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10/12/2009

A exploração e a crise

Ilda Figueiredo

O anúncio diário de despedimentos, de deslocalização da produção e de encerramento de empresas é uma das faces mais visíveis de uma das mais graves crises do capitalismo. Em diversos casos, vários grupos económicos estão a usar a crise como justificação para mais facilmente deslocalizarem a produção para países onde os salários são mais baixos e onde ainda podem vir a beneficiar de apoios públicos e, assim, aumentarem lucros.
Em Portugal, são vários os casos de multinacionais onde esta estratégia aparece clara, de que destaco os exemplos actuais de várias fábricas da multinacional norte-americana Delphi e do grupo alemão da Leoni, mas a que podíamos juntar tantos outros como a Yazaki Saltano ou a Opel.
A nível europeu, essa é também uma estratégia conhecida. Recentemente, a multinacional Dell encerrou na Irlanda, onde despediu cerca de 2800 trabalhadores, o que aumentou o valor das suas acções na bolsa de Nova Iorque, abrindo, simultaneamente, nova fábrica na Polónia, onde recebeu apoios estatais de cerca de 50 milhões de euros, que a Comissão Europeia autorizou. Em seguida, o governo da Irlanda solicitou apoios à Comissão Europeia através da mobilização do Fundo Europeu da Globalização para pagar planos de formação dos trabalhadores despedidos.
É necessária uma ruptura com estas políticas e é urgente uma mudança para a construção de um outro sistema económico e social que ponha cobro a esta estratégia das multinacionais, que acabe com a exploração do homem pelo homem, o que só acontecerá no socialismo.
Como sempre acontece nestas crises do capitalismo, quem mais sofre são os trabalhadores e as populações mais carenciadas. Mesmo os números oficiais já não podem esconder a gravidade da situação. Por exemplo, os últimos dados do Eurostat confirmam as dramáticas consequências sociais da crise a nível da União Europeia. A taxa de desemprego subiu na UE 27 para 9,3 por cento e na zona euro estava em 9,8 por cento no final de Outubro de 2009. Isto significa que temos, hoje, mais de 22,5 milhões de desempregados na União Europeia, quando, há um ano, o mesmo Eurostat apontava 17,5 milhões de desempregados. No espaço de um ano mais cinco milhões de trabalhadores foram lançados no desemprego. O que agora serve de pressão para impedir aumentos salariais, tornar o trabalho mais precário, aumentar a exploração de quem consegue trabalho, enquanto a taxa de desemprego juvenil já atinge 20,7 por cento.
Estudos recentes divulgados pela Comissão apontam que a perda de empregos no sector industrial vai continuar no plano europeu, admitindo, mesmo, que a médio prazo, se reduzam em cerca de 50 por cento, como no caso do sector têxtil e de vestuário, situação que será acelerada com a crise, indicando que a única excepção será a indústria de armamento. O que coloca o problema do futuro e das previsões de guerra que sempre andam associadas às graves crises do capitalismo
Em Portugal, a taxa desemprego de que o Eurostat fala (10,2% em Outubro passado) é uma das mais elevadas da União Europeia, só ultrapassada por quatro países (Eslováquia, Irlanda, Espanha e Letónia), mas a taxa real deverá ultrapassar os 12 por cento.
A saída da crise exige uma ruptura com as políticas que estiveram na origem desta situação e uma mudança de fundo nas orientações e nas medidas existentes.
Mas não é essa a disposição dos responsáveis da União Europeia, como o demonstra a recente entrada em vigor do Tratado de Lisboa e o lançamento da consulta pública, até 15 de Janeiro, sobre a futura estratégia «UE 2020». No entanto, importa ler e responder a esta consulta onde a Comissão Europeia reconhece que «há décadas que a Europa não vivia uma crise económica e financeira tão profunda, com uma contracção económica tão acentuada, em que a taxa de desemprego deve atingir os dois dígitos em 2010, o nível mais elevado dos últimos dez anos». Só se esqueceu de acrescentar que, há dez anos, lançou a chamada estratégia de Lisboa onde afirmava que, em 2010, a União Europeia seria «o espaço económico e do conhecimento mais avançado do mundo, a caminhar para o pleno emprego e a diminuir a pobreza». Para isso apostava nas liberalizações e privatizações de sectores e serviços públicos e na flexibilidade laboral. Como então dissemos, tal estratégia só podia acabar no agravamento de todos os problemas sociais. Lamentavelmente, foi isso que aconteceu.
Então, impõe-se insistir numa mudança profunda, que dê prioridade à criação do emprego com direitos, à valorização do trabalho, que aposte na defesa dos sectores produtivos e na melhoria do poder de compra e das condições de vida da população, através de uma justa repartição da riqueza, de melhores e mais serviços públicos de qualidade, de novas políticas que incentivem a produção, os micro, pequenos e médios empresários, agricultores e pescadores.
Avante - 10.12.09

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