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17/03/2011

Uma opção estratégica: Substituir as importações pela produção nacional

Anselmo Dias

O governo promoveu, recentemente, uma iniciativa eminentemente propagandista, envolvendo empresas exportadoras. Tal iniciativa foi levada a cabo com o pretexto de fomentar a venda de bens e serviços no estrangeiro e, por essa via, contribuir para a diminuição do défice da balança comercial. Embora, de concreto, pouco tivesse sido avançado não há nada a dizer contra tal iniciativa, salvo no que diz respeito à demagógica intervenção no encerramento dos trabalhos por parte desse liliputiano político que dá pelo nome de José Sócrates.
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Tanto quanto se sabe, nada foi dito quanto às importações, não obstante estas superarem em cerca de 20 mil milhões o valor das exportações de bens, ou seja, no contexto do nosso comércio internacional é mais vultuoso o dinheiro que sai para comprar lá fora aquilo de que necessitamos, do que o dinheiro que entra por aquilo que vendemos externamente.
Com efeito, em 2010, as importações de bens totalizaram 56 783 milhões de euros, enquanto as exportações ficaram nos 36 769 milhões de euros
Perante tais números façamos o seguinte exercício:
Se houvesse, por exemplo, uma melhoria de 10% no nosso comércio internacional, ou seja, um acréscimo de 10% nas exportações e uma retracção de 10% nas importações, que resultados se obtinham? Os seguintes:
- cerca de 3677 milhões de euros nas exportações;
- cerca de 5678 milhões de euros nas importações.
Este pequeno exemplo serve, apenas, para ilustrar que o primeiro-ministro devia juntar à iniciativa ligada às exportações uma iniciativa séria ligada às importações, na perspectiva de, caso a caso, se analisar em que sectores podemos tomar medidas imediatas, a curto e a médio prazo, em ordem à substituição das importações por produção nacional.
Não o tendo feito cabe à opinião pública fazer essa exigência na observância de vários factores, dos quais salientamos:
- aumentar o emprego em Portugal;
- minimizar os défices estruturais da nossa economia;
- evitar a drenagem de dinheiro para o estrangeiro;
- garantir a independência nacional, evitando que a nossa subalternidade económica e financeira face ao estrangeiro sirva de pretexto para a dependência política em relação ao directório das grandes potências, designadamente da Alemanha, a qual, salvo as devidas e notórias diferenças, parece querer fomentar na Europa, em pleno século XXI, uma chantagem social, a fazer lembrar as consequências da chantagem territorial nos anos trinta do século passado, antes da Segunda Guerra mundial, por Hitler, com a complacência da França e do Reino Unido.
Com efeito, por aquilo que tem vindo a público, o governo alemão, com a anuência de José Sócrates e outros, quer impor um famigerado indicador denominado «custo unitário de produção» suportado na redução salarial e na regressão das funções sociais do Estado, ao arrepio do desenvolvimento económico e do progresso social.
Por tudo o atrás exposto, no contexto da nossa soberania e no crescimento da nossa economia, a questão das importações e a sua substituição por produção nacional é uma questão estratégica que, a não ser resolvida, contribuirá para criar uma situação altamente gravosa, salvo se, entretanto, o povo português impuser, como se deseja, uma ruptura democrática sustentada numa política patriótica e de esquerda.

