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26/04/2011

Sócrates bebeu a cicuta – mas as convulsões serão sentidas por toda a parte

Yanis Varoufakis

No Teatro do Absurdo o dramaturgo utiliza o bizarro, um elemento de surpresa, ambiguidades copiosas e inconsistências frequentes, fundido com mudanças dramáticas no estado de espírito e algumas grandes confrontações, a fim de iluminar os nossos lugares comuns, as vidas correntes. Em contraste, a Europa está a escrever um roteiro diferente. Algo que tendo a pensar como o Ritual do Absurdo. Nesse ritual os actores não estão a personificar papéis. Ao invés disso, ele representam-nos no contexto de peças a que falta qualquer qualidade dramática mas são embrulhadas em bodes expiatórios e sacrifícios rituais que muitos antropólogos associam a comunidades degeneradas.

Tome-se por exemplo o infeliz primeiro-ministro português. Durante meses ele esteve a apostar a sua carreira política numa posição de desafio às perspectivas de um "salvamento" do EFSF. Pelo menos desde Janeiro, ficou claro que o "salvamento" era inevitável. O BCE de Trichet adiou o inevitável ao comprar activamente bastantes títulos portugueses a fim de prologar o acto de Sócrates enquanto houvesse possibilidade de uma solução abrangente da UE. Quando os nossos grandes líderes se conluiaram para sabotar qualquer esperança de uma tal solução, Trichet puxou a tomada. Aterrado pela infindável procura de liquidez por parte dos bancos da Europa, que é o resultado da crise em curso do euro, ele decidiu acelerar o ritmo. Com dois movimentos (paragem da compra de títulos portugueses por tempo suficiente para elevar as taxas de juro para além dos 7,5 por cento; e pré-anunciando uma alta da taxa de juro para a eurozona como um todo) ele empurrou Portugal borda fora. Era como gritar do telhado do BCE: "Deixem começar os jogos principais!".

O comportamento de Sócrates é indicativo do estado degenerado da política europeia. Uma vez que se tornou claro para ele que a sua aposta estava perdida, ele apresentou um conjunto de medidas de austeridade ao Parlamento sabendo que a oposição as rejeitaria. Ao invés de uma forma de veneno, a cicuta (isto é, o pedido de um salvamento do EFSF) oferece a Sócrates uma segunda oportunidade. A oposição, tendo pretendido abominar as medidas de austeridade de Sócrates, deve agora convencer o eleitorado português de que a sua subida ao poder não virá juntamente com medidas de austeridade ainda mais cruéis. Não há qualquer possibilidade de que tenha êxito. Portanto a cicuta deu a Sócrates um pouco de esperança.

Enquanto isso, no centro da Europa, o Ritual do Absurdo assume a sua mais elevada forma. A Alemanha e a Finlândia pretendem estarem relutantes em estenderem a mão a Portugal, a troika FMI-UE-BCE está a ameaçar a Grécia de que a prestação de Abril do "salvamento" pode não ser paga (mencionando o fracasso de Atenas em atingir seus objectivos de receitas fiscais) e, mais comicamente, Atenas e Lisboa estão a fingir temer que os seus respectivos "salvamentos" estejam em causa. Na realidade, os pagamentos do "salvamento" tanto a Portugal como à Grécia são resultados inevitáveis; pois se não forem efectuados o sistema euro será estraçalhado em poucas horas.

Em suma, nada é como parece. A Europa está presa numa teia de confusões da sua própria lavra. Enredada nesta teia de subterfúgios rituais que ela própria fez, a Europa é absolutamente incapaz de enfrentar a crise. Mas, ai de nós, a realidade está à espreita no virar da esquina. O movimento de taxa de juro de Trichet ficará na história como o segundo erro grave do homem – o primeiro deles tendo sido o seu erro assombroso de elevar taxas de juro em Julho de 2008, sinal seguro de um banqueiro central inconsciente. Desta vez, a elevação da taxa de juro (a qual ele tenciona aumentar no próximo par de meses) é um erro ainda mais grave. Por si mesmo, isto nada fará para travar pressões inflacionárias na Alemanha ou para aliviar a crise no sector bancário ou na periferia. Excepto se vier com um raio de esperança. Quanto mais rápido isto ajudar a propagar o mal-estar à Espanha, maiores as possibilidades de que a Europa venha a despertar da sua letargia, corte um buraco na teia da confusão que ela criou tão idiotamente e avance para uma solução racional da crise. É o que se pode esperar...

[*] Do Departamento de C. Económicas, Universidade de Atenas.

O original encontra-se em yanisvaroufakis.eu/...

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ 

 http://resistir.info/europa/socrates_cicuta.html

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