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03/10/2011

Sem (dias de) Governo

Carvalho da Silva

Quando se diz que Passos Coelho recebeu uma "pesada herança" isso é um facto, mas é indispensável acrescentar: (i) essa herança foi construída por opções políticas e práticas do centrão político que há décadas nos governa e de que o PSD e o CDS fazem parte; (ii) o verdadeiro programa de governo já estava definido no memorando da troika (o actual Governo comprometido com ele até à medula) para concretizar uma governação contra os cidadãos e a favor dos interesses dos detentores do poder financeiro e económico internacional e nacional; (iii) o presidente da República (PR), com esporádicos "avisos" para que tudo continue na mesma, segue a cartilha dominante do neoliberalismo e neoconservadorismo e não impulsionará o Governo a priorizar políticas ao serviço dos portugueses; (iv) a "governação europeia", que Passos Coelho acompanha e aplaude, está cada vez mais carregada de contradições e de duros sacrifícios para os povos.
Nestes 100 dias vimos, no plano económico, agravar-se o cenário de recessão (2,2% a 2,5% em 2012), a reprivatização do BPN levou-nos 2,5 mil milhões de euros, o processo de privatizações a saldo a avançar e imensas empresas sentem mais dificuldades por a Banca não disponibilizar créditos, porque cai o poder de compra dos portugueses ou, ainda, em resultado do chamado emagrecimento do Estado e das autarquias, que destrói importantes actividades que lhes davam trabalho.
No plano fiscal, tivemos políticas injustas de agravamento de impostos sobre o factor trabalho, pagamos IVA de luxo sobre produtos de primeira necessidade, como a electricidade. Quando perguntam ao PR se não seria possível taxar a riqueza, sua Ex.ª refugia-se, como Pilatos, na "matriz" a que o "legislador" nos habitou, enquanto o seu discípulo Durão Barroso já é obrigado a observar: "Durante os últimos três anos, os estados-membros acordaram ajudas e forneceram garantias ao sector financeiro de mais de 4,6 biliões de euros. É altura de o sector financeiro dar a sua contribuição à sociedade".
Prosseguem os cortes cegos, nomeadamente na saúde, agora com significativo aumento das taxas moderadoras, no ensino, onde o corte do prémio de 500 euros aos melhores alunos é imoral e deseducador. Os polícias protestam por o Governo não respeitar os seus direitos e conhece-se mal-estar nas Forças Armadas.
Na Segurança Social, tiveram entrada de leão no ataque à TSU para cumprirem a desgraçada experimentação que o FMI quer fazer em Portugal e agora andam à deriva porque surgiram denúncias e alertas, mas patrões oportunistas não vão deixar passar a oportunidade de tentarem ser "compensados" com diminuição de dias de férias dos trabalhadores ou com corte nos feriados. E lá prosseguem p.e. os cortes na protecção aos desempregados e redução no valor das prestações.
O custo de vida vem-se tornando insuportável para milhares e milhares de desempregados e pensionistas e para grande parte dos trabalhadores no activo, porque se destrói emprego, a precariedade aumenta, a protecção social diminui e a retribuição do trabalho está a baixar ao mesmo tempo que se agravam impostos e aumentam os preços de bens e produtos essenciais.
As violentas alterações à legislação laboral, se não forem travadas, tornarão a vida de grande parte dos trabalhadores num inferno, cinicamente em nome do "emprego, da competitividade e do crescimento".
Diz o Sr. PR que é preciso fazer estes sacrifícios porque ele tem "fé" que isto vai dar resultados! Mesmo sabendo que não é verdade, diz-nos que as privatizações vão permitir significativa "injecção de dinheiro na nossa economia". Quando interrogado sobre se com estas políticas não estaremos pior daqui a três anos, o PR afirma que não porque "no memorando está escrito" que vão ser atingidos resultados positivos.
O país precisa mesmo de governação que trace novos rumos com justiça, responsabilização e mobilização dos portugueses.
É bom que hoje, dia do 41.º aniversário da CGTP-IN, muitos e muitos milhares de trabalhadores de todas as gerações se estejam manifestando no Porto e em Lisboa. 

http://www.jn.pt/Opiniao/default.aspx?opiniao=Carvalho%20da%20Silva

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