As importações de bens

Conforme já foi referido o valor total dos bens importados, em 2010, correspondeu a 56 783 milhões de euros.
Por grandes ramos de actividade as compras mais significativas foram as seguintes, ordenadas por ordem decrescente de valor e expressas em milhões de euros:
  • Material de transporte: automóveis, viaturas diversas e seus componentes: 7988;
  • Petróleo bruto, refinado e gás natural: 7764;
  • Produtos da agricultura, das pescas e agro-alimentares: 7497;
  • Produtos químicos: 4895;
  • Equipamentos informáticos, electrónicos, ópticos, de comunicações, etc.: 3906;
  • Máquinas e equipamentos não especificados: 3183;
  • Metalurgia de base: 3079;
  • Equipamentos eléctricos: 2576;
  • Produtos farmacêuticos: 2331;
  • Vestuário: 1773;
  • Artigos de borracha e matérias plásticas: 1597;
  • Produtos metálicos, excepto máquinas e equipamentos: 1366;
  • Têxteis: 1332;
  • Indústrias transformadoras diversas: 1166;
  • Papel, cartão e seus artigos: 1102;
  • Calçado e artigos de couro: 1020.
Estas dezasseis referências correspondem a 92% do total das nossas importações de bens.
É sobretudo aqui que, em termos prioritários, tudo deve ser feito no sentido de fomentar a nossa produção, maximizando todos os factores convergentes, seja pelo aproveitamento de indústrias já existentes, seja por novos investimentos, seja por via de modernos processos de gestão, seja pela inovação, tecnologia, ciência e investigação.
Contudo, há quatro sectores cruciais – material de transporte, combustíveis, produtos químicos e farmacêuticos, e alimentação – que devem, desde já, merecer uma séria reflexão dada a dimensão que tais sectores têm no conjunto das importações.
Ao que se sabe, excluindo os investimentos nas energias alternativas (alguns de duvidosa oportunidade), nada tem sido feito no sentido de evitar a saída de dinheiro para pagar aquelas importações.
Aliás, muito tem sido feito no sentido de as aumentar.
Atente-se no que foi feito na destruição da nossa rede ferroviária e no estímulo ao transporte individual, com consequências negativas na importação de automóveis e de petróleo.
Atente-se no que tem sido a política logística das grandes superfícies valorizando as grandes compras no estrangeiro em nome das propaladas dificuldades no abastecimento por pequenas unidades que laboram em Portugal.
Atente-se no reduzido investimento tecnológico e científico, no sentido de se introduzir, no circuito produtivo, uma maior racionalização no uso da energia.

Os nossos maiores fornecedores

Um outro aspecto que importa analisar diz respeito à proveniência das nossas importações de bens.
Do mesmo modo que há uma grande concentração num reduzido grupo de produtos, de igual forma há uma grande concentração dos nossos fornecedores.
Com efeito, 90% das nossas importações estão concentradas em 26 países, dos quais 15 estão na Europa, seis na Ásia, três em África e dois nas Américas.
Há, contudo, uma importância decisiva dos países europeus, designadamente a Espanha, Alemanha, França, Itália, Holanda, Reino Unido e Bélgica, os quais, em conjunto, representam cerca de 70% do total das nossas importações. Trata-se dos sete magníficos exportadores.
Destes países sobressai a Espanha.
A Espanha é, de longe, o nosso maior fornecedor, detendo sozinha 31% do total dos bens que compramos ao estrangeiro.
A Espanha vende-nos produtos no valor de 17 661 milhões de euros. Para se ter uma ideia desta verba basta dizer que ela corresponde à soma daquilo que globalmente compramos à Alemanha, França, Itália, Reino Unido e Japão. Quem havia de dizer?
Portugal é, pois, para Espanha uma verdadeira galinha de ovos de oiro, tão expressivo é o valor daquilo que nos vende.
Esta questão é interessante na medida em que permite a seguinte pergunta: que diferença tecnológica separa Portugal e a Espanha que justifique o facto de cerca de 1/3 das nossas importações terem como proveniência aquele país ?
Para, em termos genéricos, responder a esta questão vale a pena olhar para os produtos que os espanhóis mais nos vendem.
Eles são os seguintes, ordenados por ordem decrescente e expressos em milhões de euros:
- Produtos alimentares (agricultura, pesca e agro-alimentares): 3233;
- Material de transporte (veículos, material diverso e seus componentes): 1901;
- Produtos químicos: 1798;
- Metalurgia de base: 1426;
- Vestuário: 942;
- Equipamentos informáticos, electrónicos, ópticos, de comunicação, etc.: 898;
- Máquinas e equipamentos não especificados: 875;
- Equipamentos eléctricos: 734;
- Artigos de borracha e matérias plásticas: 686;
- Papel, cartão e seus artigos: 670.
Como se vê predominam os produtos de natureza industrial.
Não é de admirar. Destruída que foi a nossa indústria alguém teria de ocupar esse espaço livre.
Os espanhóis fizeram-no com êxito, embora devam estar agradecidos às políticas do PS, PSD e CDS-PP pelo modelo de desenvolvimento instaurado em Portugal no seguimento do processo contra-revolucionário.
Nesta contra-revolução insere-se, sem dúvida, a intenção daqueles partidos de reduzirem ao mínimo a influência do sector mais combativo da classe operária, a quem, na década de setenta, depreciativamente associavam à «aristocracia operária», alegação demagógica tendente a criar clivagens no seio dos trabalhadores, designadamente entre aqueles que laboravam na cintura industrial de Lisboa (nas margens Norte e Sul do Tejo) e os que exerciam a sua actividade na parte restante do País.
Esse ódio à classe operária beneficiou o emprego em Espanha, na Alemanha, em França e demais países.
Com efeito, o acto de importar induz, simultâneamente, duas consequências: aumenta o emprego no país exportador e diminui o emprego no país importador. Será que as vozes do dono não compreendem esta evidência?

