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16/12/2011

Sem reforços orçamentais há várias universidades em risco de fechar

Madalena Queirós e Andrea Duarte, entrevista a Cruz Serra, reitor da UTL

Nos últimos seis anos, as universidades perderam cerca de 25% das transferências do Orçamento de Estado. Muitas não terão dinheiro para chegar ao final do ano lectivo.
Na sua primeira entrevista depois de ser eleito, Cruz Serra avisa que o corte dos subsídios no próximo ano já está a levar alguns dos melhores professores a deixarem a universidade.
O reitor de Coimbra disse que teria de encerrar em 2013 se os cortes continuarem. Pode acontecer com outras universidades?
De certeza que sim, isso irá acontecer. Já em 2012, algumas instituições não conseguirão executar os seus orçamentos. A situação nas escolas da UTL e da UL é que algumas, no próximo ano, vão ter uma execução orçamental negativa. A dotação do OE mais as receitas próprias previstas vão ser inferiores às despesas obrigatórias. Porque não podemos contrair indefinidamente a receita...
O orçamento não pode ser cumprido?
Há saldos transitados de anos anteriores que permitirão garantir a execução do próximo ano, assim não haja alguém nas Finanças com a tentação de os confiscar. O que está a acontecer já há alguns anos é o recurso sucessivo aos saldos transitados. Neste momento, só é possível manter as portas abertas, mas com todo o investimento reduzido a zero, usando esses saldos. Sem investimento e com reduções de serviços muito fortes, em coisas como limpeza e segurança. Por outro lado, em algumas unidades orgânicas teremos uma degradação do ensino em resultado do aumento do número de alunos por professor. Como não há dinheiro, nem autorização, para fazer contratações, se há professores que se reformam, se há contratos precários que não podem ser renovados, isto constituirá uma degradação da qualidade do ensino.
Este orçamento foi mais uma machadada na autonomia universitária?
A proposta de orçamento foi seguramente. A versão final da lei do orçamento, em termos de autonomia, não, porque foi possível explicar as suas consequências ao governo e às comissões competentes da AR. Do ponto de vista da dotação, foi seguramente uma machadada, porque, para além do corte correspondente à descida dos salários da função pública, a universidade teve mais de 8,5% de redução orçamental, ou seja, um corte total da ordem dos 30%. A universidade portuguesa suporta neste momento o seu sexto ano de descida sucessiva de dotações orçamentais, uma descida que, tirando o impacto das variações salariais, desde 2006, foi de 25%. Temos níveis de financiamento ‘per capita' muito inferiores aos de toda a União Europeia. Portugal precisa de mais jovens no ensino superior para cumprir o acordado com a União Europeia, para que em 2020 tenhamos 40% dos jovens com formação superior e principalmente para ter esperança num futuro melhor.
Mas mesmo essa meta é possível de cumprir, com o final do Contrato de Confiança?
Claro que não, não é. Vamos ter problemas de sustentabilidade este ano, nalgumas escolas, nomeadamente na UTL, por causa da pressão orçamental. E isso também resulta das escolas terem aumentado a sua oferta formativa, a contar com o financiamento do Contrato de Confiança. Seria um enorme retrocesso ter de se fechar cursos, nomeadamente nocturnos, porque não há financiamento para eles. Tentaremos encontrar uma solução, mas esse perigo existe.
Esta nova universidade, resultante da fusão da UTL com a UL, poderá aderir ao modelo de fundação?
Penso que não. Aquilo que aconteceu com o Orçamento de Estado deste ano foi uma ruptura em relação às condições que se aplicavam às fundações universitárias. Tendo acontecido isso, não há condições para se defender a ida por esse caminho. As universidades que optaram por essa via procuraram uma agilidade administrativa que não existe no modelo de instituto público. Mas neste momento temos essas universidades sujeitas às regras de execução do orçamento de Estado, a terem as mesmas restrições que as outras, relativamente às contratações e à sua gestão financeira. Há uma grande apetência dos sucessivos poderes políticos por limitar a autonomia administrativa e financeira das universidades, essa é a maior ameaça ao desenvolvimento do ensino superior em Portugal. Temos de encontrar um modelo que nos permita manter a autonomia administrativa e sair desta esquizofrenia burocrática.
O que quer dizer com esquizofrenia burocrática?
A incapacidade de reorçamentar, por exemplo, decorre de uma interpretação da Direcção-geral do Orçamento, que nos é transmitida através de um despacho do secretário de Estado do Orçamento, e que os nossos juristas consideram ser uma interpretação abusiva de uma alteração legislativa, que tinha intenções contrárias. Devemos estar a perder 3 ou 4% do orçamento em burocracia não essencial.
Disse há pouco que o corte de subsídios poderá ter um efeito muito negativo...
Na motivação das pessoas. No IST, já há a indicação certa de pessoas que estão a sair para o estrangeiro. É inevitável, numa área de actividade de mão de obra intensiva e com grande competitividade internacional ao nível da captação de talentos, a desvalorização salarial provoca a perca de quadros qualificados. A descida de vencimento dos nossos professores é de 24%. Isso é algo que desmotiva as pessoas.

http://economico.sapo.pt/noticias/sem-reforcos-orcamentais-ha-varias-universidades-em-risco-de-fechar_133440.html

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