filosofia e os princípios gerais de aplicação.
Ao longo destes 20 anos, muita legislação foi publicada, regulando diversas matérias na área da prevenção e promoção da segurança e saúde no trabalho, grande parte em transposição de directivas comunitárias, que tinham como objectivo completar as disposições da directiva quadro em matérias e situações específicas.
Este período, tão fértil em produção legislativa e durante o qual foram inclusivamente celebrados dois acordos de concertação social relativos à prevenção e à segurança e saúde no trabalho, representou uma oportunidade impar de trazer para o centro do debate político, social e económico a prevenção dos riscos laborais como importante factor de desenvolvimento de relações de trabalho mais saudáveis e mais respeitadoras da condição humana dos trabalhadores.
Porém, este foi também um período de oportunidades perdidas a diversos níveis.
Ao cabo destes 20 anos, Portugal continua a ocupar um lugar nada honroso, no quadro da União Europeia, no que respeita aos índices de sinistralidade laboral – em cada ano, continuam a ser vítimas de acidentes de trabalho e doenças profissionais milhares de trabalhadores e trabalhadoras, para os quais o trabalho não representou a tal oportunidade de valorização profissional, social e pessoal de que fala a nossa Constituição; muito pelo contrário foi o factor que determinou a destruição ou interrupção da sua vida e das suas esperanças, bem como das respectivas famílias.
Por outro lado, são cada vez mais os problemas de saúde relacionados com o trabalho que, à margem dos deficientes serviços de prevenção das empresas e sem a cobertura do fraco e injusto sistema de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais, afectam os trabalhadores e as trabalhadoras, sobretudo em consequência das chamadas novas formas de organização de trabalho que, ignorando por completo as limitações e exigências impostas pela necessidade de protecção da saúde e segurança dos trabalhadores, descuram a componente da humanização do trabalho como critério fundamental da sua aplicação.
Consequentemente, assistimos hoje, entre outros fenómenos, ao agravamento dos problemas relacionados com as lesões músculo-esqueléticas de origem profissional, bem como ao crescimento de problemas de saúde resultantes de factores psicossociais associados ao trabalho, como o stress e o assédio moral, os quais se prevê que venham a ser, num futuro muito próximo, os principais problemas de saúde laboral do nosso tempo.
Mais grave ainda do que o “ostracismo” a que estes problemas são votados, quer em termos de insuficiência dos dados estatísticos oficiais (por exemplo, a Segurança Social não publica estatísticas oficiais sobre doenças profissionais, desde 2006. e a prometida reforma do sistema estatístico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais nunca se concretizou), quer em termos de esvaziamento e não aplicação das políticas nacionais e empresariais de prevenção dos riscos profissionais e de promoção da segurança e saúde no trabalho, é a generalização das práticas laborais que estão na sua origem.
O aumento galopante da precariedade laboral, pretensamente legitimada por perspectivas ultra conservadoras através da ideia de que, face ao desemprego crescente, “mais vale um emprego qualquer do que nenhum emprego”, ou a crescente flexibilização do trabalho, no que respeita a horários, funções, local de trabalho e retribuição, impondo ritmos de trabalho mais elevados e maior disponibilidade temporal, mental e física, contribuem para uma relação vida privada/trabalho cada vez mais dissonante e desequilibrada, com reflexos evidentes na saúde física, psíquica e social de toda a população trabalhadora.
De acordo com os dados do Eurostat, em Portugal, em 2005, 24,9% dos trabalhadores estavam com contrato não permanente. Em 2010 este número era de 29,4%. Portugal está entre os 3 países da UE com mais precariedade laboral.
Estes são apenas alguns dos dados que demonstram claramente que seguimos na direcção errada. Não é possível combater a sinistralidade laboral com políticas de curto prazo e imediatistas. Quando falamos de prevenção dos riscos profissionais, não estamos a falar apenas de acidentes e de doenças profissionais; estamos a falar, em primeiro lugar, da relação do ser humano com o trabalho e da forma como este ultimo afecta ou promove, em alternativa, a sua saúde. Prevenir não é apenas evitar os acidentes de trabalho e as doenças profissionais; é, sobretudo, promover a saúde do trabalhador através da humanização crescente do trabalho e da integração da prevenção em todas as fases de gestão das organizações.
A CGTP-IN considera que a crise económica e acima de tudo, social, que estamos a viver, não pode servir como justificação para a falta de investimento na prevenção.
É inaceitável que, no momento que vivemos, a parcela da taxa social única destinada à prevenção e à promoção da segurança e saúde no trabalho seja objecto de cortes sucessivos, que resultam na redução da capacidade de intervenção da ACT na construção de uma cultura de prevenção.
Com crise ou sem ela, continua a ser necessário investir na prevenção para evitar que os trabalhadores morram, adoeçam ou se incapacitem no trabalho e por causa do trabalho.
Numa sociedade democrática e civilizada, a rentabilidade económica não pode nem deve nunca sobrepor-se ao respeito pela dignidade e integridade física das pessoas. A prevenção dos riscos profissionais funciona, nos locais de trabalho, como condição essencial para a garantia de direitos humanos fundamentais – o direito à vida, à integridade física e à protecção da saúde. Uma sociedade civilizada é uma sociedade que defende o primado da protecção da vida humana em todas as circunstâncias, seja no trabalho, no lazer, na cultura, na política, na educação ou na economia.
Passados que são 20 anos da publicação da primeira Lei da Segurança e Saúde no Trabalho, para além da implementação séria de políticas de promoção da segurança e saúde no trabalho, é tempo de promover, quer através da inspecção, quer através da criminalização, a efectiva responsabilização daqueles que, conhecendo a lei e os seus deveres continuam intencionalmente a prevaricar e a não cumprir, contando com a negligência, anuência e cumplicidade de todos os que, tendo a responsabilidade de denunciar e punir semelhantes actuações, persistem em nada fazer.
Em Portugal, continuam a ser demasiado escassas as condenações judiciais por incumprimento das normas de segurança no trabalho que resultam em acidente grave ou mortal. Em Portugal, muitos dos actos culposos de incumprimento da lei, de que resultam graves danos para os trabalhadores, para a sociedade e para o país, continuam a ser alvo de práticas inspectivas e judiciais desculpabilizantes, por parte de quem tem a responsabilidade última de garantir aos trabalhadores que é possível ganharem o seu sustento em condições de segurança e saúde.
A prevenção é, antes de tudo, um dever moral para com o país. Façamos deste dia o ponto de partida para um trabalho mais digno, mais seguro e mais humano.
Para qualquer esclarecimento: Fernando Gomes – 917670782
DIF/CGTP-IN
Lisboa, 27.04.2011
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