O mito do «perigo amarelo»

A crise que o País atravessa tem servido para muitas reflexões, umas sérias, outras delirantes.
Tem servido, igualmente, para muita mentira e muito disparate, um dos quais associa as nossas dificuldades à invasão do nosso espaço pelos países asiáticos, designadamente a China.
A China, dizem as vozes do dono, invadiram as nossa aldeias, vilas e cidades com uma enxurrada de produtos baratos que levaram à destruição da nossa produção tradicional, sobretudo na área dos têxteis, do vestuário e do calçado.
O encerramento das nossas fábricas, dizem eles, engrossando a voz e de dedo em riste, «são essa gente baixinha, de olhos em bico».
Um perfeito disparate.
Em 2010 a China exportou para Portugal têxteis no valor de 70 milhões de euros, vestuário no valor de 126 milhões de euros e calçado e produtos de couro no valor de 95 milhões de euros.
Que valores são esses, comparativamente à totalidade das nossas importações nesses sectores?
Correspondem a 5,3%, 7,1% e 9,4%, respectivamente.
Trata-se de valores residuais que nada têm a ver com aquilo que compramos aos espanhóis.
Com efeito, nos sectores atrás referidos a Espanha vendeu-nos, respectivamente, 290, 942 e 315 milhões de euros, valores cinco vezes superiores aos da China.
A China, ao pé da Espanha, representa apenas 18,9%, ou seja, neste aspecto o gigante chinês faz figura de anão comparativamente a Espanha.
Este facto é conscientemente omitido pelos habituais comentadores, para quem é gravoso o facto de a China ter introduzido em Portugal têxteis, vestuário e calçado no valor global de 292 milhões de euros, mas já não é gravoso os 1547 milhões de euros exportado pela Espanha para o nosso País.
Eis um dos muito factos transformados em preconceitos ideológicos ao serviço da mentira.

Os maiores défices comerciais

Se analisarmos a natureza e a dimensão dos défices comerciais, ou seja, a diferença entre as importações e as exportações de bens, constataremos três situações:
  1. A Espanha ocupa, destacadíssima, a primeira posição. Com efeito, a diferença entre aquilo que os espanhóis nos vendem e aquilo que nós lhes vendemos atingiu o valor de 7893 milhões de euros, o que significa que o intercâmbio com a Espanha é responsável por 39% do total do nosso défice externo.
  2. Imediatamente a seguir à Espanha temos três países, a Alemanha, a Itália e a Holanda que, em conjunto, representam 33% do nosso défice.
  3. Em terceiro lugar temos países fornecedores de petróleo (Nigéria, Líbia e Cazaquistão), bem como a China e o Brasil que, no seu conjunto, representam 23% do total do nosso défice.
Conclusão: cerca de 95% do défice comercial localiza-se em apenas nove países, com os quais o Governo devia, desde já, proceder a uma negociação, na base da reciprocidade, tendente a um maior equilíbrio na relação de trocas.
Esta nossa opinião, que tem uma base lógica, é um sacrilégio para todos aqueles que no PS, PSD e CDS-PP advogam a livre circulação de bens e serviços.
As assimetrias nas importações e nas exportações resolvem-se, dizem as vozes do dono, pelo livre funcionamento do mercado.
O mercado é que decide.
O Governo, dizem eles, em nome do neoliberalismo, não se deve meter onde não é chamado.
O Estado ideal para essa gente é o «Estado mínimo», circunscrito apenas à diplomacia, à segurança e à justiça.
A prosseguir o endeusamento a tais ideias o caminho imposto a Portugal é o caminho para o abismo.
A tal desastre impõe-se uma acrescida resistência, não com o propósito de mudar actores, mas com o objectivo de provocar uma ruptura democrática contra o actual estado de coisas, tendo em conta que as autocracias não se circunscrevem apenas à parte Sul do Mediterrâneo, elas existem, sob a forma de oligarquias na zona de influência do Mediterrâneo Norte, sobretudo na faixa mais ocidental da Europa, ou seja, em Portugal.

Fonte: Estatística do Comércio Internacional, INE.

http://www.avante.pt/pt/1946/temas/113019/

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