À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.

15/09/2011

Tratar-lhes da saúde

Jorge Cordeiro

Entre as muitas virtudes que o tempo tem, não se lhe pode negar a de contribuir com o seu passar para quase tudo esclarecer. É o caso de Paulo Macedo. Quando há semanas o ministro da Saúde decidiu prosseguir, impávido e sereno, a visita que fazia ao hospital de Évora depois de ter sido informado de que uma trabalhadora daquele hospital se acabara de suicidar, ali mesmo num piso acima e àquela hora, a reacção suscitada oscilou entre um misto de indignação e de incredulidade. Hoje tudo emerge com maior nitidez. Olhando para quem, da Saúde, só tem uma mesquinha noção contabilística, incapaz de ver num utente ou num doente algo mais do que uma fonte de despesa e desperdício, na cabeça do sujeito o dramático episódio só podia ter sido visto como um premonitório sinal do sucesso da sua política e do mandato de que acabara de ser investido, uma despesa menos na visão empresarial de quem não vê num hospital mais do que um livro de «deve e haver», um corte na despesa com pessoal e nos custos do Serviço Nacional de Saúde. O que a omissão de então ainda lançara de dúvida, a acção de agora, três meses passados, tudo esclarece. Quem vê na política de transplantes algo sujeito a quotas de acesso, decidindo assim dos que devem sobreviver ou morrer; quem elimina comparticipações em contraceptivos ou em vacinas, algumas das quais preventivas de cancros; quem reduz a assistência medicamentosa a asmáticos; quem se prepara para encerrar cegamente mais centros e serviços de Saúde; quem assim age, só pode esperar dos portugueses indignação e protesto. E sobretudo luta, luta perante uma política que às injustiças e desigualdades acrescenta uma dimensão de desumanidade inimaginável para alguns, mas expectável para todos quantos têm consciência do que o capitalismo representa, muita luta para lhes «tratar da saúde», ou seja para derrotar esta política e este programa de agressão e submissão que querem impor ao País e aos portugueses.

http://www.avante.pt/pt/1972/opiniao/116222/

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