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12/04/2010

Há 157 mil famílias a viver do rendimento de inserção

Ao todo, são 400 mil beneficiários, um terço com menos de 18 anos.

"Vendíamos uns cachorros e umas bifanas nas feiras, que davam para orientar a casa, mas a burocracia e as multas deixaram--nos na miséria", conta João Silveira, admitindo ter sido já em "desespero" que um dia decidiu entregar-se nas mãos da Segurança Social. "Perdi o direito ao subsídio de desemprego. Se não fossem os meus sogros darem uma ajuda, se calhar tinha feito uma asneira", assume. Para poder ganhar mais algum, "especializou-se" na pesca do choco. "É tudo sem papéis, mas é a única forma de não andar sempre de mão estendida."

João e Vitória Silveira, moradores do bairro da Bela Vista, em Setúbal, estão abrangidos pelo rendimento social de inserção (RSI), mas os cerca de 350 euros que entram na casa do casal, com dois filhos, não chegam "nem para comer", garante o próprio chefe de família.

O casal Silveira é uma das 157 mil famílias portuguesas que dependem do RSI para sobreviver... com uma média de 244,61 euros por mês. Ao todo, de acordo com os números de Fevereiro da Segurança Social, a que o DN teve acesso, há praticamente 400 mil pessoas a receber RSI, mais 56 mil (16,6%) que há um ano. Sem contar com mais 8200 pedidos que ainda não têm resposta dos serviços.

A maioria dos beneficiários são jovens com menos de 18 anos (37,6%), mas há uma grande franja (23,2%) que está na casa dos 35 aos 49 anos.

É o caso de José. Acabado o subsídio social de desemprego, teve de recorrer ao RSI. Procura aqui e ali emprego, mas, com apenas o 6.º ano de escolaridade e 49 anos, "já está muito velho", atiram-lhe. "Velho? Mas eu ainda tenho força para trabalhar", diz, já sem grande esperança de conseguir dar a volta à vida.

O pior da crise social tem-se sentido no Norte. Só o distrito do Porto contabiliza 130 mil beneficiários do RSI, um terço do total do País e quase o dobro do número de pessoas que em Lisboa recebe rendimento social de inserção. Em terceiro no ranking aparece Setúbal (6,5%) e depois Braga (5,9%).

O retrato da carência económica é mês a mês mais preocupante. Há apenas um ano, o número de famílias com processamento de RSI eram 131 mil ; hoje, ultrapassam 157 mil. E o pior é que a esmagadora maioria (42%) não tem qualquer outro rendimento. E há ainda mais 41% de beneficiários que, a somar ao RSI, têm apenas entre 100 e 500 euros, fruto de uma magra reforma ou o salário de um dos membros da família.

Helena e João estão à beira dos 40 anos e têm menos de 300 euros por mês para viver. A este rendimento retiram cem euros para a casa em Viana do Castelo e o que sobra mal dá para comer. O casal e os seus dois filhos, de nove e 14 anos, foram atirados para a pobreza devido a "contingências da vida". "É muito difícil. Não há trabalho e só com um biscate, nas mecânicas, aqui e ali, se vai aguentando", confessa João. Há um ano que é assim. "O trabalho correu-me mal e nunca mais me consegui levantar."

E são os muitos milhares que já "não se conseguem levantar" que explicam porque a despesa da Segurança Social com este apoio social atingiu cifras sem precedentes. Em 2009, o RSI custou aos cofres do Estado 500 milhões de euros; este ano estão orçamentados apenas 495 milhões, menos 2,5% (ver caixa). Só em Fevereiro, tendo em conta que cada beneficiário recebe 94,14 euros, foram gastos 37,6 milhões de euros.

http://dn.sapo.pt/bolsa/interior.aspx?content_id=1541705

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